
O que é ser Grená?
Para o presidente dos 90 anos do clube, Roberto de Vargas, a resposta sai naturalmente:
— É ser do povo. É o único time que sempre torci, me dedico e pretendo me dedicar o resto da minha vida.
Em um cenário de instabilidade financeira que atravessa décadas, poucos clubes conseguem se manter em atividade e com poder de investimento no interior do Brasil.
— Hoje chegamos com as contas equilibradas. Não está sobrando dinheiro, mas estamos trabalhando, as contas estão todas em dia. Eu organizei a festa dos 80 anos e, por coincidência, sou o presidente da festa dos 90. E, se Deus quiser, vou estar aqui na festa dos 100 — afirmou o presidente.
PAIXÃO SEM LIMITES
Apesar de ter AME, que tem todos os seus empecilhos, eu me sinto completo, me sinto alegre. Quando eu venho para o Caxias é o dia feliz da minha vida
EDUARDO VARGAS
Advogado e torcedor do Caxias

O amor é um sentimento abstrato, mas no futebol ele pode ser materializado por um estádio, uma arquibancada, uma bola ou uma camiseta. Assim é o Caxias para o jovem advogado Eduardo Vargas Bolsanella, 31 anos. Nem mesmo a atrofia muscular espinhal (AME) tipo dois o impediu de ser feliz.
O sentimento pelo clube foi despertado nos anos 2000. De uma criança com depressão, hoje ele advoga e também faz shows de humor.
— Quando tinha sete anos, era uma criança com depressão e numa situação de saúde delicada. Muitas vezes, vinha aqui no Caxias assistir o treino só para melhorar. Eu tenho uma gratidão pelo Caxias. E não só pelo clube. Por exemplo, tenho uma gratidão enorme pelo presidente Roberto de Vargas. Nunca falei antes, mas ele me auxiliou e acreditou em mim no momento mais difícil da minha vida, quando eu ia trancar a faculdade. Graças ao atual presidente, Roberto de Vargas eu consegui me formar — revelou o torcedor, que completou:
— Essa alegria do Dudu é 100% Caxias. Porque aquele guri com depressão, quando veio no Centenário triste e sem motivo para seguir vivendo, o Caxias me deu a vida e me deu a alegria.
Como todo bom torcedor, Dudu já fez loucuras de amor pelo seu clube do coração. Já deixou o hospital com pneumonia para ver o Grená, em pleno Centenário.
— Na primeira vez, a minha mãe assinou um termo de responsabilidade. Eu estava com crise renal e precisava vir para o jogo. E a segunda vez foi com pneumonia, e era inverno. A gente sabe que aqui no Centenário tem uma grande corrente de vento e eu disse que precisava ir para o Centenário. Dito e feito: vim para o jogo e não voltei mais para o hospital, melhorei — recorda Dudu, que sempre anda com outro amor da sua vida, a mãe Rosa Maria Zen Vargas.
53 ANOS DE CONSELHO

Conselheiro desde 1972, João Carlos Prataviera é mais um com sangue grená. Seu pai foi dirigente do Flamengo e ele também seguiu os passos. "Saiu igualzito ao pai", como eternizou César Passarinho.
— Eu sou conselheiro desde 1972. Quando eu voltei de Porto Alegre, fiz o meu curso de medicina, daquele momento eu comecei a participar do departamento médico e também, até hoje, como conselheiro. São 53 anos de conselho — declarou João Carlos, que completou:
— É um sentimento que vem desde a infância, dos cinco, seis anos. São 75 anos que eu convivo com o Grená, e tenho alguma coisa realmente muito importante a dizer, porque não são coisas que foram transmitidas. Eu vivenciei todo esse período.
Prataviera esteve no departamento de patrimônio da construção do Estádio Centenário e foi integrante do departamento médico do título gaúcho de 2000. O nome do seu pai, João Prataviera, está marcado nas paredes do templo grená. O Salão Nobre do Conselho Deliberativo leva o seu nome.
GIGANTE GRENÁ NA META

Bagatini, Sérgio Vieira, Luiz Felipe Scolari e Jorge Tabajara; Clóvis, Paulo César e Nana; João Carlos, Bebeto e Jurandir. Com este time, sob o comando do técnico Marcos Eugênio, o Caxias estreou no Campeonato Brasileiro de 1976 diante do Santos. Apesar da derrota por 2 a 1, o jogo foi histórico para o goleiro Bagatini. Depois, ele seguiu escrevendo mais um capítulo com seu primeiro jogo no Maracanã.
— Depois tivemos a oportunidade de jogar contra o Flamengo. E perdemos o jogo por 1 a 0, gol de Zico, em um cruzamento. Mas foi um jogo muito bom. Qualquer jogador tinha o sonho de jogar no Maracanã, principalmente alguém do interior — contou Bagatini.
Bagatini foi eleito o melhor goleiro do campeonato de 1976. Com o destaque, foi cogitado por Flamengo e Vasco, mas o destino do arqueiro do Caxias foi o Inter, em 1978. Na época, o valor chegou aos 3,3 milhões de cruzeiros.
— Não fechava o negócio porque o seu Francisco Stédile sabia o que ele tinha na mão, e sabia que valia. Aí houve o interesse do Inter, e inclusive quando fecharam a negociação, a minha transação a nível de goleiro no Brasil, foi a maior transação financeira na época — lembrou Bagatini.

O camisa 1 deixou os gramados em 1985 após romper o bíceps. Contudo, ao longo dos anos atuou com nomes históricos do clube e também um tal de Luiz Felipe Scolari, que futuramente viria a ser o técnico da Seleção Pentacampeã do Mundo em 2002. Na época, Scolari era zagueiro ao melhor estilo xerife, muito pelo bigode.
— O Felipão nunca foi craque, mas sempre foi um zagueiro super confiável. Não era craque, mas também não era desleal. E com o Cedenir, que era o jogador mais técnico, se complementava — recorda o ex-camisa 1.
O irmão de Bagatini, Wilson Bagatini foi jogador do Flamengo e árbitro da Federação Gaúcha de Futebol (FGF) em 1967. Nesta época, César Bagatini tinha 12 anos e acompanhava os jogos do irmão. Amor que ele mantém até hoje em Caxias do Sul, cidade que escolheu para viver.
— Se fosse dizer qual é o principal time do teu coração, eu diria que é o Caxias. Joguei em mais cinco ou seis clubes, mas realmente tudo o que eu tenho, tudo o que eu fiz no futebol, devo ao Caxias. E sempre que tiver a oportunidade de ajudar o Caxias, a gente ajuda. Porque realmente o Caxias mora no meu coração — concluiu o histórico goleiro.
PRESIDENTE DO TÍTULO GAÚCHO

O grande título da história do Caxias ocupa o centro da sala de troféus do Estádio Centenário. Icônica, a taça é muito diferente dos entregues atualmente. A de 2000 era um vovô surfando em uma bola e com a camisa do Rio Grande. O motivo é simples, naquele ano, o time mais antigo do Brasil completava 100 anos.
O Gauchão de 2000 teve uma fórmula diferente do normal. O Estadual começou no dia 23 de janeiro e terminou em 21 junho. A primeira fase contou apenas com times do Interior. O Caxias se classificou em segundo lugar, atrás do Esportivo. Com cinco vitórias, um empate e uma derrota, a equipe da Serra foi a campeã e se garantiu na final. Para ficar com troféu, o time precisou de 28 jogos. A penúltima partida foi o jogo de ida da final, com uma sonora vitória por 3 a 0 sobre o Grêmio, com gols de Gil Baiano, Ivair e Márcio Hahn.

— Eu comentei com um ex-presidente e disse assim: "O que a gente precisa fazer pra ser campeão?" E ele me respondeu assim: "Esquece, o Caxias nunca vai ser campeão". A crise financeira do Caxias era muito grande, nós fomos campeões com três meses de salário atrasado, mas a gente apagava incêndio. Então chegava um jogador com uma filha no hospital, a gente dava dinheiro pra pagar o hospital e coisas nesse sentido — afirmou o dirigente, que completou:
— O título foi a recompensa de um trabalho árduo que poucos se envolveram, mas eu tenho que nominar uma das pessoas que foi fundamental pra que a gente chegasse aonde chegou que foi o Tite — comentou o presidente da conquista, Nelson D'arrigo.
Tite ficou no Caxias por 21 meses. Ele tem a marca de ser o 3º técnico com mais jogos e também vitórias pelo clube desde 1976. São 126 partidas, com 56 vitórias, conforme o autor do livro dos 80 anos do clube, Gustavo Côrtes. Ele deixou o Caxias após o título Gaúcho, quando foi para o Grêmio e conquistou a Copa do Brasil de 2001
PRESIDENTE DO PRIMEIRO ACESSO NACIONAL

A angústia de oito anos buscando o retorno à Série C do Brasileiro acabou em 2023 para o Caxias, quando, aos 42 minutos do segundo tempo, o centroavante Eron cobrou forte um pênalti, quase na gaveta do goleiro da Portuguesa-RJ, para a torcida tomar as ruas de Caxias com o primeiro acesso nacional.
— O Fernando (zagueiro) jogou os últimos 15 minutos do jogo com o nariz quebrado. E não quis sair. O Gerson Gusmão ia substituir ele. Então, isso mostrou que o grupo entendeu o quão importante era o acesso para o Caxias — lembrou o presidente da façanha, Mario Werlang, que completou ainda comentou as dificuldades de se fazer futebol:
— O primeiro é o desafio financeiro, porque quando tu assumes uma presidência, a carga cai toda sobre ti. É o teu nome que está lá, é o teu CPF que é colocado à frente. E a outra questão é o desafio de dar uma satisfação para a torcida.

E não foram poucas as vezes em que Mario teve de dar explicações para a torcida. A maior delas foi quando a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) requisitou o Estádio Centenário para o jogo do time feminino do Inter em um domingo. Assim, o compromisso do Caxias pela Série D foi adiado para uma segunda-feira à noite, com muito frio. O jogo virou a noite da revolta da torcida.
— Talvez seja o momento que eu mais fui cobrado pela torcida e até parceiros próximos. Mas em nenhum momento eu me arrependo de ter contribuído com a CBF. Eu acho que isso que faz o futebol crescer. Só que outros momentos que nós precisamos da CBF, ela estava do nosso lado — finalizou Werlang.
CONTAGEM REGRESSIVA...
100 ANOS
Faltam 3.652 dias para o Centenário da Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias do Sul.