O garoto que se apaixonou pelo futebol nos campos da Ferroviária, em Araraquara, no interior de São Paulo, começa a vivenciar o sonho de comandar a Seleção Brasileira, justamente no período mais difícil da história recente da camisa amarela. Aos 61 anos, Dorival Júnior tem a missão de conduzir o time em busca da Copa do Mundo, uma taça na qual o país não consegue nem se aproximar há mais de 20 anos.
Antes de 2026, há outros desafios não menos fundamentais para o trabalho do treinador. O Brasil ocupa a constrangedora sexta posição na tabela das Eliminatórias, com duas vitórias, um empate e três derrotas, campanha que só não é pior do que as atuações. É necessário recuperar a credibilidade da Seleção, o que foi reconhecido pelo próprio Dorival Júnior na coletiva de apresentação na última quinta-feira (11). E, já neste ano, entre junho e julho, tem a disputa do primeiro título: a Copa América, nos Estados Unidos.
O uniforme canarinho é, para Dorival Júnior, o auge de uma viagem iniciada há 54 anos, quando passou a acompanhar de perto as atividades do pai, Dorival Silvestre, diretor de futebol da Ferroviária. Desde então, peregrinou pelo Brasil como jogador e treinador e, mais do que títulos, sucessos ou insucessos, ele construiu relações que encheram o seu celular de mensagens de parabéns quando surgiu a notícia da contratação pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Com taças ou não, é inegável que Dorival Júnior deixa marcas por onde passa, não só com conhecimentos técnicos e táticos, mas laços afetivos com cada um que conviveu com ele. Foi assim no Rio Grande do Sul, onde o treinador escolhido para a próxima Copa já trabalhou nos três clubes que, hoje, figuram na Série A: jogador do Grêmio, atleta e treinador do Juventude, e técnico do Inter.
Surge um líder em Porto Alegre
A história do treinador se entrelaça com as canchas gaúchas ainda quando nem mesmo se falava em Dorival. Era o volante Júnior, tão somente, que, em fevereiro de 1993, foi contratado por Luiz Carlos Silveira Martins, o Cacalo, para Grêmio, recém-saído da segunda divisão no ano anterior. Caracterizado na época como um meio-campo de bom desarme e que sabia sair jogando, Júnior chegou para a pré-temporada. Ele não estava entre os nomes da preferência do técnico Sérgio Cosme, que, na época, dizia que o clube tinha outras prioridades de contratação.
Dorival Júnior vinha do Palmeiras. Inclusive, havia chamado atenção dos gaúchos no ano anterior ao fazer um gol no Inter, na semifinal da Copa do Brasil, com a camisa do Palmeiras, no Beira-Rio. Gol de honra, já que o classificado para a final (e campeão) foi o Colorado.
Aos 30 anos, o volante Júnior não chegou a se firmar como titular absoluto, mas era reconhecido como um homem de grupo. Ele e o meio-campo Pingo, também contratado pelo Grêmio naquele ano, haviam jogado juntos no Joinville em 1987. O companheiro lembra com carinho da parceria com Júnior dentro e fora de campo.
— Ele sempre foi um jogador técnico, mas também de grupo. Um jogador que agregava muito. Era um líder. Gostava de fazer brincadeiras, era muito querido — recorda Pingo.
As características de um futuro treinador germinavam dentro do volante. Substituto de Sérgio Cosme no Tricolor, o então treinador Cassiá Carpes acredita que o sucesso colhido hoje está diretamente ligado ao comportamento de Dorival Júnior naquela época.
— Ele era um líder, e um jogador tático, que exigia muito dos companheiros. Por isso, ele é um treinador de sucesso — comenta Cassiá, que comandou o Grêmio no título Gaúcho de 1993.
Na Serra, fez história
Depois de ainda ser treinado por Luiz Felipe Scolari, o Felipão, no Grêmio de 1993, Júnior encerrou a passagem pelo Tricolor, mas não abandonou os pampas. Pelo contrário, embarcou em uma nova missão que fortaleceu ainda mais as raízes com o Rio Grande do Sul.
Dorival Júnior começa a vestir as cores do Juventude, que lutava pelo acesso à primeira divisão. Conforme o presidente do clube na ocasião, Marcos Cunha Lima, a contratação de Júnior foi mais um dos frutos da parceria com a Parmalat, que facilitava os negócios com os jogadores vinculados ao Palmeiras, clube com o mesmo patrocinador e que ainda tinha direitos sobre o atleta. Diferentemente de quanto estava no Grêmio, Júnior foi titular na temporada de 1994 e peça-chave para o título da Série B.
Mais uma vez, quem lembra de Júnior, fala dele no vestiário, como o canal de diálogo em busca do melhor para o time. Além de ser figura de equilíbrio em campo, com contribuição tanto para a defesa quanto para o ataque, Júnior era diferenciado nos bastidores, longe da correria do jogo.
— Tudo que ele vinha reivindicar era para o grupo, e não para ele. Fora de campo, representava todo o grupo de jogadores, na negociação por premiações, por exemplo — conta Lima.
Mário Maguila, artilheiro do time de 1994, recorda também das orientações de Júnior dentro de campo. Mesmo preocupado com as atuações da equipe, Júnior procurava manter o bom-humor.
— Ele jogava muito bem. Deu uma estabilidade para a equipe. Nos orientava a como se posicionar no decorrer da partida. A gente já percebia que daria um bom treinador. Gostava de conversar, sempre na paz, de ter uma amizade com todos, do presidente ao roupeiro. E tem mais: era um gozador que só. Brincalhão. Deixava a pessoa à vontade — comenta o ex-centroavante.
Marcos Cunha Lima lembra ainda que Júnior se adaptou bem a Caxias do Sul e se aproximou dos jogadores oriundos da base, um conselheiro nato. Mais do que isso, liderou o movimento da "caixinha" no vestiário, no qual todas as punições financeiras aplicadas a jogadores se tornavam ações sociais, como a compra de cestas básicas para os funcionários do Juventude.
De Júnior para Professor Dorival
Dorival Júnior retornou ao Juventude como treinador cerca de uma década depois, em 2005. Ao contrário do período como jogador, a química não rolou e o "professor Dorival" foi demitido em menos de um mês, em função da sequência de maus resultados — uma vitória e três derrotas. Aliás, apesar de o caso do clube da Serra ser uma exceção exagerada, Dorival Júnior não tem como característica longos períodos à frente do mesmo clube.
Depois da rápida passagem pelo comando da Ferroviária em 2002, seu primeiro time como treinador, a estadia mais longeva foi no Santos, entre 2015 e 2017: 696 dias consecutivos. O técnico alcançou 451 dias no Figueirense, onde também foi diretor de futebol, 360 dias no Vasco e 342 no Coritiba, em 2008. A média dos 20 clubes por onde passou não chega a um ano de comando — na soma e divisão, o resultado é de cerca de 260 dias por clube. Entre os clubes de maior tempo de permanência está outro gaúcho que perpassa a longa viagem de Dorival até Seleção: o Inter, com 343 dias, entre 2011 e 2012.
O período no Colorado, que começou e terminou com temporadas em andamento, está eternizado na vida de ambos com títulos. Dorival Júnior conduziu o time na decisão da Recopa Sul-Americana contra o Independiente e, mesmo recém-chegado, ajudou o clube a levantar a taça que, até hoje, é o último título continental do Inter.
Dorival Júnior veio pelas mãos do vice-presidente de futebol Luis Anápio Gomes e do diretor Fernandão. A contratação foi chancelada pelo presidente Giovanni Luigi, que procurava um nome para o comando da equipe depois da saída de Falcão.
— Era um treinador que tinha feito bons trabalhos, com equipes equilibradas, muito a ver com o que a gente pensava. Um profissional excelente, totalmente aberto ao diálogo e atualizado sobre os modelos de jogo e treinamentos mais modernos — elogia Luigi.
Luis Anápio Gomes vai ao encontro dos demais depoimentos sobre o treinador. A personalidade demonstrada ainda enquanto jogador foi mantida e desenvolvida para Júnior adicionar o Dorival à frente e se tornar um profissional conhecido no mercado.
— Ele é um cara discreto, não tem muito marketing. Ao mesmo tempo, com esse perfil, consegue se impor com os jogadores, passando segurança e conhecimento. Ele tem uma maneira honesta de tratar o jogador. E eu vejo que ele está bem mais qualificado agora. Eu falei com ele, e ele está eufórico, é óbvio. Demonstrou que sabe fazer bons times, como no São Paulo, um time médio, na minha opinião, e conseguiu ter sucesso. Com o Flamengo, já mais qualificado, mas que vinha de insucessos frequentes, também foi muito bem — analisa o ex-vice de futebol.
Dorival Júnior colocou no currículo o título do Gauchão de 2012, conquistado sobre o Caxias. Porém, não resistiu aos maus resultados no Brasileirão e foi demitido em seguida, com 61,9% de aproveitamento no somatório de todos os jogos pelo Colorado. Luigi e Luis Anápio acreditam que Dorival teve a má sorte de trabalhar no Inter em um momento conturbado administrativamente, muito por conta da reforma do Beira-Rio, que era foco de esforços e recursos do clube. Ele teve que conviver, por exemplo, com a interdição da parte inferior do estádio. O vice de futebol, que havia pedido para sair do cargo antes da demissão de Dorival Júnior por razões profissionais, reforça que, se tivesse se mantido na função, o técnico não teria saído.
— Eu lamentei (a saída). Tive que me ausentar por questões profissionais. Senão, ele não teria deixado o Inter, de jeito nenhum. Essa maneira do Dorival tratar a todos educadamente não conflita com a exigência que ele tem com os atletas e com o que planeja. Essa fala mais moderada não atinge em nada a questão da liderança. Ele não é de gritaria no vestiário. É uma motivação diferenciada, mais no diálogo — lembra Luis Anápio.
De comando para comandante
O temperamento ponderado visto por Pingo e Mário Maguila, colegas de time, e Luigi, Luiz Anápio e Marcos Cunha Lima, dirigentes, também foi notado por quem esteve em outra posição, a de comandado por Dorival Júnior. Pelo menos é o caso do zagueiro Bolívar, campeão da Recopa Sul-Americana pelo Inter e capitão daquela equipe.
— Ele é um cara sensacional. O Lucas Silvestre, filho dele, também. Jamais tu vais ver ele dar um esporro no jogador durante o treinamento. É um cara de chamar e dar uma palavra mais calma. Sabe contemplar a parte tática e motivacional. É um cara muito tático, que gosta de jogar para frente, que, por ter sido atleta, sabe motivar seus jogadores — descreve Bolívar.
Ele acredita que a passagem de Dorival Júnior no Beira-Rio tenha sido comprometida por outro motivo, além da reforma no estádio. O grupo multicampeão de anos anteriores começava a se dissipar, e as lideranças começaram a sair aos poucos.
— No ano seguinte, eu saí do Inter também. O clube perdeu lideranças, e você sabe o quanto é difícil recuperar isso. Jogadores ajudavam muito ele. Era um cara que dava muita liberdade para trocar ideias sobre o adversário, como a gente ia atuar, mas ele chegou em um momento onde acaba se perdendo uma geração que acabou ganhando tudo — opina.
Impulso para o topo
Elogios lá ou cá, Dorival Júnior passou a ser um nome seriamente cogitado para a Seleção Brasileira há pouco tempo. Em dois anos, ele engrenou três títulos gigantes: a Copa do Brasil e a Libertadores pelo Flamengo, em 2022, e a Copa do Brasil pelo São Paulo em 2023, que encerrou jejum de 11 anos do Tricolor Paulista. O nome do técnico foi cogitado logo após a saída de Tite e antes de Fernando Diniz ser anunciado.
Contudo, o convite chegou mesmo depois que Carlo Ancelotti, pretendido pela CBF, renovou com o Real Madrid, colocando fim ao sonho de Ednaldo Rodrigues. Tão logo a liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) determinar seu retorno à presidência da entidade, depois do afastamento em função de questionamento envolvendo da sua eleição e um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pela CBF junto ao Ministério Público, houve a demissão de Fernando Diniz e a procura por Dorival Júnior, que estava prestes a conduzir a pré-temporada do São Paulo.
Nessa nova jornada, o treinador julga imprescindível a companhia dos torcedores. Dorival Júnior utilizou boa parte do seu pronunciamento inicial como técnico e das respostas aos jornalistas para convocar os torcedores se unirem em torno da Seleção.
— Peço, de coração, que o torcedor volte a participar do dia a dia da nossa seleção, que vivencie a nossa seleção, como sempre foi. Nós não podemos nos dividir entre uma seleção como nome, de repente, de Felipão, de Tite, de Mano Menezes, de Fernando Diniz, não. Nós temos uma Seleção Brasileira, uma seleção do povo. Então, a partir de agora, não é a seleção do Dorival, é a do povo brasileiro — conclamou.
O treinador que muitas vezes foi classificado como um "feijão com arroz" por montar times objetivos, mas que não enchiam os olhos, tem agora o maior desafio da carreira. Não é mais livrar algum gigante brasileiro do rebaixamento, ou disputar alguma copa nacional ou continental. Na longa estrada percorrida por treinador Dorival Júnior, que somou 20 times, de oito estados diferentes, o mais novo destino a ser seguido é o brilho da sexta estrela na camisa amarelinha.
Times treinados por Dorival Júnior
- Ferroviária - 2002
- Figueirense - entre 2003 e 2004
- Fortaleza - entre 2004 e 2005
- Criciúma - 2005
- Juventude - 2005
- Sport - entre 2005 e 2006
- Avaí - 2006
- São Caetano - entre 2006 e 2007
- Cruzeiro - 2007
- Coritiba - 2008
- Vasco - entre 2008 e 2009; e 2013
- Santos - entre 2009 e 2010; e entre 2015 e 2017
- Atlético-MG - entre 2010 e 2011
- Inter - entre 2011 e 2012
- Flamengo - entre 2012 e 2013, em 2018 e em 2022
- Fluminense - 2013
- Palmeiras - 2014
- São Paulo - entre 2017 e 2018; e em 2023
- Athletico-PR - 2020
- Ceará - 2022
Títulos conquistados como treinador
- Figueirense - Campeonato Catarinense (2004)
- Fortaleza - Campeonato Cearense (2005)
- Sport - Campeonato Pernambucano (2006)
- Coritiba - Campeonato Paranaense (2008)
- Vasco da Gama - Campeonato Brasileiro Série B (2009)
- Santos - Campeonato Paulista (2010 e 2016) e Copa do Brasil (2010)
- Inter - Recopa Sul-Americana (2011) e Gauchão (2012)
- Athletico Paranaense - Campeonato Paranaense (2020)
- Flamengo - Copa do Brasil e Copa Libertadores da América (2022)
- São Paulo - Copa do Brasil (2023)