O conturbado momento político do país faz os sócios do Sensacionalista rirem à toa. Impulsionado pela realidade atribulada, o portal de notícias fictícias que achincalha a realidade bateu recorde de audiência e teve um crescimento exponencial no número de seguidores em abril, no cerne da crise. Foram mais de 11 milhões de visitantes únicos no site e 2,6 milhões de fãs no Facebook, números que os equiparam ao desempenho dos principais jornais brasileiros na internet.
Nelito Fernandes, 45 anos, está na turma que conseguiu oferecer um respiro cômico em meio ao furacão. Em 2009, o humorista e jornalista criou o site depois de ser demitido da função de redator do programa Casseta & Planeta, da TV Globo, e encontrou no Sensacionalista uma forma de conciliar as duas profissões. Hoje, ao lado dos sócios Leonardo Lanna, Marcelo Zorzanelli e Martha Mendonça, comanda uma das principais páginas brasileiras de humor alçada a fenômeno nas redes sociais.
O jornalista divide a ocupação com o trabalho de roteirista no Zorra, na Globo, e os planos de lançar o canal de vídeos do site. Nelito e as outras três cabeças por trás do Sensacionalista apostam no humor sem tomar partido: nem coxinhas, nem petralhas, estão do lado da boa piada. Na entrevista a seguir, ele fala dos bastidores da criação do site, da opção que o grupo fez pela imparcialidade, das discussões a respeito das interpretações possíveis de uma piada e das notícias verdadeiras tão estranhas que poderiam ter sido inventadas pelo Sensacionalista.
De onde surgiu a ideia do Sensacionalista?
Em 2009, fui demitido do Casseta & Planeta, onde trabalhava como redator. Eu gostava muito de um site chamado The Onion (um dos maiores sites de humor do Estados Unidos, caracterizado pela produção de notícias fictícias) e queria continuar trabalhando com humor, então pensei em criar um site parecido. Também sou jornalista, e juntar o humor e o jornalismo me pareceu bacana. Eu trabalhava na revista Época com a Martha Mendonça (hoje, mulher de Nelito) e o Marcelo Zorzanelli e passei a compartilhar as piadas com eles. Os dois também queriam trabalhar com humor, mandavam sugestões e, quando percebemos, já estávamos fazendo o site como ele é hoje. Depois, chamamos o Leonardo Lanna, que, na época, tinha um perfil bem conhecido no Twitter. Hoje, nós quatro somos sócios e temos mais dois colaboradores (o estudante de Engenharia Bruno Machado e o designer Rodolpho Rodrigo).
Como funciona o processo de produção das manchetes fictícias?
O Sensacionalista não tem uma redação, uma sede, nada disso. Fazemos reuniões pelo WhatsApp, onde passamos boa parte do dia mandando sugestões e tentando chegar a uma manchete. Geralmente, alguém fala uma notícia e outra pessoa propõe uma piada. Quando surge uma boa, quem a criou escreve e coloca no ar. Não tem como ter consenso, mas, em geral, pelo menos um ou dois de nós devem achar a piada boa. Existe um debate porque pode ser que a sátira seja ruim para um determinado grupo social, que recaia em uma interpretação equivocada ou que trate de um assunto que ninguém conhece. Fazemos um humor muito referencial, então os fatos abordados precisam ser conhecidos ou o assunto deve estar em pauta para que as pessoas achem graça. Senão, estaremos fazendo piada para nós mesmos.
O Sensacionalista tem as características de um jornal, mas é satírico. Já aconteceu de uma manchete ser confundida com a realidade?
Aconteceu no início. Existe um caso emblemático: a notícia de que uma mulher havia engravidado vendo filme pornô em 3D foi reproduzida em mais de 60 países. Não que as pessoas acreditassem que havia, de fato, acontecido, mas que o marido, um soldado que voltara da guerra, tivesse acreditado na justificativa da mulher. Mas, à medida que o site foi ficando mais conhecido, essa confusão diminuiu. Hoje, é praticamente inexistente e ainda surgiu um fenômeno engraçado. Não só as nossas notícias pararam de ser confundidas com a realidade, como, quando as pessoas leem uma notícia estranha, perguntam se não é criação do Sensacionalista. Por conta disso, criamos um outro site, o Surrealista, que só publica notícias reais, mas que mais parecem coisa do Sensacionalista.
Seria esse um sintoma de que está difícil competir com a realidade?
Não diria difícil. Na verdade, enxergamos um nicho que poderíamos explorar, porque recebemos uns 20 e-mails por dia com notícias bizarras perguntando se são manchetes do Sensacionalista. O Sensacionalista e o Surrealista são produtos afins, mas, se os colocássemos dentro do mesmo site, poderia gerar uma confusão sobre o que é realidade e o que é mentira. Por isso, resolvemos criar um site à parte.
Vocês têm mais de 2,6 milhões de seguidores no Facebook e ultrapassaram 11 milhões de acessos no site. A que atribui o sucesso?
O processo de polarização política, que começou nas eleições de 2014 e persiste até hoje, foi fundamental. As pessoas estão muito ligadas, curtindo, compartilhando e girando em torno da política. Hoje, o assunto é esse. A crise, nesse ponto, foi positiva para nós. Daqui para a frente, o nosso desafio será captar outros assuntos e continuar fazendo sucesso.
Mas a crise política está marcada pela radicalização dos discursos, e o Sensacionalista faz piada dessa radicalização.
Acho que o site permite um respiro cômico quando se está em uma situação não muito favorável. É uma forma de encarar melhor a realidade. A política se aproximou muito de uma torcida de futebol, em que cada um tem um time e acha que ele é o melhor do mundo. Daí, também surge um aspecto de "gozação". Além do ódio, tem um grupo que não está nessa onda de agressão, mas gosta de zoar o amigo ou o partido de oposição ao dele. O site se tornou um instrumento para essas pessoas e, também, para aqueles que não estão nem de um lado, nem de outro, e acham tudo uma palhaçada. As pessoas compartilham aquilo que gostariam de dizer. Acho que fomos porta-vozes dessas pessoas durante esse processo.
Então uma realidade atribulada, em que a cada instante acontece um fato novo, ajuda?
Sim. Temos mais dificuldade de fazer piada quando o fato, em si, é muito cômico. Situações como o PSDB protestando contra a corrupção, quando existe uma série de escândalos no partido que são abafados, ou o PT defendendo que impeachment é golpe, quando o partido passou toda a sua história pedindo o impeachment de todos os presidentes. Nesses casos, costumamos escrever "pode rir, a piada é essa". Como fazemos humor baseado na realidade, quanto mais pulsante ela estiver, mais acessos teremos. Um fenômeno interessante é que, muitas vezes, as pessoas sabem da notícia pelo Sensacionalista. Como estamos sempre muito ligados, às vezes chegamos um pouco depois de um veículo, mas, muitas vezes, na frente de outros. E percebemos que a notícia que permite que a pessoa se informe tem uma performance maior de leitura do que aquela que é simplesmente uma piada. Esse efeito colateral é interessante, porque, por vias tortas, acabamos informando. É claro que ninguém se informa lendo o Sensacionalista, mas o leitor "pega o galo cantando" e, depois, vai se informar de verdade.
O Sensacionalista está mais para coxinha ou para petralha?
Não tem um dia em que não somos acusados de coxinhas ou petralhas. Essa polarização parece ter tornado necessário que todo mundo tenha um pacote completo. Somos seis pessoas no site, com perfis, histórias e preferências políticas diferentes. Não temos pensamento hegemônico. Humorista não pode ter amigo. Não existe esse pensamento de que, com a minha turma, não posso fazer piada – somos seis e acabaríamos não fazendo piada sobre nada. Temos uma preocupação de sermos plurais e fazermos piada com os dois lados. Mas tem algumas coisas com as quais não vamos fazer piada: a favor de redução da maioridade penal, contra o casamento gay ou sacaneando o Dia da Mulher, por exemplo. São bandeiras de esquerda? Para nós, são bandeiras humanitárias, nada a ver com esquerda, mas com liberdades individuais e aquilo que achamos certo para a sociedade. Se a esquerda abraçou essas causas, é coincidência. Não é porque você é a favor da meritocracia ou de menos Estado na economia que você precisa ser contra o casamento gay. O que tem a ver uma coisa com a outra? Ninguém conseguiu explicar até agora. Daí, voltamos para a questão do pacote completo, de você ter de ser de direita ou de esquerda. É maluquice. Tem um comentário engraçado no site de um leitor que escreveu que publicamos sete piadas contra o PSDB e, depois, para disfarçar, sete contra o PT. Então, ok, acabamos sendo imparciais. É impossível agradar todo mundo. Eu considero que o humor não tem obrigação de ser imparcial, mas, no nosso caso, escolhemos ser imparciais.
O Sensacionalista tem mais seguidores no Facebook e muito mais acesso do que grandes jornais do país. Na sua opinião, esse fato reflete uma crise no jornalismo?
Não é de se comemorar que, em determinado momento, os jornais começaram a ter menos importância e valor do que as demais publicações. Não acontece só no Brasil, a imprensa mundial passa por um processo de reformulação e de refletir sobre o seu papel em função da internet. Mas não acho justo comparar o Sensacionalista com o veículo A ou B. Primeiro, porque não somos um jornal, e, segundo, porque os veículos precisam ter uma diferenciação. A notícia que está n'O Globo, está na Folha e na Zero Hora, mas claro que cada um busca sua abordagem e tem os seus colunistas. Já a piada que está no Sensacionalista está só ali. Mas essa comparação seria uma leviandade porque os jornais têm outra função social, um histórico de serviço prestado à população, dezenas de profissionais sérios e competentes trabalhando. Nós respeitamos muito esse trabalho.
A proliferação de memes nas redes sociais marcou a crise política no país. Você, jornalista e humorista, como vê essa característica do brasileiro de rir dos próprios problemas?
Eu acho que o brasileiro tem um comportamento um pouco paradoxal nesse ponto. Nós gostamos muito de rir dos outros, mas não gostamos de rir de nós mesmos. Em outros países, o humor tem uma certa imunidade diplomática. No Brasil, não há essa mentalidade. O brasileiro gosta muito de fazer bullying, mas, quando é contra ele, irrita-se. Quando falamos que o brasileiro ri de si mesmo, não é bem assim... Ele gosta de rir de outros brasileiros. Essa proliferação de memes também acontece porque, hoje, existem muitas ferramentas que facilitam a produção desse material. Antigamente, não havia essa facilidade. E, claro, o humor tem um componente forte de válvula de escape. É uma forma de você seguir em frente, apesar daquela realidade. Rimos das mazelas, mas ainda temos muitas dificuldades de aceitar a brincadeira que nos envolve
Mas o Sensacionalista brinca com muita gente. Já foram alvo de processos judiciais?
Temos um processo do Marco Feliciano (deputado federal pelo PSC). Quando a maioria dos Estados norte-americanos permitiu o casamento gay e ele propôs um boicote, fizemos piada dizendo que, em protesto, ele não traria mais os cremes que importava de Miami. Ele entrou na Justiça dizendo que havia ficado moralmente abalado, pediu que a notícia fosse retirada do ar, que pagássemos indenização por danos morais, que fôssemos proibidos de falar sobre esse processo e que o autor fosse identificado. De todos esses pedidos, ele só conseguiu um, a identificação do autor.Só que nunca nos escondemos de ninguém. O autor já estaria identificado, foi o site, trata-se de uma criação coletiva. Ele perdeu em primeira instância, recorreu e perdeu em segunda. Vamos ver o que irá fazer agora. Considerando que o site existe desde 2009 e que, no meio de 8 mil notícias publicadas, houve um processo de uma pessoa, acho um bom número. Foi o único e espero que seja o último.
Como o Sensacionalista ganha dinheiro?
Basicamente, são três formas: banners e pesquisas de consumidor no site, duas parcerias com o Google, e os publieditoriais, quando empresas nos contratam para fazermos uma notícia que cite a marca. Gosto de citar o exemplo da Oi. A piada era que um adolescente se surpreendia ao saber que celular também serve para falar e, dentro da notícia, havia informações sobre um plano. Essa questão ainda engatinha no Brasil, precisamos mudar um pouco a mentalidade do anunciante porque, em geral, ele contrata uma mídia alternativa, mas quer matéria elogiosa.
Há um debate sobre esse tipo de anúncio, tratado por alguns como publicidade oculta.
Acho o debate válido, mas todos os publieditoriais têm a indicação de que se trata de publicidade. E, ainda se não tivesse, dá para desconfiar porque, quando você começa a ler uma notícia e logo abaixo estão os planos da Oi... É uma publicidade. Mas também acontece de fazermos piadas citando marcas só pela piada. Quando a piada é boa, a gente faz. Isso também vale para anúncio. Pensamos se faríamos a piada ou se seria só para ganhar dinheiro. Se a piada for ruim, não vamos fazer. Já recusamos.
Há uma preocupação quanto à responsabilidade implícita ao crescimento no número de leitores?
É a história do Homem-Aranha: grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Às vezes, surge uma piada e ficamos debatendo horas sobre as múltiplas interpretações que pode ter e, às vezes, as pessoas se incomodam com aspectos que jamais imaginávamos. Claro que não temos a pretensão de fazer um humor que não incomode ninguém, porque não seria humor, mas temos o cuidado para que o alvo certo seja o atingido. Mas sabemos que hoje as coisas viralizam em segundos e há praticamente um tribunal formado no Facebook pronto para condenar imediatamente os deslizes. Então, temos uma preocupação, que faz parte da nossa formação como jornalistas. São coisas diferentes, mas, no fundo iguais: a preocupação se você está sendo correto. Mas nunca tivemos um caso que se tornasse massivo de reclamações, alvo de uma campanha de boicote ou de denúncias. Muito, também, pelo fato de ser humor, o que diminui, mas não exclui essa responsabilidade.
Ainda sobre essa questão da responsabilidade, há um uso político das piadas do site.
Sim. Durante a campanha presidencial, o Aécio (Neves, candidato pelo PSDB) usou uma piada nossa em um debate. Quando a Marina (Silva, candidata pelo PSB) mudou muito o plano de governo, publicamos uma piada que dizia que o plano estava escrito a lápis para facilitar mudanças. Durante o debate, ele falou isso. Claramente, ele usou a nossa piada. Uma pena que ninguém tenha usado uma piada nossa contra ele.
Você vê nisso um problema?
Problema nenhum. Pode usar à vontade. Até achamos engraçado, curioso. É legal ver a repercussão. E já soubemos que, na Câmara, os deputados se "sacaneiam" usando o Sensacionalista.
O Sensacionalista já migrou para a TV, em cinco temporadas de uma série no Multishow. Por que não continuaram?
Tínhamos uma dificuldade de fazer matérias quentes, porque o programa era feito com muita antecedência. Entregávamos os roteiros em dezembro, e o programa só ia ao ar em abril ou maio. Então, ficava só no comportamento, e o site vive muito dos fatos quentes. No canal (de vídeos na internet), pretendemos mesclar as duas coisas. Mas foi uma experiência muito legal.
Quem é o personagem que costuma render mais acessos ao site?
Claudia Leitte, Marcela Temer, Gracyanne Barbosa... Mas o sucesso depende muito mais do fato do que do personagem. Se o fato ganhou repercussão e todos estão querendo saber a respeito, o personagem terá mais acessos.
Na sua opinião, qual a notícia verdadeira que mais parece coisa do Sensacionalista?
O caso do ex-presidente Lula, de, a cada 10 minutos, ser ou não ser ministro. Foi uma das coisas mais curiosas que já vi. Cai liminar, sobe liminar, a ponto de alguém fazer um site que informava se ele era ministro ou não. Aquilo foi sensacional.