Um vaquinha virtual criada para ajudar o entregador Max Ângelo dos Santos, 36 anos, a realizar o sonho da casa própria bateu a marca de mais de R$ 200 mil em menos de 48 horas. Max foi vítima de xingamentos racistas e agredido pela ex-atleta de vôlei Sandra Mathias Correia de Sá no começo deste mês, no Rio de Janeiro. Em entrevista ao programa Gaúcha Mais, da Rádio Gaúcha, ele relatou o ocorrido e agradeceu pela repercussão positiva apesar do acontecimento lamentável.
— O que eu fiz não teve a ver com fama ou com dinheiro, e sim, para mostrar para as pessoas que é possível lutar. É possível combater o racismo, a homofobia e a violência. Fico muito feliz com as doações e com certeza isso está mudando muito minha vida. É a prova de que existem pessoas boas — declarou.
Agressões
Max contou à Polícia Civil que na noite do último dia 4, enquanto trabalhava fazendo entregas de bicicleta, passou com o veículo ao lado de Sandra, que passeava com um cachorro. Ela o acusou de ter "tirado uma fina" (passado perto demais) dela e o xingou de "marginal", "preto" e "favelado". Depois dos insultos, ela teria entrado na loja para pedir informações sobre o entregador — para supostamente denunciá-lo à polícia — e exigir a demissão dele.
Ele afirma que não passou perto de Sandra a ponto de justificar alguma reclamação, muito menos os xingamentos de que foi vítima. Por isso, na manhã do dia 5, ele foi à 15ª DP e fez uma denúncia contra a mulher por injúria. Na tarde daquele dia, segundo o entregador, a ex-atleta de vôlei foi ao local onde ele e os demais entregadores ficam reunidos aguardando pedidos e passou alguns minutos filmando todos eles. Ela teria comentado:
— Ele está aqui com a quadrilha dele.
O entregador diz ter alertado os colegas para que ninguém reagisse, porque era exatamente o que ela queria, avalia.
No domingo de Páscoa, dia 9, Max foi trabalhar normalmente. Estava com os colegas na frente do estabelecimento que atende quando Sandra passou com o cachorro, parou e ficou encarando o grupo de entregadores. A entregadora Viviane Souza perguntou a ela:
— Que mal a gente fez pra senhora?
Sandra, segundo Max, largou o cão e foi em direção a ela, para agredi-la. Viviane correu, mas chegou a ter a perna mordida por Sandra.
Depois disso, o alvo da nutricionista voltou a ser o entregador. Usando a corda da coleira do cachorro como chicote, Sandra tentou atingi-lo — Max conseguiu desviar uma vez, mas foi agarrado pela camisa e agredido pela mulher. As cenas foram registradas pelos outros entregadores, com câmeras de celulares. Ele voltou à delegacia, desta vez para denunciar a ex-atleta por lesão corporal.
— É uma situação bem séria e complexa pelo fato de, em pleno século 21, ainda existirem pessoas que praticam essas ações. Ficou parecendo que eu estava em 1800, quando o escravizado apanhava com chicote — relatou Max.
Investigada
Graduada em nutrição, Sandra foi jogadora de vôlei e atualmente é dona de uma escola do esporte na praia do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro. O Conselho Regional de Nutricionistas da 4ª Região, que engloba os Estados do Rio e do Espírito Santo, divulgou nota na terça-feira (11) informando que, "após tomar ciência dos fatos noticiados de atos racistas e lesão corporal (...), se posiciona de forma veemente contra os atos que envolvem a nutricionista Sandra Mathias Correia de Sá e informa que irá instaurar processo administrativo para apuração dos fatos e adoção das medidas cabíveis". O objetivo do conselho é verificar se a conduta de Sandra não fere o Código de Ética e Conduta da categoria.
A conduta da ex-atleta também pode impedir a manutenção de sua escola de vôlei. A secretaria municipal de Esportes informou em nota que Sandra tem alvará para uma escolinha de vôlei no Leblon, mas a licença venceu em dezembro de 2022. Ela estava em processo de renovação, mas, diante do ocorrido, "a prefeitura não concederá a renovação até que todos os fatos sejam esclarecidos pela Justiça", informou a pasta.
A nutricionista já teve outras três passagens pela polícia. Ela foi investigada por lesão corporal em 2007, por injúria e ameaça em 2012 e por furto de energia em 2021.
— Se cada um fizer sua parte, eu acredito muito que o racismo possa diminuir. Precisamos mudar para que nossos filhos, netos e bisnetos possam vivenciar as melhorias — completou Max.