O esforço para aumentar a resiliência das rodovias do Rio Grande do Sul contra inundações como a que espalhou devastação em maio do ano passado exigirá o desembolso de bilhões de reais e anos de trabalho.
Obras capazes de criar uma estrutura de estradas e pontes resistentes a inundações custariam pelo menos R$ 10,4 bilhões segundo estimativas do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Deste valor, R$ 9,9 bilhões correspondem a um montante previsto para blindar as vias sob responsabilidade estadual. Outros R$ 500 milhões, no mínimo, se referem a projetos de "adequação de cheias" em elaboração por parte do governo federal com expectativa de serem executados nos próximos meses.
Conforme o Piratini, aproximadamente 13,7 mil quilômetros sofreram algum impacto em decorrência da catástrofe — dessa extensão, cerca de 60% corresponderam a trajetos sob gestão do Estado, e o restante da União. A proteção da malha vinculada ao Daer, portanto, representaria um avanço considerável para a segurança viária diante das mudanças climáticas. Do custo estimado para proteger essa rede estadual contra intempéries, cerca de R$ 3 bilhões teriam de ser destinados apenas às regiões Serra, dos Vales e Central — onde se concentraram os maiores danos na tragédia que completa um ano agora.
O secretário de Logística e Transportes do Estado, Juvir Costella, afirma que o governo gaúcho já contratou serviços de recuperação e melhorias em pontes e estradas da ordem de R$ 1,2 bilhão via Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs) e, até meados de abril, outro meio bilhão havia sido aprovado — totalizando R$ 1,7 bilhão direcionados até o momento para melhorar a circulação por parte do Piratini. Essa cifra não inclui cerca de R$ 400 milhões aplicados emergencialmente para recolocar a malha em funcionamento logo após a tragédia.
Por parte do governo federal, R$ 1, 2 bilhão foi contratado para serviços de recuperação. Somados, os recursos estaduais e federais alcançam a cifra de R$ 2,9 bilhões, valor que corresponde a 28% do necessário para a realização de obras resistentes a eventos climáticos extremos.
Obras estaduais: estruturas resilientes
As obras em rodovias estaduais preveem critérios técnicos mais rigorosos para fazer frente a inundações, segundo os projetos aprovados. Os 10 contratos assinados pelo Piratini para construção ou reconstrução de pontes, por exemplo, estabelecem que as novas estruturas devem ficar, no mínimo, um metro e meio acima do ponto máximo da cheia verificada em maio de 2024.
— A nova ponte entre Arroio do Meio e Lajeado ficou cinco metros acima da máxima cheia. Além disso, tinha 80 metros (de extensão), e agora foi para 172 metros. São obras de resiliência climática, prevendo o que poderá vir lá na frente — afirma Costella.
Os 15 lotes de rodovias estaduais com contrato de recuperação assinado também estabelecem melhorias, como o levantamento dos pontos sujeitos a desmoronamento para implantar contenção de encostas. Outra intervenção prevista é a recomposição do leito da RS-348 entre os municípios de Agudo e Dona Francisca — trecho onde a violência da enxurrada entrecortou a rodovia. O projeto prevê, agora, a implantação de dois viadutos de várzea — estruturas que permitem a passagem da água por baixo do asfalto. Um deles deve ter cerca de 400 metros de extensão, e o outro, meio quilômetro.
Embora os trabalhos tenham diferentes prazos de conclusão, o secretário de Logística e Transportes indica que as obras devem se prolongar até o próximo ano.
— Os cronogramas foram definidos de acordo com o tamanho da obra. Mas, na média, o objetivo é que ao final de 2026 todas as pontes e estradas estejam reconstruídas. Em abril do ano passado, o comentário é de que levaria pelo menos quatro ou cinco anos para o Estado se recompor, talvez até uma década — argumenta Costella.
Até a metade de abril, permaneciam sete bloqueios totais e seis parciais em estradas estaduais. Conforme o governo federal, os trechos sob responsabilidade da União estavam todos liberados para passagem, com quatro pontos de restrição parcial ao tráfego. O Dnit informou que os serviços de recuperação devem se estender ao longo deste ano, já com verba garantida. Os projetos para aumentar a segurança contra inundações seguiam em elaboração.
Por meio de nota, o Dnit informou que a etapa de "Obras Estruturantes de Adequação de Cheias” ainda está em "ação preparatória, ou seja, encontram-se em andamento os levantamentos e estudos para posterior incorporação a contratos vigentes. Porém, já se estima um valor acima de R$ 500 milhões para sua implantação".
Escoamento da produção
Diretor vice-presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Fábio Avancini Rodrigues sustenta que "ainda há reflexos" da cheia do ano passado sobre a infraestrutura gaúcha e sobre a capacidade logística estadual. Rodrigues avalia que o trabalho de reconstrução poderia ocorrer "um pouco mais rapidamente" a fim de recuperar a competitividade do Estado e facilitar o escoamento da produção. Mas entende que os desafios são grandes:
— A questão emergencial foi atacada, mas ainda temos muitas pontes para recuperar ou reconstruir. São obras com valor significativo, que tem uma demora intrínseca, mas ainda assim poderíamos ser mais ágeis.
Impacto de R$ 14 bilhões para a indústria gaúcha
Os estragos na infraestrutura viária atingiram setores produtivos do Estado. De acordo com um estudo do Banco Mundial, que compilou dados coletados pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), as perdas, os danos e custos adicionais causados pela enchente somaram R$ 14 bilhões para a indústria local. O presidente da Fiergs, Claudio Bier, aponta que o prejuízo logístico foi estimado em R$ 4,1 bilhões e se concentrou em maior grau na área de rodovias e pontes, com quase metade deste valor.
A entidade vem acompanhando o trabalho de recuperação.
— Ainda temos problemas viários. São trechos importantes, que estão sendo mexidos. Foram entregues recentemente 10 pontes (construídas pela iniciativa privada), mas as empresas também estão com dificuldade de achar mão de obra. A forma de enxergar isso como o copo meio cheio é que, pelo menos, está movimentando a economia do Estado com empregos, venda de máquinas, cimento, asfalto — observa Bier.
O dirigente empresarial afirma que um dos pedidos do setor é para que se dê especial atenção ao cenário na RS-287, que liga Santa Maria à Região Metropolitana. Ainda em obras, a via recebeu uma ponte provisória construída pelo Exército sobre o Arroio Grande, mas ainda espera uma estrutura definitiva que deverá ser encaminhada pela empresa concessionária. Apesar dos desafios, Bier mantém o otimismo em relação ao futuro próximo do Estado:
— Com os recursos que estão entrando, bem aplicados no setor de logística, mais a ajuda da iniciativa privada, vamos nos recuperar. Temos de pensar de forma positiva.