A promotoria criminal de São Leopoldo recorreu, na tarde desta segunda-feira, da decisão que negou pedido de prisão preventiva e mandou soltar os quatro policiais militares (PMs) detidos por envolvimento na morte do torcedor do Novo Hamburgo Maicon Doglas de Lima, 16 anos, em fevereiro. A libertação foi determinada pelo titular da 1ª Vara Criminal de São Leopoldo, juiz José Antônio Prates Piccoli, na última quinta-feira - o mesmo que havia decretado as prisões temporárias dos brigadianos.
Justiça mandar soltar envolvidos na morte de torcedor do Novo Hamburgo
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Os PMs Fabiano Francisco Assmann e Moyses Augusto Ribeiro Stein estavam recolhidos no Presídio Policial Militar, na Capital, desde o dia 4 do mês passado e Angela Peppe Christofari e Ulisses de Matos Quos, desde o dia 13.
Maicon foi morto no dia 1º de fevereiro, na saída do jogo entre Novo Hamburgo e Aimoré, durante uma briga de torcedores que teve atuação da Brigada Militar para conter o tumulto. O jovem foi atingido pelas costas por dois tiros.
As investigações da Polícia Civil apontaram que os disparos partiram da Brigada Militar e que, durante o socorro ao rapaz no Hospital Centenário, PMs teriam substituído um dos projéteis retirado do corpo dele para tentar atrapalhar a apuração do caso. Nove brigadianos foram indiciados.
Segundo o promotor de Justiça que atua no caso, Sérgio Luiz Rodrigues, a decisão do magistrado foi omissa por não fazer referência à fraude processual que teria sido cometida pelos PMs.
- Esse proceder determinou inegável prejuízo à investigação, frustrando a possibilidade de determinação pericial sobre a origem dos tiros, cujo efeito pretendido e alcançado foi o de induzir em erro os peritos, a autoridade policial que presidiu o inquérito, o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário - afirmou o promotor.
No despacho que determinou a soltura dos brigadianos, o juiz considerou que, apesar do "fato gravíssimo", não haviam "requisitos essenciais para o decreto de prisão preventiva". "A prova indiciária ainda é extremamente frágil, não há auto de necropsia, tampouco balística para que se possa aferir a origem dos projetis", escreveu o juiz.
O magistrado proibiu, contudo, que os brigadianos mantenham contato com familiares da vítima ou testemunhas do caso. Além disso, estabeleceu o afastamento dos PMs das atividades de rua e que eles fiquem limitados a funções administrativas.
- Vamos cumprir rigorosamente todas as decisões da Justiça - declarou o major Stein, respondendo pelo comando do 25º Batalhão de Policia Militar (BPM) de São Leopoldo, no qual servem os quatro PMs que estavam presos.
De acordo com o major, a libertação deles foi comemorada pelos colegas de batalhão.
- A gente percebe um sentimento de alívio. Porque esse episódio repercutiu muito negativamente no moral da tropa - comentou.
Investigação da BM deve ser concluída em 10 dias
Na Brigada Militar, o inquérito policial militar (IPM) que apura o caso deve ser concluído em até 10 dias. A previsão é do comandante do 3º BPM de Novo Hamburgo, tenente-coronel Luiz Fernando Rodrigues, responsável pela investigação. De acordo com o oficial, o desfecho do IPM depende das perícias e do resultado da sindicância interna instaurada pelo Hospital Centenário. É provável também que haja necessidade de ouvir mais alguma testemunha a partir das conclusões desses documentos.
Conforme o titular da Delegacia de Homicídios de São Leopoldo, delegado Vinicius do Valle, que conduziu a apuração pela Polícia Civil, o auto de necropsia já foi encaminhado e faltam ainda o resultado de dois laudos. O primeiro irá apontar se um estojo de munição calibre .40, encontrado a cerca de 20 metros de onde Maicon foi baleado, partiu de alguma das cinco armas da BM que foram apreendidas durante as investigações. O segundo, diz respeito ao projétil que foi apresentado pelos brigadianos como sendo a bala retirada do corpo do jovem.
- Fiz três perguntas sobre esse fragmento. As duas primeiras, foram se havia traços de material biológico e de sangue na bala. Nos dois casos, o resultado foi negativo, o que já comprova a substituição. Falta agora saber o calibre desse projétil - explicou o delegado.
A promotoria aguarda o resultado dos exames para encaminhar a denúncia contra os brigadianos. A reportagem questionou, por email, o Instituto Geral de Perícias (IGP) sobre o prazo para conclusão dos laudos, mas não obteve retorno.
Entenda o caso
No dia 1º de fevereiro, após o empate em 2 a 2 entre Novo Hamburgo e Aimoré, em São Leopoldo, estourou uma briga entre as torcidas, na estação Santo Afonso, do trensurb, que se estendeu até o bairro Santos Dumont.
A BM chegou para conter o tumulto. Conforme a ocorrência, os PMs teriam sido recebidos a tiros e revidaram. Os brigadianos do 3º BPM estariam equipados com balas de borracha, porém, guarnições do 25º BPM, que foram apoiar a ação, estavam com munição letal.
Após a dispersão do tumulto, Maicon Doglas de Lima, 16 anos, foi encontrado na Rua Gaspar Silveira Martins, ferido com dois tiros pelas costas. Levado ao Hospital Centenário, não resistiu.
No início da investigação, em depoimento à Polícia Civil, um PM admitiu ter feito disparos com munição comum, alegando legítima defesa. Surgiu ainda a suspeita de que um dos projéteis retirados do corpo do jovem teria sido trocado.
No dia 3, a polícia divulgou vídeo de câmeras de segurança do hospital mostrando que quatro PMs entraram na sala onde o adolescente foi atendido. Um médico e uma enfermeira disseram à polícia que eles trocaram a bala com sangue por outra com marcas de concreto.
No dia 4, a Justiça decretou a prisão de dois PMs - Fabiano Francisco Assmann e Moyses Augusto Ribeiro Stein. No dia 13, outros dois PMs foram presos: Angela Peppe Christofari e Ulisses de Matos Quos por suspeita de que também efetuaram disparos contra o adolescente.
O inquérito foi encaminhado à Justiça no dia 26 de fevereiro. Nove brigadianos foram indiciados pelos crimes de homicídio, fraude processual e tortura (teriam agredido uma testemunha). A polícia também pediu a conversão da prisão temporária dos quatro PMs detidos em preventiva.
Na última quinta-feira, o pedido foi negado e os quatro brigadianos foram soltos.