O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) informou nesta terça-feira (4), que irá recorrer da sentença que condenou o município de Campo Bom, no Vale do Sinos, a Associação Beneficente São Miguel (ABSM), e a empresa Air Liquide Brasil Ltda. pelo desabastecimento de oxigênio no Hospital Lauro Réus, ocorrido em março de 2021, durante o momento mais crítico da pandemia da covid-19.
O episódio causou a morte de seis pacientes, que estavam entubados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. O caso aconteceu em 19 de março de 2021, porém, nos 15 dias seguintes, outros 16 pacientes também perderam a vida.
A sentença foi proferida pelo juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Campo Bom, Alvaro Walmrath Bischoff, no domingo (2).
Na decisão, a Justiça determinou o pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão, a ser revertido em favor do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), além da obrigação de indenizar individualmente os familiares das vítimas por danos morais e materiais. No entendimento do MPRS, a sentença foi branda.
— Vamos recorrer porque o valor da condenação relativa ao dano moral coletivo ficou muito modesto, visto o enorme abalo da comunidade de Campo Bom após a tragédia — justificou a promotora de Justiça Ivanda Grapiglia Valiati.
Apesar disso, a promotora de Justiça Leticia Elsner Pacheco, autora da ação inicial, entendeu que a sentença "traz algum conforto ao coração das famílias das vítimas, que há quatro anos aguardam por justiça”.
O que dizem os envolvidos
Associação Hospitalar Vila Nova, responsável pela gestão do Hospital Dr. Lauro Réus
"A Associação Hospitalar Vila Nova, responsável pela gestão do Hospital Dr. Lauro Réus desde agosto de 2022, esclarece que não é parte envolvida na decisão judicial divulgada na data de 03 de Fevereiro de 2025, esclarecendo, ainda, que o fato ocorrido deu-se em período que antecede o início de sua gestão.
Reforçamos nosso compromisso com a qualidade da assistência em saúde e seguimos focados na melhoria contínua da prestação dos nossos serviços à comunidade".
Prefeitura de Campo Bom
"Antes de falar sobre a sentença, o Município volta a manifestar sua solidariedade com os familiares das vítimas desse trágico incidente.
A condenação pelos eventos ocorridos foi dos réus Air Liquid e Associação Beneficente São Miguel. A estes cabe cumprir a sentença de condenação. Ao Município somente caberá responsabilidade se eles não cumprirem com a decisão na qual foram condenados.
Quanto a sentença de 26 páginas, o Município está analisando seus detalhes e deverá recorrer no que tange sua responsabilidade subsidiária porque ainda entende que não há nexo causal entre seu agir e o resultado ocorrido.
Ainda, a condenação subsidiária do Município confirma o que se afirmou como defesa durante o curso do processo: não há qualquer conduta do Município que implique em agir culposo pelos eventos ocorridos. A condenação subsidiária corrobora o que se afirma, sendo a responsabilidade imposta ao Município tão somente porque mantinha a contratação da empresa que administrava o hospital, não tendo sido nem sequer negligente no seu dever fiscalizatório do contrato.
Atualmente quem administra o Hospital é a Associação Hospitalar Vila Nova. A ABSM foi afastada em 2022. Além disso, não compete ao Município estabelecer quem é a fornecedora do oxigênio medicinal. Compete ao Município verificar se a Administradora do Hospital mantém contrato de fornecimento de oxigênio medicinal com empresa idônea."
Air Liquide
"A Air Liquide Brasil está totalmente comprometida com a segurança e o bem-estar de seus funcionários, clientes e pacientes. Fomos informados a respeito da decisão da Justiça em 3 de fevereiro de 2025. No entanto, a empresa respeitosamente discorda da sentença, sendo que irá recorrer de tal decisão. Reiteramos nosso compromisso de seguir colaborando com as autoridades."
Relembre o caso
As seis mortes ocorreram após instabilidade na distribuição do oxigênio na manhã de 19 de março de 2021. Uma sindicância feita pelo hospital em maio de 2021 concluiu que houve falta de reabastecimento pela Air Liquide. Na época, a empresa afirmou que foi contatada no dia do incidente, que auxiliou remotamente para começar o sistema de backup e, ainda, que forneceu novos cilindros de oxigênio ao hospital.
Em junho do mesmo ano, uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) aberta na Câmara de Campo Bom aprovou relatório que responsabilizou a empresa fornecedora de oxigênio, funcionários do hospital e a terceirizada que prestava serviços de manutenção à casa de saúde pelo caso.
A Polícia Civil indiciou seis funcionários do Hospital Lauro Réus e dois da empresa Air Liquide por homicídio culposo. Segundo a investigação, concluída em junho de 2021, as mortes foram causadas pela falha na suplementação de oxigênio registrada naquela manhã. Foi este inquérito que deu origem à denúncia apresentada pelo MP-RS.
Um segundo inquérito apontou que outras 15 pessoas também internadas no hospital faleceram nos dias seguintes e que a falha poderia ter causado os óbitos. No entanto, não houve indiciamentos nessa investigação.
Em março de 2022, o Ministério Público ingressou com uma ação civil pública contra a mantenedora do Hospital Lauro Réus e a empresa Air Liquide. A promotoria pediu a indisponibilidade e o bloqueio dos bens dos réus a fim de garantir eventuais indenizações a familiares dos seis pacientes mortos.
Na último domingo (2), a Justiça proferiu a sentença, reconhecendo a responsabilidade solidária da ABSM e da Air Liquide Brasil Ltda., além da responsabilidade subsidiária do município de Campo Bom.