Desde que o peso argentino começou a valorizar em relação ao real, com a guinada econômica promovida pelo governo do presidente Javier Milei, a vida de brasileiros que estudam no país mudou drasticamente. Nos últimos anos, jovens de diferentes idades foram para a Argentina em busca de melhores condições de vida e educação de qualidade, sobretudo os que sonham com um diploma do curso de Medicina.
Conforme a Secretaria de Educação argentina, até 2022 havia 122,7 mil estrangeiros nas universidades do país, dos quais 104,9 mil eram de graduação e pós-graduação, o que representa 4,1% dos 2,5 milhões de universitários, aponta a AFP. Boa parte dos estrangeiros busca a Universidade de Buenos Aires (UBA), instituição pública que oferta ensino gratuito.
É o caso de Daphne Antunes de Oliveira, 30 anos, de Porto Alegre. A gaúcha chegou em Buenos Aires para estudar Medicina em 2018. Ela está no 6º ano do curso e diz que só decidiu permanecer no país porque está perto de concluir a graduação.
Não fosse essa situação, provavelmente teria largado o curso por conta do custo de vida, que passou a ser muito alto. Ela afirma que, assim que se formar e juntar um dinheiro trabalhando na Argentina, pretende fazer o Exame Nacional de Revalidação para poder atuar como médica no Brasil.
— Quando eu cheguei aqui, em 2018, eu recebia R$ 2 mil por mês, e foi assim até 2023. Tínhamos uma vida normal. A gente saía de vez em quando, ia no cinema, passeava, e ainda dava para guardar um dinheiro durante o ano. Atualmente, não recebo um valor fixo da minha família, porque vamos vendo como está o mês. Minha família teve que começar a me ajudar muito mais.
Como a faculdade é rigorosa e exige muito desempenho dos alunos, Daphne conta que não tem condições de conciliar a rotina de estudos com um trabalho. Por isso, depende do apoio da família para se manter. Ela afirma que, no momento, gasta pelo menos R$ 3 mil por mês com as despesas.
O que mais pesa no bolso é o aluguel. Mesmo dividindo o apartamento com outras duas pessoas, o valor mensal fica em aproximadamente R$ 1,7 mil para cada um. Há poucos anos, ela chegou a pagar R$ 800 no mesmo local. A jovem conta que está de mudança para outro apartamento, por conta do valor do aluguel. A alimentação também acaba pesando no orçamento.
— Para comer ovo tem que ser rico aqui em Buenos Aires. Um pente de ovos custa R$ 35. A gente sempre escuta que comer ovo sai mais barato no Brasil. Aqui já não existe mais isso, todas as carnes e produtos são caros no mercado — conta Daphne.
O governo de Javier Milei chegou a anunciar que o governo pretende implantar modificações no regime migratório para que os estrangeiros não residentes paguem a educação nas universidades públicas e o atendimento em hospitais. Por enquanto, as novas medidas ainda não foram detalhadas.
Guinada econômica
Nos últimos anos, principalmente entre 2022 e 2023, o câmbio estava mais favorável para os brasileiros, em um cenário com o real mais valorizado. Contudo, com o dólar forte no Brasil e o peso em recuperação, a situação ficou mais complicada.
Como o país tem uma economia muito dolarizada, os produtos e serviços ficam mais caros para os brasileiros. A própria inflação na Argentina continua alta, apesar de estar desacelerando. O país vizinho teve inflação acumulada de 117,8% em 2024, 94 pontos a menos do que no ano anterior.
— Estávamos acostumados que todo mês que passava, nosso dinheiro valorizava, inclusive mais do que a inflação. O valor das coisas aumentava todo mês, mas o valor do real também aumentava. Mas isso deixou de existir. Então, foi um duplo impacto, por conta do aumento do preço das coisas e o impacto da queda do nosso poder de compra — afirma o estudante Rafael Santos, 26 anos, de Santos (SP).
Para quem ainda precisa arcar com o custo de uma universidade particular, a situação torna-se ainda mais difícil. Rafael estuda Letras na Universidade Católica Argentina (UCA) com bolsa de estudos. Segundo ele, sem o desconto, a mensalidade custa cerca de R$ 1,1 mil, atualmente, sendo que custava em torno de R$ 400 até o início de 2024.
— Esse ano não sei se vou conseguir a bolsa, mas eu pagava só R$ 600. Mas o que mais está pesando no bolso é o aluguel. Eu gasto R$ 3 mil só para manter o apartamento. Eu também tinha um plano de saúde. Tive que cancelar porque já não tinha mais como pagar. Meu plano saiu de mais ou menos R$ 200 para R$ 800, é muito dinheiro — conta.
No total, os gastos mensais somam, em média, R$ 5,5 mil. Rafael chegou a iniciar o curso de Medicina na UBA, mas acabou mudando os rumos acadêmicos. Ele deve concluir a graduação em julho, e tem esperanças de conseguir se manter trabalhando no mercado editorial argentino.
Para o estudante de Medicina João Pedro Fassina Barile, 26 anos, que está no 6º ano na UBA, o apoio da família tem sido fundamental para conseguir se manter em Buenos Aires, bem como as mudanças no estilo de vida:
— Está sendo difícil. Agora, meus pais conseguiram aumentar um pouco o valor que mandam para mim, porque meu pai voltou a trabalhar. Então, eu recebo um pouco mais do que recebia antes. Mas, mesmo assim, tive uma mudança de rotina, passei a consumir menos, tenho um consumo muito mais limitado.
O paulista conta que, em 2023, chegou a pagar R$ 800 no aluguel. No mesmo apartamento, atualmente, o valor está em torno de R$ 2,5 mil. João Pedro pretende concluir o curso na UBA e voltar para o Brasil.
— Justamente por estar no final do curso, e por meu pai ter tido essa oportunidade, está dando para levar. Mas é preocupante. Para quem está no início do curso, mudou muito a realidade, tem que avaliar se financeiramente faz sentido (estudar na Argentina) — avalia.