O Ministério Público Estadual anunciou, na manhã desta quarta-feira (6), em entrevista coletiva na sede do órgão, em Porto Alegre, a formalização da denúncia criminal contra 14 pessoas, entre ex-dirigentes, profissionais liberais e empresários de jogadores de futebol pelas supostas fraudes que ocorreram no Inter na gestão 2015/2016. A investigação apontou desvios superiores a R$ 13 milhões. A peça do MP irá tramitar na 17ª Vara Criminal de Porto Alegre. Entre os crimes apontados pela investigação estão estelionato, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Entre os denunciados pelo MP estão o ex-presidente Vitorio Piffero e os ex-vice-presidentes Pedro Affatato (Finanças), Emídio Marques Ferreira (Patrimônio) e Carlos Pellegrini (Futebol). Um dos elementos que basearam a denúncia contra Piffero é a tese do domínio do fato: o MP concluiu que desvios de recursos não poderiam ter ocorrido de diferentes setores do clube — desde obras fictícias para justificar adiantamentos na boca do caixa até comissões supostamente ilícitas em transações de jogadores — sem o conhecimento e consentimento do presidente.
Cerca de R$ 10 milhões teriam sido desviados em benefício de Affatato, por meio de apresentação de notas fiscais com serviços fictícios para justificar saques de dinheiro do clube. Empresas da família do ex-vice de finanças teriam sido usadas para lavagem de dinheiro, fato que levou dois de seus irmãos a serem denunciados também — Arturo e Paola.
— (Piffero) Foi denunciado por organização criminosa e a prática de 200 estelionatos, como co-autor. Ele foi considerado como co-autor de tudo que aconteceu. O regime era presidencialista no clube, as decisões eram tomadas por ele. Ele era um presidente participativo. Nestes termos, considerou-se a participação dele como decisiva nos crimes que foram imputados — explicou, na coletiva, o promotor Flávio Duarte.
Segundo o MP, Emídio Ferreira teria recebido R$ 53,4 mil em sua conta pessoal e de uma empresa de sua propriedade, a Pavitec do Brasil Pavimentadora Técnica Ltda.
Carlos Pellegrini, ex-vice de futebol, teria obtido mais de R$ 230 mil em comissões para concretizar negociações de jogadores como Paulo Cézar Magalhães, Cláudio Winck, Alisson, Ariel e Réver.
A primeira denúncia será repartida em duas: uma do núcleo "finanças e patrimônio" e outra do "futebol". Neste primeiro momento, os ex-vice-presidentes Alexandre Limeira (Administração) e Marcelo Castro (Jurídico) não deverão ser denunciados. A investigação a respeito deles seguirá em andamento.
O Procedimento Investigatório Criminal (PIC) que apura possíveis delitos na gestão do Inter foi iniciado em novembro de 2017. Em 20 de dezembro de 2018, o MP fez busca e apreensão nos endereços residenciais e profissionais dos suspeitos. Agora, dois anos após a largada das investigações, ocorre a primeira denúncia.
Histórico do caso
A maioria das notas fiscais apresentadas por Affatato para dar baixa nos valores que ele retirava em adiantamentos do Inter era da Keoma Construção, Incorporação e Planejamento. Esta empresa emitiu R$ 5,3 milhões em notas de serviços prestados, mas o sócio majoritário da empresa, Edson Joel Rodrigues, afirmou que a Keoma nunca trabalhou para o Inter.
Uma das notas da Keoma apresentadas por Affatato, ao custo de de R$ 635 mil, referia-se a supostos serviços no terreno do Centro de Treinamento de Guaíba, onde não havia obra até então. À época da emissão do documento fiscal, em 2015, o Inter sequer detinha autorização ambiental da Fepam para fazer intervenções no terreno. O ex-vice-presidente de Finanças se valeu de outras três empresas, todas elas assessoradas contabilmente pelo contador Adão Silmar de Fraga Feijó, também denunciado, para apresentar notas que totalizaram R$ 9,9 milhões para justificar seus saques.
Affatato ainda usou uma empresa da sua família, a Rodoseg Segurança e Engenharia Rodoviária, para instalar guard-rails no complexo Gigante da Beira-Rio ao custo de R$ 1 milhão. Ele apresentou as notas da Rodoseg para dar baixa em adiantamentos sacados no caixa do clube.
Conforme a lei que estabeleceu o Programa de Modernização da Gestão de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), é vedado aos clubes contratar empresas das quais façam parte os seus gestores ou familiares.
A suposta vinculação Ferreira, ex-vice-presidente de Administração, com as irregularidades também seria relacionada às notas fiscais de obras que não foram localizadas no Beira-Rio, mas que geraram custos aos cofres do clube. Em cinco delas, Ferreira avalizou os pagamentos. O responsável por assinar a maioria das notas fiscais da Keoma e das outras empresas usadas para justificar adiantamentos teria sido o engenheiro civil Ricardo Bohrer Simões, também denunciado. As apurações indicaram que Simões pode ter chegado ao Beira-Rio por intermédio de Ferreira: o engenheiro foi responsável técnico de duas empresas do ex-dirigente colorado, a Pavitec do Brasil Pavimentadora Técnica e a Paviway Pavimentação. Também foi denunciado pelo MP o engenheiro Carlos Eduardo Marques, que teria atestado falsamente a realização de obras fictícias descritas em notas fiscais.
Além da Keoma, Simões abriu a empresa Pier Serviços Eireli que, entre 2015 e 2016, teria recebido R$ 1,5 milhão do Inter por serviços não detectados nem mesmo por auditorias contratadas pelo próprio clube. Simões também foi procurador da Empresa Gaúcha de Estradas (Egel), beneficiada com R$ 194,3 mil do clube, e esteve associado informalmente à Keoma.
A Egel tinha endereço em Balneário Gaivotas, em Santa Catarina, em um trecho de rua de chão batido. O GDI esteve no local e, no logradouro indicado no CPNJ, existia uma casa de uma cabeleireira que nunca tinha ouvido falar da Egel.
Nomes dos denunciados
Vitorio Piffero, ex-presidente
Pedro Affatato, ex-vice de Finanças
Emídio Marques Ferreira, ex-vice de Patrimônio
Carlos Pellegrini, ex-vice de futebol
Carlos Eduardo Marques, engenheiro do clube
Ricardo Bohrer Simões, empresário
Adão Silmar de Fraga Feijó, contador
Paola Affatato, empresária e irmã de Pedro
Arturo Affatato, empresário e irmão de Pedro
Rogério Braun, empresário de futebol
Paulo Cézar Magalhães, tio do ex-lateral do Inter de mesmo nome
Giuliano Bertolucci, empresário de futebol
Fernando Otto, empresário de futebol
Carlos Alberto de Oliveira Fedato, empresário de futebol