A novidade do momento é a influência de facções criminosas por trás dos furtos de cabos de cobre, um drama que virou rotina nas principais avenidas de Porto Alegre, desde o início deste ano. Embora não haja inquéritos comprovando que atuem diretamente nas ações, são elas que fornecem a droga consumida pelos maiores ladrões de fios, os usuários de crack. Ou seja, o varejo da subtração de cabos envolve o tráfico de drogas, controlado pelas facções.
Entre janeiro e abril deste ano, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) de Porto Alegre registrou 168 ocorrências de furtos de cabos de cobre, totalizando 11,4 mil metros de fiação subtraída. A quantidade furtada é 35% maior do que a registrada em todo o ano passado, quando foram levados 8,4 mil metros de fios.
De acordo com relato de um dono de ferro-velho ouvido pelo GDI, existem sucateiros que são traficantes e pagam pelo metal em espécie, fornecendo drogas aos criminosos. Ou seja, o dependente químico que compraria uma pedra de crack por R$ 5 em dinheiro pode optar por entregar cobre em troca da droga: o traficante fornece duas pedras por um quilo do metal (que custa R$ 40). Assim, os traficantes, ligados às facções, faturam o dobro: tanto na venda da droga como na diferença de preço a mais. Fios de alumínio também são vendidos, com valor bem menor.
— O tráfico é o que influencia. Com R$ 50, o craqueiro compra 10 pedras de crack, e a forma mais rápida de arrumar o dinheiro é vendendo fio. Para ele, não faz diferença, ele tira o cabo primeiro e depois vê o que tem dentro. Enquanto essa praga da droga continuar nas ruas, eles vão cortar fio a torto e a direito, à luz do dia — resume o empresário.
Cada empresa de energia ou telefonia costuma ter cabos com marcas próprias. Por isso, para que o produto do furto não seja reconhecido, a maioria dos criminosos queima a capa preta que envolve os fios. Muitos usuários de crack fazem isso à luz do dia. A reportagem flagrou pessoas queimando fios de telefonia, de cor vermelha, em grandes fogueiras, nas proximidades da Arena do Grêmio, às 14h de uma sexta-feira. Via de regra, isso é feito em terrenos baldios próximos a vilas populares. Constatamos queimas nas vilas Lupicínio Rodrigues, Areia, Tio Zeca, Papeleiros e Planetário, entre outras, todas na área mais central ou próxima ao Guaíba.
O dono de ferro-velho ouvido pela reportagem diz que, na Grande Porto Alegre, as facções compram metal para lavar dinheiro.
— Tem uma empresa que atua em Cachoeirinha e Canoas que compra metal. E o dono é grande no tráfico. Ele compra o cobre para vender para a indústria. A facção disfarça o lucro e fatura um pouco mais — relata.
Chefe do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil, a delegada Vanessa Pitrez diz que não existem inquéritos que apontem as facções criminosas como controladoras do esquema de furto de fios. Ela admite, porém, que as quadrilhas mais organizadas se beneficiam desse tipo de crime, exatamente porque parte da mercadoria é paga com drogas, fornecidas por esses bandos.
— O tráfico é o catalizador de diversos tipos de crimes que atormentam a comunidade, como homicídios, roubo de veículos, assalto a pedestres e também no furto de cabos. O usuário em último grau de dependência se utiliza desse crime para sustentar seu vício — afirma Vanessa.
Outros policiais ouvidos pela reportagem são mais incisivos e dizem que nada escapa ao controle das facções no mundo da receptação. No mínimo, os receptadores são extorquidos pelas grandes quadrilhas, que também fornecem droga usada na troca pelo metal.
O fato é de que as facções criminosas estenderam tentáculos para toda atividade clandestina no Rio Grande do Sul, e era questão de tempo para isso incluir o furto e comercialização de cabos de metal. É o caso do bairro Navegantes, onde fica a maior concentração de sucateiros no Estado. Ali, a influência criminal é dos V7, com origem da Vila Cruzeiro. Ou das vilas Tio Zeca e Areia, situadas no Humaitá e dominadas criminalmente pela facção Os Manos. Ambas fornecem drogas que são usadas para pagar os criminosos que furtam os fios.
No Vale do Sinos, a predominância também é dos Manos, enquanto na região de Gravataí e na zona leste de Porto Alegre, é de uma terceira facção, os Bala na Cara.
As facções, contudo, proíbem que a queima aconteça em locais que chamam a atenção. Embaixo da nova ponte do Guaíba, num dos pilares, está pintado um recado: "Proibido queimar fios. Vaza!". Ao lado, o símbolo da facção Vale do Sinos. Um gerente do tráfico na região central da Capital confirma que é proibido furtar cabos e queimá-los nas áreas próximas aos ferros-velhos. Para não despertar contrariedade de policiais.
"Só pensa na droga, não pensa no risco"
A reportagem contatou um homem que durante muito tempo furtou fios. Ele tem 34 anos, é usuário de drogas há duas décadas e está em tratamento médico para se livrar do vício.
Subia no poste com uma faquinha de serra e um alicate, duas a três vezes por noite. E aquilo tem alta voltagem. Levava metros e metros de fio. Amanhecia usando droga e no outro dia tava lá, praticando o mesmo furto. Usuário de droga não pensa, quer dinheiro fácil.
USUÁRIO DE DROGAS
O homem confirma que os cabos mais visados são os de energia. Diz que agia em um grupo de quatro pessoas: dois subiam nos postes e dois ficavam vigilantes, para avisar sobre eventual presença da polícia. Explica que os fios descascados valem mais do que os queimados, porque são mais limpos, e que o material furtado é vendido em várias vilas dos bairros Humaitá e Navegantes.
Questionado sobre o perigo de morrer por choque elétrico, diz que nunca pensou nisso:
— Tu pensa só na droga, não pensa no risco. Nunca levei choque. Subia no poste com uma faquinha de serra e um alicate, duas a três vezes por noite. E aquilo tem alta voltagem. Levava metros e metros de fio. Amanhecia usando droga e no outro dia tava lá, praticando o mesmo furto. Usuário de droga não pensa, quer dinheiro fácil.