A distensão política brasileira transpôs a fronteira e pousou sobre a esfera internacional com o pronunciamento de Dilma Rousseff (PT) nas Nações Unidas e as entrevistas concedidas por Michel Temer (PMDB) a dois expressivos econômicos norte-americanos. Os olhos da imprensa estrangeira acompanharam o movimento dos líderes ao destacar o apelo da presidente aos brasileiros em discurso nos Estados Unidos e a defesa do vice sobre a acusação de que estaria no comando de um golpe de Estado.
"Dilma Rousseff levou sua batalha contra o impeachment para as Nações Unidas, alertando a comunidade internacional de que seu país está sofrendo um grave momento, enquanto seus críticos disseram que ela pretende usar a viagem para conseguir apoio contra o que ela chama de um golpe", escreveu o The New York Times.
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Também repercutiu na imprensa a declaração de Temer sobre estar pronto para assumir caso o afastamento de Dilma avance no Senado. Ao The Wall Street Journal, o vice admitiu estar em tratativas com possíveis futuros ministros e disse que o impeachment está de acordo com a Constituição. "Como seria um golpe?", questionou à publicação. Publicações americanas também ponderaram que tanto presidente quanto vice enfrentam baixos índices de popularidade e que o vice também pode enfrentar um processo de impeachment sob as mesmas acusações lançadas contra Dilma.
Professor da UFRGS, o cientista político Gustavo Grohmann minimiza a "internacionalização" da crise, uma vez que o temor da oposição de que a presidente denunciasse o que tem classificado como golpe diante de câmeras estrangeiras não se comprovou.
– Dilma adotou a atuação que sempre manteve no cenário internacional, de bom senso. Claro que a presidente não poderia deixar de envolver o contexto da crise política, mas ela foi extremamente discreta – avalia.
Grohmann vê as entrevistas de Temer como uma tentativa de reverter o questionamento que parte da imprensa estrangeira tem feito à legitimidade do processo de impeachment contra Dilma. Exemplo disso é a ortodoxa The Economist, que disse que a presidente decepcionou o Brasil, mas que "aqueles que estão trabalhando para afastá-la são, em muitas formas, piores do que ela".
– O fator externo talvez esteja abalando a legitimidade do processo. Instituições brasileiras então dando amparo ao impeachment sem discutir o mérito da causa – pondera o professor de Relações Internacionais da ESPM-Sul e da Unisinos Bruno Lima Rocha.
Confira o que publicaram os veículos internacionais:
Financial Times
Temer rompeu o silêncio e concedeu uma entrevista ao Financial Times, classificada como "rara" pelo jornal econômico, para rebater Dilma. Ele negou as alegações de que estaria conspirando um golpe para tirá-la da Presidência. "Não há qualquer golpe acontecendo no Brasil. Vários ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) disseram que o possível impeachment não representaria um golpe. É um processo constitucional", disse o vice. O Financial Times sublinhou que os comentários de Temer marcam uma escalada da batalha do impeachment e que "uma cada vez mais desesperada" Dilma busca apoio internacional na tentativa de impedir seu afastamento. O artigo diz que a presidente, que chamou o vice de "conspirador", luta contra uma profunda recessão econômica e um escândalo de corrupção na Petrobras. "Dilma e o PT estão encarando o potencial fim de 13 anos no poder", afirma o jornal, que ainda compara o processo de impeachment a uma "guerra civil" na coalizão de governo entre PT e PMDB. Em uma reportagem anterior, o Financial Times destacou o clima de Carnaval nas manifestações pró-impeachment no domingo.
The Wall Street Journal
"Vice-presidente diz estar pronto para assumir o comando". Esse é o título da matéria do The Wall Street Journal, que, na quinta-feira, publicou uma entrevista com Temer _ parte da estratégia do peemedebista para abafar o discurso de Dilma nos Estados Unidos. Ao jornal, o vice disse que já está em tratativas com possíveis futuros ministros e criticou a presidente por classificar o processo de impeachment como um golpe de Estado. "Cada passo do impeachment está de acordo com a Constituição. Como seria um golpe?", questionou Temer à publicação. A reportagem também destaca a baixa popularidade de Dilma e de Temer e que uma pesquisa do Datafolha mostrou que 60% da população gostaria que ambos renunciassem. O texto cita a determinação do Supremo Tribunal Federal de que a Câmara abra o procedimento de impeachment contra o vice sob as mesmas acusações lançadas contra Dilma, mas analisa que, com o atual apoio de Temer no Congresso, considera-se o processo improvável.
New York Times
O norte-americano New York Times noticiou o discurso de Dilma nas Nações Unidas, em que a presidente disse que o Brasil passa por um "grave" momento político e que está confiante que a população "saberá impedir qualquer retrocesso". Destacou que a petista pode ser afastada do cargo em semanas pelo Senado em um processo de impeachment que paralisou o governo e que ela classifica como um "golpe" ilegal. O jornal ainda publicou uma reportagem sobre Temer, na qual ressalta a baixa popularidade do vice-presidente, que está se preparando para comandar o Brasil. O texto ainda cita uma pesquisa que revelou que apenas 2% dos brasileiros votariam em Temer, que uma delação o ligou a um escândalo de corrupção "colossal" e que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Congresso dê sequência ao processo de impeachment contra ele.
Reuters
Na cobertura da assinatura do Acordo de Paris sobre Mudança do Clima, a agência de notícias repercutiu o discurso de Dilma em Nova York "sob a sombra do impeachment". A reportagem indica que a presidente levou a batalha do impeachment para as Nações Unidas nesta sexta-feira, alertando a comunidade internacional que o Brasil passa por um "grave momento", enquanto a oposição diz que ela usa a viagem para arrecadar apoio contra o processo que classifica como "golpe". A agência destaca que a crise se tornou internacional com a viagem de Dilma e as entrevistas de Temer concedidas a jornais norte-americanos. A Reuters ainda apontou que o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli criticou a presidente por "manchar" as credenciais brasileiras no Exterior.
El País
O espanhol El País referiu o fato de Dilma não ter usado a palavra "golpe" no discurso na ONU, para onde, segundo a publicação, a presidente levou a crise política que atinge o Brasil e ela mesma. O jornal destacou que a petista fez mais um apelo aos brasileiros, mesmo ao deixar de lado a expressão que vem usando para definir o processo de impeachment, como especulava-se que ela faria. A reportagem diz que Dilma agradeceu aos "líderes que expressaram sua solidariedade", mas informou que essa lista, publicamente, inclui apenas os presidentes esquerdistas de Bolívia, Equador, Uruguai e Venezuela e a secretaria geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). O El País também deu espaço para a manifestação do senador tucano Aloysio Nunes, presidente do Comitê de Relações Exteriores da Casa, que viajou para se reunir com congressistas norte-americanos e empresários, em um encontro visto por alguns como uma "maquinação” de Temer para justificar o impeachment diante das denúncias de "golpe" do PT". Ele negou: "Golpe no Brasil é corrupção na Petrobras e presidente que não cumpre lei", disse.
The Guardian
O britânico The Guardian pouca repercussão deu ao pronunciamento de Dilma na ONU – apenas citou que a presidente tenta sobreviver politicamente ao processo de impeachment. Publicado na tarde desta sexta-feira, um artigo de opinião assinado pelo jornalista David Miranda, indica "a razão real que os inimigos de Dilma Rousseff querem seu impeachment". Miranda critica os grandes grupos da imprensa brasileira, que, na sua visão, tem vendido a narrativa de "uma população insatisfeita, impulsionada pela fúria contra um governo corrupto" e que se organiza para afastar Dilma e o PT da Presidência. Ele diz que os manifestantes pró-impeachment são, em sua maioria, ricos e brancos que sempre rejeitaram os programas de combate à pobreza e que não representam a população brasileira. "Agora tornou-se claro que a corrupção não é a razão de todo o esforço para retirar do cargo a presidente reeleita do Brasil; na verdade, a corrupção é apenas o pretexto", aponta Miranda.
*Zero Hora