A execução do brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira por tráfico de drogas na Indonésia deu margem a um equívoco histórico. Na imprensa e nas redes sociais, o carioca tem sido apresentado erroneamente como o primeiro brasileiro a ser executado no Exterior. O Estado brasileiro poderia, por meio de seus representantes, vir a público para restabelecer a verdade. Afinal, coube a um diplomata e ex-assessor da Presidência da República a elucidação desse fato.
Em 1999, o então ministro-conselheiro na embaixada brasileira em Washington Paulo Roberto de Almeida publicou um artigo intitulado "Brasileiros na Guerra Civil Espanhola: Combatentes contra o Fascismo". Nas palavras do autor, o trabalho constitui "um dos primeiros levantamentos sobre o envolvimento de combatentes voluntários brasileiros nos episódios militares daquela guerra civil, com destaque para sua participação nas Brigadas Internacionais".
Aqui cabe abrir parênteses. A Guerra Civil Espanhola é mundialmente entendida como uma espécie de ensaio geral da II Guerra Mundial, acontecimento mais marcante do século passado. Foi desencadeada em 1936 com uma sublevação militar no Marrocos espanhol, com os generais Emilio Mola e Francisco Franco à frente, contra o regime republicano constitucional.
A Alemanha nazista e a Itália fascista logo saíram em socorro dos golpistas. Em que pese a simpatia mundial pelos republicanos, as potências europeias - na época, os Estados Unidos não se envolviam em assuntos do continente - estavam comprometidas com o malfadado "apaziguamento" de Hitler e optaram pela neutralidade. A União Soviética foi o único país a enviar homens e armas à República. Comunistas, socialistas e anarquistas de todo o mundo impulsionaram as chamadas Brigadas Internacionais, corpos voluntários que se integraram à luta.
Segundo Almeida, o primeiro brasileiro a se somar às fileiras republicanas foi provavelmente o tenente Alberto Bomilcar Besouchet. Depois de participar em Pernambuco do levante comunista de 1935, o jovem exila-se na Argentina e, "no primeiro semestre de 1937 (...) já estaria combatendo" na Espanha. Em Barcelona, integrou-se à milícia de um dos partidos da extrema esquerda republicana, o POUM, comandado por Andreu Nin e Joaquín Maurín.
Empenhado em esmagar qualquer sombra de oposição interna na União Soviética, Stalin não poderia tolerar dissensões na Espanha. Em junho de 1937, o POUM foi proscrito, e seus líderes, presos - Nin e um grande número de militantes foram mortos nas masmorras da polícia secreta stalinista.
Para Almeida, Besouchet foi eliminado nesse processo. Ele faz um inventário dos testemunhos: o tenente teria sido "assassinado covardemente" (Apolônio de Carvalho), "fuzilado por ordem dos stalinistas" (João Barreto Leite Filho e Augusto Besouchet, seu irmão), "fuzilado por ordem de André Marty" (José Gay da Cunha). Essa conclusão é hoje respaldada por outros historiadores e pela própria Comissão da Verdade, que a corroborou em audiência no ano passado. Vítima de Stalin, Alberto Besouchet foi o primeiro brasileiro executado no estrangeiro.