O Ministério Público denunciou oito pessoas por associação criminosa, corrupção ativa ou passiva, peculato e falsidade ideológica em uma investigação que teve como origem a série de reportagens de GZH Dinheiro pelo Bueiro.
Estão entre os acusados dois ex-diretores do extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), dois servidores do município e empresários e representantes de terceirizadas que recebiam da prefeitura por serviços não executados. A apuração teve como foco o contrato de hidrojateamento e de sucção nas redes pluviais firmado pelo DEP com a JB Comércio e Serviços Ambientais, em 2015.
Para a 6ª Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre os então diretor-geral do DEP, Tarso Roveda Boelter, e diretor-adjunto, Francisco Eduardo Mellos dos Santos, teriam acertado de desviar dinheiro atestando a prestação de trabalhos não realizados para, depois, receber de empresários parte dos valores pagos a mais. Ou seja: propina que seria paga a agentes públicos com dinheiro público.
Para concretizar o suposto esquema, os diretores teriam contado com a participação dos servidores Paulo Guilherme Silva Barcellos e Rogério dos Santos Faccio, além de um que não foi identificado. Eles seriam responsáveis por inserir dados falsos nas folhas de medição de serviços e planilhas que sustentavam a cobrança da empresa e o pagamento pelo município. Barcellos era o fiscal deste e de outros contratos investigados por autoridades a partir da publicação das reportagens de GZH.
Quando as suspeitas se tornaram públicas, em 2016, o próprio DEP começou apurações em torno de contratos. GZH havia revelado que a empresa JB, que havia firmado o contrato de hidrojateamento e sucção, funcionava como uma espécie de fachada. Ela foi usada para que outra empresa atuasse junto ao DEP, recebendo os valores: a Ambiental BR. As negociações para converter em propina os valores pagos a mais no contrato teriam ocorrido com os representantes da JB e da Ambiental BR.
No serviço de hidrojateamento foi constatado pelo DEP que a medição declarada acima do realizado teve média ponderada de em torno de 40%, sendo que o total pago por trabalhos inexistentes seria em torno de R$ 364 mil. No item sucção, a média superfaturada seria de quase 60%, com ganhos de 72 mil.
Também foram denunciados pelo MP representantes das duas empresas envolvidas: Gilvani Dall Oglio, João Batista dos Santos Teixeira, Antônio Marcos Pereira Martins e Carlos Alberto Guimarães. Os oito denunciados já haviam sido indiciados pela Polícia Civil em inquérito feito pela 1ª Delegacia de Combate à Corrupção do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Um nono suspeito que havia sido indiciado, Ailton Verlei Montenegro, também servidor do DEP, não foi denunciado pelo MP.
O inquérito, que embasou a acusação do MP, foi enviado à Justiça em dezembro de 2018. A denúncia da 6ª Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre foi concluída em outubro de 2019. A acusação do MP ainda não foi analisada pela Justiça.
Ainda tramitam na Polícia Civil outros inquéritos sobre irregularidades no extinto DEP.
Quem são os denunciados
Tarso Roveda Boelter (PP)
Diretor-geral do DEP entre 2013 e março de 2016. Saiu do departamento para concorrer a vereador. Quando as suspeitas de irregularidades vieram à tona, em julho de 2016, afirmou que desconhecia os fatos. Denunciado por associação criminosa, corrupção passiva, peculato e falsidade ideológica.
Francisco Eduardo Mellos dos Santos (MDB)
Diretor-adjunto do DEP entre 2013 e 2016. Pediu afastamento depois de reveladas suspeitas de irregularidades no órgão. Denunciado por associação criminosa, corrupção passiva, peculato e falsidade ideológica.
Paulo Guilherme Silva Barcellos da Silva
Engenheiro do quadro, como chefe da Divisão de Conservação era responsável pela fiscalização de vários contratos sob suspeita. Disse à polícia que sabia das irregularidades, mas não as denunciou porque queria manter o cargo de direção. Denunciado por associação criminosa, peculato e falsidade ideológica.
Rogério dos Santos Faccio
Servidor do quadro, ex-chefe da seção Centro do DEP, teria atestado serviços descritos em planilhas produzidas com dados falsos. Denunciado por associação criminosa, peculato e falsidade ideológica.
Gilvani Dall Oglio
Empresário, gerente-geral da Ambiental BR. Admitiu que pagou propina para manter contrato com DEP. Denunciado por associação criminosa, corrupção ativa, peculato e falsidade ideológica.
João Batista dos Santos Teixeira
Dono da empresa JB Comércio e Serviços Ambientais à época, que foi usada pela Ambiental BR para vencer licitação junto ao DEP. Denunciado por associação criminosa, corrupção ativa, peculato e falsidade ideológica.
Antônio Marcos Pereira Martins
Era funcionário da Ambiental BR. Denunciado por associação criminosa, peculato e falsidade ideológica.
Carlos Alberto Guimarães
Funcionário da Ambiental BR, foi o representante legal da JB na licitação com o DEP. Denunciado por associação criminosa, corrupção ativa, peculato e falsidade ideológica.
Contrapontos
O que disse João Paulo Nácul, advogado de Tarso Roveda Boelter:
Não há prova de que meu cliente cometeu ato ilícito e a inocência dele será demonstrada na instrução do processo.
O que dizem os advogados Rafael Coelho Leal e Thais Félix, advogados de Francisco Eduardo Mellos dos Santos:
Nosso cliente ainda não foi intimado da denúncia.
O que disse Thiago Bandeira Machado, advogado de Paulo Guilherme Silva Barcellos da Silva:
Paulo Guilherme já foi citado e apresentou sua defesa tempestivamente nos autos, através da equipe técnica constituída.
O que disse Rogério dos Santos Faccio:
GZH deixou recado, mas não obteve retorno.
O que disse Gilvani Dall Oglio:
Estou colaborando como posso. Acho importante um processo justo na área pública, pois ocorre muito direcionamento, muito esquema. Isso tem que acabar. Sopu de uma opinião: ou somos todos bandidos ou somos corretos. Cada um tem que pagar sua conta.
O que disse Daílson Pinho dos Santos, advogado de João Batista dos Santos Teixeira e de Antônio Marcos Pereira Martins:
Acredito que o processo não irá adiante em relação a meus clientes. O João batista foi usado como laranja do Gilvani e Marcos era apenas um funcionário da Ambiental BR sem poder de mando, era gerente de pátio, cuidava dos caminhões.
O que disse Carlos Alberto Guimarães:
Não tenho nenhum envolvimento. Era funcionário, tinha uma procuração e representei as empresas no processo de licitação. Apenas isso. Quando deu o problema do DEP eu nem era mais funcionário.
Série de reportagens provocou abertura de investigações
A série "Dinheiro pelo Bueiro", publicada por Zero Hora em julho de 2016, revelou suspeitas de que empresas terceirizadas recebiam do então Departamento Estadual de Esgotos (DEP) por serviços não executados. O principal caso noticiado envolvia o contrato de limpeza de bueiros. ZH mostrou que a empresa JD Construções declarava ter limpado mais bueiros do que os que existiam nas ruas e, com isso, recebia valores superfaturados. Essa parte segue sob investigação da Polícia Civil.