
Seria conto de fadas não tivesse sido feito de suor o caminho. Mas é inegável que Alex Telles vive, aqui na recém construída e calorenta Doha, um roteiro mágico. Aos 29 anos, ele espera a chegada de Antonella, a primeira filha, desfruta da sua primeira Copa do Mundo e, em um daqueles lances do destino, dormiu reserva e acordou titular da Seleção Brasileira. Sim, a posição que foi de Nilton Santos, dos gaúchos como ele Everaldo e Branco, de Júnior, de Roberto Carlos e de Marcelo passou a ser, deste terça-feira (29), do guri do bairro São Leopoldo e cria de Caxias do Sul e do Juventude.
Alex já seria o titular contra Camarões. Estava certo isso. Alex Sandro havia saído do jogo contra a Suíça com dores musculares. Inclusive, Telles havia estreado na Copa atuando por 10 minutos. Por precaução, Tite escalaria o conterrâneo no mistão que mandará a campo contra Camarões, na sexta-feira (2). Só que o exame realizado em Alex Sandro apontou lesão muscular de grau 1 no quadril. Sabe o que significa uma lesão de grau 1 no quadril a esta altura do campeonato? Significa que Alex Sandro está fora na sexta-feira e talvez esteja até mesmo fora da Copa. O que faz de Alex Telles o novo dono da lateral-esquerda.
Depois do jogo de segunda-feira (28), o gaúcho estava radiante com os 10 minutos de Copa no Estádio 974. Na zona mista em que brasileiros concediam longas entrevistas e suíços passavam apressados e sisudos, o lateral identificou o repórter da RBS e parou para um bate-papo. Sorriu ao falar dos tempos de Caxias do Sul e Juventude e aproveitou para mandar um abraço para a penca de amigos que deixou por lá antes de ganhar o mundo.
— Confesso que, ao terminar o jogo, lembrei, sim, da minha infância, dos meus amigos, de tudo que passei para chegar aqui. Não tem como negar. A partida terminou, e eu fiquei ali, uns instantes, pensando em tudo. É um momento especial na minha vida — disse antes de sair com a bolsinha embaixo do braço e caminhando como se estivesse nas nuvens.
Alex Telles desenhou esse momento. Não se trata aqui de figura de linguagem. Desenhou mesmo. Lá em 2013, a família, através da irmã, Hellen, deu acesso aos traços feitos pelo guri, do alto dos seus nove anos. Ali, em formato de um escudo, ele traçava o plano de sua vida no futebol. O passado estava na formação recém feita na escolinha do Juventude. O presente era jogar no Alfredo Jaconi. E o futuro era ele com a camiseta da Seleção, comemorando em um estádio lotado. Não faltaram no desenho detalhes como o logotipo da Nike na camisa e as placas com os patrocinadores da CBF. A vida imitou a arte do guri.
Aliás, se há uma conquista coletiva, podemos dizer que foi essa. Alex joga com os Telles juntos. Como sempre foi. O pai, um ex-jogador do Juventude que trocou o campo pela segurança do emprego como mecânico, aos 19 anos, treinava fundamentos com o guri. A mãe sempre cuidou com zelo para que nada faltasse. Hellen, há mais de 10 anos, é quem gerencia a carreira do mano.
Claro que estariam todos aqui em Doha para esse momento especial da família numa Copa do Mundo. Nesta terça, eles aproveitaram a folga de algumas horas concedida por Tite depois do treino. Na saída do Al Arabi Club, Alex esperava o carro que levaria a todos para um jantar. Em conversa informal com o repórter Zé Alberto Andrade, foi sucinto. Evitou antecipar-se à escalação de Tite, embora ela seja quase óbvia. Também lamentou a lesão sofrida por Alex Sandro, a terceira de um titular do Brasil em 180 minutos de Copa. Mas resumiu em uma frase o sentimento do guri que, há quase duas décadas, desenhou o mapa da sua vida como jogador:
— Tem de estar pronto sempre.
Em seguida, o lateral embarcou e foi curtir as horas de folga com a família. Talvez ele seja o cara mais radiante nessa parte do deserto. Antonella logo chegará, ele será titular da Seleção em uma Copa do Mundo e a família está por perto. Quer mais realização? Sim, no caso de Alex Telles, há espaço para mais. No dia 15, completa 30 anos. Quem sabe ele não ganhe de presente o Hexa, três dias depois.
Já que estamos falando de uma história que parece conto de fadas, o impossível é nada.