Quem vê Isadora Ferrão, 27 anos, com uma bagagem repleta de conquistas internacionais, mentorando mulheres cientistas, pesquisando sobre carros voadores e de malas prontas para cursar um pós-doutorado na França, mal imagina o caminho trilhado pela jovem até agora.
Nascida e criada em Alegrete, na Fronteira Oeste gaúcha, a pesquisadora vem de família de origem humilde e, na infância, tinha pouca perspectiva de conseguir fazer uma graduação. A história mudou quando a Universidade Federal do Pampa (Unipampa) se instalou na região.
— Com uns seis anos, lembro de dizer para a minha mãe que um dia faria faculdade, e ela ficou preocupada, porque em Alegrete só tinha uma opção particular, e a gente não tinha condição de pagar. Poucos anos depois, começaram a construir a Unipampa na frente do meu colégio. Diziam “Ah, é uma universidade, é pública, é gratuita, não sei o quê” — relembra Isadora.
Nas idas e vindas da escola, a pequena observava o prédio da instituição crescer no mesmo ritmo de sua vontade de estudar lá. No Ensino Médio, ingressou em um curso técnico de informática integrado à etapa no também recém-criado Instituto Federal Farroupilha (IFFar). Foi lá que uma professora disse à turma que a Unipampa estava abrindo uma graduação em Ciência da Computação e pontuou que Isadora tinha perfil para aquela carreira. Na hora de se candidatar, optou mesmo pelo curso. Deu certo.
— Fiz tudo o que podia dentro daquela universidade, estava realmente encantada. Uma frase que levava é: se a sociedade está pagando pela minha universidade, eu tenho que retribuir para ela. Então, além de fazer tudo o que tinha de ensino, pesquisa e extensão, sempre que tinha oportunidade, eu ia a escolas falar sobre os cursos, representava o meu curso em eventos, ensinava informática básica. Em tudo me metia — recorda a jovem.
O envolvimento era tanto, que a graduanda, percebendo a escassez de mulheres no seu curso, fundou o grupo Gurias na Computação, destinado a uni-las e apoiá-las. A iniciativa segue a todo vapor, mesmo depois da formatura de Isadora.
Foi ainda na graduação que a estudante foi bolsista de iniciação científica na área de segurança cibernética. Com a bolsa, juntou dinheiro para fazer mestrado e participar de conferências. Andou pela primeira vez de avião: foi para São Paulo e, depois, para Natal.
As experiências lhe abriram os olhos para as possibilidades para depois de formada. Na hora de se candidatar ao mestrado, mirou alto: tentou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi aceita nas duas paulistas e escolheu a USP, onde ingressou no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), em São Carlos.
O brasileiro se esforça, vai lá, faz o que tem que fazer e entrega o que precisa. É um povo que se esforça muito para conseguir o que quer
ISADORA FERRÃO
Pesquisadora
Mas morar em outro Estado e estudar na melhor universidade do Brasil não era suficiente para Isadora. Seu maior sonho ainda estava por se realizar: queria viajar. Por isso, sua orientadora, Kalinka Castelo Branco, sugeriu que ela escrevesse sua dissertação em inglês e, no doutorado, se envolvesse em algum projeto em parceria com instituições internacionais. Mesmo sem saber falar inglês, a jovem topou, e se envolveu em um projeto vinculado à Universidade da Bretanha Ocidental, de Brest, na França. O desafio do idioma veio logo.
— A Kalinka me disse: “Seguinte, daqui a dois dias você tem uma apresentação para eles (os franceses) em inglês”. Fiquei pasma. Quando disse para ela que não sabia falar inglês, acho que ela pensou que eu não era confiante, ou só tinha inglês básico. Não era: eu não sabia falar nada em inglês — lembra a pesquisadora.
Nesses dois dias, a jovem preparou a sua apresentação utilizando a ferramenta de tradução do Google e tentou decorar todas as palavras. Depois de, com esforço, apresentar seu trabalho, os franceses fizeram perguntas, e Isadora não entendeu nada. A orientadora respondeu pela orientanda.
— Morri de vergonha, porque ela me aceitou em uma universidade que respeitava, sabia que ela era grandona na nossa área e estava passando aquele perrengue comigo. Podia aceitar gente já pronta, fluente em inglês, que foi a vida toda para a Disney, mas me aceitou sabendo que tudo o que eu tinha era uma graduação, muita vontade e um sonho — elogia a acadêmica.
Isadora, então, correu atrás: usou o pouco dinheiro que tinha para pagar uma hora de aula de inglês por semana e passou a estudar por fora. Nas horas livres, colocava séries e filmes para rodar na Netflix em inglês sem legenda. Em oito meses, se apropriou do idioma e já conseguia se comunicar. O avanço tão rápido surpreendeu os franceses, que logo a convidaram para fazer um intercâmbio de três meses, com tudo pago pela instituição europeia.
— Eles me definiram como fast learner (pessoa que aprende rapidamente), mas digo que não é isso: eu digo que é ser brasileira. O brasileiro se esforça, vai lá, faz o que tem que fazer e entrega o que precisa. É um povo que se esforça muito para conseguir o que quer — observa a jovem.
Na primeira semana de intercâmbio, os professores a convidaram para estender o intercâmbio para um ano. Ao voltar para o Brasil para regular o visto, contudo, sua orientadora lhe disse que havia conseguido um outro intercâmbio para ela na República Tcheca, também de três meses. Depois, ainda passou um mês fazendo um estágio na Inglaterra. Por fim, completou o período de um ano na França e ainda emendou em uma participação em um evento no Havaí, para apresentar um artigo.
Tudo o que eu tinha era uma graduação, muita vontade e um sonho
ISADORA FERRÃO
Pesquisadora
Nessa época, já surgiu o convite para, depois de concluir o doutorado, Isadora passar dois anos morando na França para fazer um pós-doutorado. Nesse meio tempo, foi aprovada em um processo seletivo para trabalhar em software engineering na Google. Como já havia se comprometido com o pós-doutorado, negou a vaga. Agora, se prepara para, na segunda semana de fevereiro, se mudar para o país europeu.
— Estou indo porque gosto de me desafiar. Acho que, lá, vou aprender coisas novas, trabalhar com um grupo diferente, em um idioma diferente. Estou tendo que aprender francês, inclusive. E lá tem muita oportunidade para pesquisadores jovens. Aqui no Brasil, dependendo, você precisa ter uma experiência maior, e isso significa ser mais velho. Espero voltar e, no futuro, me tornar professora universitária no Brasil — projeta a pesquisadora.
Carros voadores
Pesquisando sobre segurança cibernética desde a iniciação científica, Isadora passou a estudar sobre segurança focada em drones quando se tornou orientanda da professora Kalinka, que trabalha com o assunto. No doutorado, se interessou pelos táxis aéreos eVTOL, ou carros voadores, que são uma aposta para, no futuro, reduzir o tráfego terrestre.
— Hoje temos muito trânsito, porque as cidades não estavam preparadas, quando foram construídas, para receber tantas pessoas. Nas próximas décadas, esperamos que pelo menos 68% da população esteja vivendo nos grandes centros. Se agora já temos tanta poluição e problemas com o tráfego, que dirá no futuro? Por isso, precisamos pensar em alternativas para aliviar o trânsito, mas que precisam surgir de uma forma segura — relata a pós-doutoranda.
O avião é grande, precisa de muito espaço, é caro e é lento. Os carros voadores, por sua vez, precisam de menos espaço, são 90% mais rápidos do que um carro comum e são elétricos, o que reduz a emissão de poluentes. O que a Isadora estuda é a segurança computacional, por exemplo, contra ataques ao Wi-Fi ou ao GPS ao qual esses veículos estariam conectados.