A maior surpresa da Copa do Mundo, sem dúvida, é a seleção de Marrocos. Não apenas por ser a primeira africana a chegar à semifinal, deixando pelo caminho Bélgica, Espanha e Portugal, que eram considerados candidatos ao título. Mas também pelo período que antecedeu o Mundial. Ainda que a classificação nas Eliminatórias tenha vindo de forma tranquila, a campanha na Copa Africana de Nações deste ano decepcionou.
Marrocos caiu nas quartas de final do torneio, para o Egito, que ficou de fora da Copa do Catar. No Estádio Ahmadou Ahidjo, em Camarões, o time marroquino até saiu na frente com gol de Boufal, de pênalti. Mas viu o craque egípcio Mohamed Salah empatar e levar o jogo para a prorrogação. Na primeira etapa do tempo extra, Mahmoud Trézéguet fez o gol que garantiu a vitória do Egito por 2 a 1 e eliminou Marrocos, em 30 de janeiro deste ano.
À época, Marrocos era treinado pelo bósnio Vahid Halilhodzic, que estava no comando da seleção do país havia três anos. Porém, o técnico cortou dois jogadores importantes da equipe por indisciplina: o lateral Mazraoui (Bayern de Munique) e o meia-atacante Ziyech (Chelsea). Sem eles, o time fracassou na Copa Africana de Nações.
Porém, nas Eliminatórias Africanas para a Copa do Mundo, a classificação veio sem sustos. Liderou o Grupo I com seis jogos e seis vitórias diante de Guiné, Guiné-Bissau e Sudão. E, na fase final, superou a República Democrática do Congo com empate fora de casa e goleada por 4 a 1 no Estádio Mohammed V, em Casablanca, no Marrocos, em 29 de março.
Apesar da vaga e da boa campanha, a Federação Real Marroquina de Futebol (FRMF) anunciou a demissão do técnico Vahid Halilhodzic em agosto, três meses antes do Mundial. Conforme a FRMF, a ruptura teve como motivo "divergências de pontos de vista sobre a preparação para a Copa do Catar".
Para o seu lugar foi escolhido Walid Regragui, ex-jogador da seleção marroquina que estava no comando do Wydad Casablanca, um dos principais clubes do país. Com ele, Mazraoui e Ziyech retornaram à seleção. E, nos três meses que teve de preparação para a Copa à frente da equipe, teve apenas três amistosos para testar o time.
Em setembro, Marrocos enfrentou duas seleções sul-americanas que ficaram de fora da Copa. Primeiro, venceu o Chile por 2 a 0, com gols de Boufal e Sabiri. Depois, empatou em 0 a 0 com o Paraguai. Voltou a jogar apenas em novembro, dias antes do Mundial, quando venceu a Geórgia por 3 a 0, com gols de En-Nesyri, Ziyech e Boufal.
A principal mudança de Walid Regragui, além do resgate de peças importantes que haviam sido cortadas, foi retomar o sistema com uma linha de quatro defensores. O time passou a atacar no sistema 4-3-3 e, sem bola, se defende no 4-1-4-1.
A consolidação da equipe, com referências como o goleiro Bono, a dupla de zaga formada por Aguerd e Saiss, Hakimi e Mazraoui nas laterais, um meio-campo com Amrabat, Ounahi e Amallah, além do ataque com Ziyech, En-Nesyri e Boufal deu a consistência que Marrocos precisava.
Com jogadores em times expressivos como Bayern de Munique, Chelsea, PSG, Sevilla e Fiorentina, a seleção africana conseguiu dar, na Copa, o salto de qualidade que talvez nem mesmo os marroquinos imaginassem ser possível.
— O crédito tem de ir para os jogadores. Só tentei criar um espírito. A Copa do Mundo é diferente de tudo. Preparei a mentalidade do time. Permiti que eles trouxessem a família para ajudar nesse processo. O foco é em ser organizado e ter autoconfiança. Os jogadores acreditam no projeto, encontrei um grupo que acredita no país e em mim — disse Regragui em entrevista nesta terça (13), véspera do confronto com a França, pela semifinal da Copa.
Foi com esse espírito familiar que Marrocos liderou o Grupo F da Copa, ficando à frente da Croácia e eliminando a Bélgica. Foi com o trabalho de um treinador contratado três meses antes do Mundial que conseguiu sofrer apenas um gol em cinco jogos no torneio.
E foi com a força da torcida que compareceu em peso ao Catar que a seleção marroquina conseguiu eliminar a jovem e talentosa geração espanhola nas oitavas, nos pênaltis, e o bom time português de Cristiano Ronaldo e companhia nas quartas de final, com gol de cabeça do centroavante En-Nesyri.