Candidatos do RS que se elegeram na disputa municipal de 2020, com patrimônio que varia de R$ 300 mil a R$ 4 milhões, sacaram o auxílio emergencial. O Grupo de Investigação da RBS (GDI) analisou dados do benefício que deveria ser destinado a quem ficou sem recursos durante a pandemia. Entre os 83 políticos eleitos que constam nas estatísticas governamentais como contemplados pelo programa estão pessoas que possuem fazendas, caminhões, veículos de luxo e empresas – 64 declararam ao TSE patrimônio acima de R$ 1 milhão. Nenhum deles, em tese, se enquadra nas regras para receber o benefício.
Uma das regras do auxílio emergencial obriga que o requisitante possua rendimentos ou bens em valor inferior a R$ 300 mil. A determinação consta na Medida Provisória 1.000/2020, que também direciona o benefício a quem está desempregado e às pessoas que passam por outras situações de carência, como renda per capita de até meio salário mínimo ou renda máxima anual de R$ 23 mil. As autoridades também levantam a possibilidade de alguém ter usado nomes dessas pessoas em uma fraude, o que pode ser revelado de acordo com o aprofundamento de investigações.
Os 83 eleitos fazem parte de um total de 697 candidatos gaúchos nas eleições municipais que aparecem nas listas oficiais como agraciados com o dinheiro governamental. Dos vitoriosos nas urnas, três se tornarão prefeitos, seis serão vice-prefeitos e os demais, vereadores.
Para chegar aos nomes, o GDI cruzou as bases de dados do Tribunal de Contas da União, do Ministério da Cidadania e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A irregularidade não é um fenômeno exclusivo do Rio Grande do Sul. Levantamento do TCU divulgado em novembro mostrou que o auxílio emergencial foi concedido a 10,7 mil candidatos brasileiros com bens acima do valor citado. Foram abertas investigações para verificar como isso aconteceu. Aqui, o link da listagem do Brasil.
Juntos, os 697 candidatos retiraram R$ 603 mil de auxílio emergencial, média de menos de R$ 1 mil por candidato. Desses políticos, 64 declararam ao TSE patrimônio acima de R$ 1 milhão, ou seja, muito acima da zona de carência à que se destina o auxílio emergencial. A média chega a 10% de milionários entre os que sacaram o benefício, mesmo percentual verificado no Brasil inteiro.
Todos os 10 primeiros no ranking de eleitos e que estão listados como beneficiários do auxílio emergencial sem estarem adequados às regras do programa possuem patrimônio milionário e vivem em cidades com menos até 10 mil habitantes.
Promotores de Justiça e fiscais de contas do governo ouvidos pela reportagem acreditam que a veiculação da lista do TCU, às vésperas das eleições, pode ter ajudado a retirar votos deles. A respeito do assunto, o ministro Bruno Dantas, do TCU, desabafou:
— Causa perplexidade imaginar que uma pessoa que tenha patrimônio dessa monta e, mesmo assim, se disponha a solicitar o recebimento de auxílio emergencial, possa vir a ser eleita e gerir a coisa pública e a vida da comunidade.
Importante ressaltar a possibilidade de que alguém tenha usado o nome desses candidatos para sacar o dinheiro, alerta o TCU:
"Os resultados são apenas indícios de renda incompatível com o auxílio. Há risco de erro de preenchimento pelo candidato e também de fraudes estruturadas com dados de terceiros. Só o Ministério da Cidadania pode confirmar se o pagamento é indevido", afirma a corte.
Sobre a possibilidade de fraudes, a Polícia Federal está agindo para descobrir possíveis associações criminosas e fraudes estruturadas relacionadas a esses nomes. A corporação desenvolve uma estratégia integrada com Ministério Público Federal, Ministério da Cidadania, CGU, TCU, e Caixa Econômica Federal.
Porém, caso fique comprovado que o candidato foi o autor do saque do benefício, ele pode ser processado criminalmente, por fraude ou estelionato. Uma ação da PF esta semana, aliás, surpreendeu 39 pessoas envolvidas em fraudes no auxílio emergencial.
A superintendência regional da PF lembra que as pessoas que se encontram nessa situação de irregularidade podem acessar o site do Ministério da Cidadania para fazer a devolução.
“O Governo Federal disponibilizou um endereço eletrônico para a devolução da quantia recebida para evitar possíveis transtornos e questionamentos futuros, inclusive com a Justiça, para aqueles que optarem por restituir os valores. O formulário para devolução da quantia recebida está disponível neste link”, informa a superintendência regional da PF.
Alguns procuradores da República têm proposto a quem burlou as regras do auxílio emergencial um acordo para evitar processo por estelionato. A pessoa assina documento se comprometendo a devolver o benefício e, além disso, deposita R$ 5 mil em conta do Judiciário, destinados a alguma entidade assistencial.
Quem são os 10 eleitos com maior renda e que aparecem como tendo retirado o auxílio
Oito dos 10 gaúchos eleitos em 2020 que aparecem como autores de saque do auxílio emergencial sem se enquadrarem nas regras são produtores rurais. Confira quem eles são e quais as suas explicações:
1) Gilmar Weber Tolfo, o Alemão

Eleito prefeito pelo PL em São José das Missões. É produtor rural. Declarou R$ 4,5 milhões em bens, entre eles sete propriedades rurais, uma colheitadeira, duas plantadeiras, dois tratores, uma caminhoneta e um carro. Concorreu pela primeira vez a um cargo. Retirou R$ 1,8 mil de auxílio emergencial.
Contraponto
Ao responder sobre o caso em outubro, Tolfo disse: "Eu acredito que teria direito, porque me falaram que agricultor familiar poderia receber. Não fui o responsável por encaminhar o cadastro para receber o auxílio. Foi feito o cadastro ali e liberaram para mim. Mas nem fui eu que encaminhei, foi os (funcionários) da Assistência (Social) que encaminharam”. Ele não foi localizado novamente pela reportagem, mas o espaço está aberto para novo contraponto.
2) Estevão Pissolatto

Eleito vereador pelo PDT em Tio Hugo. É produtor rural. Declarou R$ 3,8 milhões em bens. Possui declaradas uma área de terra e uma residência (dois locais diferentes), um trator, uma plantadeira e três automóveis. Concorreu pela primeira vez. Tirou R$ 2,4 mil de auxílio emergencial.
Contraponto
“Tirei mesmo. Estou precisando. Esses bens todos que estão no meu nome, dois dos três carros, não são mais meus. Eu uso, mas não são meus. É herança, é do meu pai. Quero que venham ver aqui a casa onde moro, simples. Sei que para sacar o benefício tem um teto e que em tese eu tenho propriedades, mas só no nome. Eu não tenho sequer dinheiro para devolver o auxílio, não tenho como devolver”.
3) Giovane Soares Rozin

Eleito vereador em Chiapetta pelo MDB. É produtor rural, 27 anos. Declarou R$ 2,2 milhões em bens. Entre eles: uma área rural para plantio, uma colheitadeira, um pulverizador, uma plantadeira, uma caminhonete, um automóvel e dinheiro em contas bancárias. Concorreu pela primeira vez a um cargo eletivo. Tirou R$ 1,2 mil de auxílio emergencial.
Contraponto
“Teve bastante empresários, com mais patrimônio que eu, que tiraram. Eu não queria tirar. Minha esposa inscreveu, como outros tinham mais patrimônio e ganharam...aí ela inscreveu. Foi uma bobagem. Meu patrimônio maior é a terra. Nosso presidente Bolsonaro falou que era para agricultores que recebem o Pronaf. Tavam denegrindo minha imagem, mas mesmo assim me elegi. Devolvi o dinheiro. Fiz estorno, antes da eleição. Vi que deu esse movimento...aí devolvi”.
4) Claudemir Lodi, o Claude

Vereador eleito em Camargo pelo MDB, com 130 votos (5,84% do total). Produtor rural, concorreu pela primeira vez. Declarou patrimônio de 1,7 milhão. Declarou possuir um terreno urbano, uma área rural, um trator, um automóvel e sociedade num caminhão, além de aplicação bancária. Tirou R$ 2,4 mil de auxílio emergencial.
Contraponto
“Eu estava endividado, minha empresa de cereais quebrou, vim de seca...estou pagando pensão para filho. Por isso tirei o dinheiro. Quando me recuperei, devolvi”.
5) Alexandre Zwirtes

Eleito vereador em Ibiraiaras pelo MDB. É produtor rural. Declarou patrimônio de R$ 1,6 milhão. É a terceira vez que concorre a vereador, já foi eleito em 2008. Declarou possuir uma casa, uma área de terra para plantio, uma caminhonete e aplicações bancárias. Tirou R$ 1,2 mil de auxílio emergencial.
Contraponto
“Na verdade, o que dizia sobre o auxílio era que seria para aluguel, para ajuda de custos, né.... Eu só descobri que com meu patrimônio não poderia na hora de declarar bens à Justiça Eleitoral, durante a campanha. Não tinha um teto de bens, não vi isso. Depositaram um valor numa conta do Banco do Brasil. Realmente tem. Já entrei em contato com a Justiça Eleitoral e ficaram de me passar uma resposta sobre o que fazer”.
6) Mauri Agostini

Eleito vereador em Cruzaltense pelo DEM. É produtor rural. Nunca concorreu antes a cargo eletivo. Declarou patrimônio de R$ 1,5 milhão. Informou possuir quatro lotes rurais, um terreno urbano, uma casa, um carro e uma moto. Tirou R$ 1,2 mil de auxílio emergencial.
Contraponto
“Foi o sindicato rural que encaminhou. Eu não sabia que patrimônio acima de R$ 300 mil não pode tirar. Tenho só 12 hectares de terra. Sei que, com a casa e o terreno e os veículos, dá mais que esse valor. Nem sei o que fazer. Estou pedindo ajuda para uma cirurgia...nem tenho como devolver o valor do auxílio emergencial”.
7) Cristian Riboli Bratz

Eleito vereador em Constantina pelo PP. É despachante. Declarou patrimônio de R$ 1,5 milhão. É a primeira eleição em que concorreu. Tem cinco terrenos na cidade, uma casa, uma caminhonete e quotas em duas empresas. Tirou R$ 2,4 mil de auxílio emergencial.
Contraponto
“O contador informou que era para fazer. Um erro de interpretação dele. Quando voltei, me inteirei. Vi que não era compatível e devolvi, mês a mês”.
8) Lisandro João Jaskulski

Eleito vereador em Sete de Setembro pelo PSB. É produtor rural. Foi a primeira vez em que concorreu. Declarou patrimônio de R$ 1,39 milhão. Entre os bens, dois caminhões, um ônibus, dois tratores, uma caminhonete, um carro e uma colheitadeira, além de uma área de terra avaliada em R$ 1 milhão. Tirou R$ 2,4 mil de auxílio emergencial.
Contraponto
“Eu não cheguei a pegar o dinheiro. Está na conta. Não devolvi porque disseram que, se não usei, não precisa devolver. Estou sabendo pelo senhor que precisa devolver...Vou me informar. Na realidade, não precisava do dinheiro. Fiz por brincadeira, uns pegavam o auxílio, outros não. Não tive prejuízo que justifique pegar o benefício”.
9) Pedro Jair Oliveira Pereira, o Jair Pereira

Eleito vereador em Jaboticaba pelo PDT. É barbeiro. Já foi candidato em outra eleição ao mesmo cargo, não eleito. Declarou patrimônio de R$ 1,1 milhão. Tem três áreas de terra e um automóvel. Tirou R$ 1,2 mil de auxílio emergencial.
Contraponto
“Tirei porque estou com contas bancárias zeradas. A barbearia não está no meu nome. As três áreas de terra em meu nome não são mais minhas, eu vendi. Comprei uma chácara na cidade, que ainda não está no seu nome. Mas não vou mais tirar o auxílio”.
10) Valdir Antônio Coghetto

Eleito vereador em Pinto Bandeira pelo MDB. É produtor rural. Já foi vereador em 2012 e concorreu em 2016, não se elegendo. Declarou patrimônio de R$ 1,1 milhão. Isso inclui uma casa, três áreas de terra no interior, um trator, um automóvel e implementos agrícolas. Tirou R$ 1,2 mil de auxílio emergencial.
Contraponto
“Colocaram o dinheiro na minha conta sem eu pedir. Não sei quem colocou meu nome lá. Eu nem sabia, foi o gerente da Caixa que me avisou. Abriram uma conta no Sicredi e depositaram. Não fiz queixa na Polícia, porque eu iria me incomodar mais ainda. Devolvi tudo” (o vereador mandou comprovantes à reportagem).