O anúncio da Dell informando que a companhia retomaria um modelo 100% presencial de trabalho em todas as suas unidades reforça uma tendência de recuperação deste regime após o impacto forçado causado pela pandemia de Covid-19 a partir de 2020. Contudo, mesmo com esse movimento de crescimento, um regime cada vez mais consolidado no mercado é o híbrido, que combina dias de atividades na sede das empresas e na casa dos colaboradores ao longo da semana de trabalho.
Conforme a mais recente edição do Índice de Confiança da Robert Half, estudo publicado em 2024 desenvolvido pela companhia que é uma grande referência global em contratação de profissionais, 58% das empresas no Brasil que responderam ao levantamento oferecem atualmente vagas para atuação em um modelo híbrido. Por outro lado, 35% das empresas exigem a presença diária de todos os colaboradores na sede, enquanto apenas 7% seguem ainda um modelo totalmente remoto.
— Há um cenário nos últimos anos de desidratação do 100% remoto, um leve crescimento do 100% presencial e uma consolidação do híbrido, com uma palavra-chave, que é a flexibilidade. Há, então, essa tendência de volta ao escritório, mas sem deixar a flexibilidade de lado — aponta Lucas Nogueira, diretor regional da Robert Half.
O estudo Tendências da Empregabilidade 2025, publicado pela Gupy, empresa de tecnologia para recursos humanos, corrobora a tendência de crescimento do modelo de trabalho híbrido nos últimos anos no Brasil. Conforme o levantamento, no trimestre entre junho e setembro de 2022, apenas cerca de 1% das contratações eram para vagas em modelo híbrido, número que subiu para 5% no mesmo período em 2023 e chegou a 11% entre abril e junho de 2024, e que deve crescer ainda mais em 2025.
"O ano de 2025 promete consolidar o modelo híbrido como a principal tendência em alguns segmentos do mercado de trabalho. Esse formato equilibra flexibilidade valorizada pelas pessoas colaboradoras com a necessidade de interação presencial, tão desejada pelas empresas para fortalecer a cultura e promover a inovação. É o verdadeiro 'ganha-ganha', tanto para os talentos quanto para as organizações", analisa a Gupy no relatório.
— Há hoje uma maior flexibilidade das formas de trabalho, e é uma tendência mundial a adoção desses formatos mais flexíveis. A pandemia acelerou esse movimento, forçou um afastamento, e, no momento atual, o modelo híbrido passou a ser uma realidade, permitindo essa flexibilidade ao colaborador, mas ainda mantendo o convívio e a interação na empresa em boa parte da semana — argumenta Valmir Moratelli, professor da ESPM em São Paulo e pesquisador do mercado de trabalho.
Entre as vantagens comumente apontadas pelas companhias que optam por um retorno integral ao presencial, estão apontamentos sobre aumento de produtividade, integração entre as equipes de trabalho e melhor implementação da cultura da empresa para os funcionários. O presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio Grande do Sul (ABRH-RS), Pedro Luiz Fagherazzi, destaca que, após o período de pandemia, as empresas puderam, nos últimos anos, avaliar suas experiências e escolher um modelo ideal para prosseguir.
— Cada empresa tem domínio de sua realidade, conhece suas demandas e necessidades próprias, suas equipes. A partir da experiência e do aprendizado do período da pandemia, viram o que funciona e o que não funciona, e agora podem aplicar o que acham que é mais produtivo, muitas vezes com uma combinação de trabalho presencial e remoto, nas atividades em que essa realidade for possível — observa.
Fórmula ideal
Uma das empresas que definiu uma nova modalidade de trabalho a partir da experiência na pandemia foi a TAG - Experiências Literárias. A companhia, fundada em Porto Alegre, foi obrigada a adotar um modelo de trabalho totalmente remoto após o início da crise da Covid-19, mas, após o advento das vacinas e da maior normalização da emergência de saúde, optou por seguir em um modelo híbrido, que permanece até hoje.
— Depois da pandemia, ficamos muito tempo debatendo qual modelo iríamos seguir. Começamos um retorno gradual, primeiro com as lideranças, e depois ampliamos para todas as equipes vindo pelo menos dois dias por semana de forma presencial. Assim, achamos que há um ganho de produtividade em algumas atividades realizadas no escritório e também mantemos uma maior flexibilidade para os colaboradores com os dias que podem trabalhar de casa — relata Gustavo Lampert, sócio-fundador e CEO da TAG, afirmando também que não há planos para retomar um formato totalmente presencial.
Para o coordenador do Conselho de Relações do Trabalho da Fiergs, Guilherme Scozziero, até indústrias de maior porte têm encontrado espaço para implementação de novos modelos de regime de trabalho, combinando atividades presenciais e remotas.
— Não existe uma fórmula mágica que sirva para todos da mesma forma. Então, cada empresa, mesmo as indústrias maiores, tem buscado sua fórmula ideal. Há atividades que realmente precisam da presença física do trabalhador, como operadores de maquinário, mas há outras que podem ser flexibilizadas — destaca.
A ILSA Brasil Fertilizantes, com sede em Portão, é uma dessas indústrias que aposta atualmente em uma combinação de trabalho presencial e remoto. A empresa conta com cerca de 100 colaboradores, dos quais aproximadamente 60 são trabalhadores diretos da linha de produção e outros 40 realizam atividades administrativas e de gestão.
— Optamos, em grande parte, voltar ao presencial, pois entendemos que nossa atividade principal demanda uma presença física, além dos trabalhadores da produção, das lideranças diretas das equipes dessas atividades, que incluem também logística e almoxarifado. Mesmo assim, há alguns setores, como marketing e vendas, que podem continuar realizando suas atividades de forma remota, mantendo o mesmo nível de produtividade — reforça o CEO da ILSA Brasil, Lucas Alban.
Flexibilidade
A pesquisa da Robert Half também aponta um nítido favorecimento a modelos de trabalho mais flexíveis por parte dos profissionais. De acordo com o estudo, 77% dos trabalhadores ouvidos no levantamento consideram o modelo híbrido como o ideal de trabalho, enquanto 17% indicam preferência pelo remoto integral e apenas 6% preferem o totalmente presencial.
A designer Marília Lopez, 27 anos, atua de forma híbrida na agência de comunicação onde trabalha. Moradora de Porto Alegre, sua empresa de atuação se localiza em Novo Hamburgo, e o fato de evitar o deslocamento até outro município é um dos motivos que a fazem ter preferência por mesclar dias de trabalho presencial com outros em casa.
— Vou dois dias por semana ao escritório e, nos outros, posso trabalhar de casa, o que, para mim, é o modelo ideal. Um modelo 100% home office não funcionaria, pois acho muito produtiva a interação com os colegas no ambiente da empresa, mas também acho importante ter essa flexibilidade de trabalhar de casa quando eu precisar, pelo motivo que for. Por isso, não voltaria para um modelo 100% presencial também, a menos que tenha outros benefícios fora da curva para compensar — afirma.
![Marília Lopez / Arquivo Pessoal Marília Lopez / Arquivo Pessoal](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/4/8/3/9/3/1/5_730ad64e98db7a7/5139384_279d0bce7957843.jpg?w=700)
Por posicionamentos como esse, cada vez mais comuns entre os profissionais, outra vantagem do modelo híbrido de trabalho é justamente a atração e retenção de talentos no mercado. Também segundo aponta o Índice de Confiança da Robert Half, o retorno integral ao presencial levaria 65% dos profissionais empregados a buscar um novo emprego. Além disso, 11% dos profissionais desempregados ouvidos no estudo só aceitariam uma proposta de trabalho totalmente presencial se não tivessem outra escolha.
— Há atualmente um nível de desemprego no Brasil considerado baixo, e a busca por profissionais qualificados no mercado está cada vez mais acirrada. Grande parte dos gestores de RH considera hoje a atração e a retenção de talentos como seu principal desafio, e a exigência de um trabalho totalmente presencial pode significar mais um obstáculo para esse objetivo — ressalta Lucas Nogueira.
Desafios
Os administradores ouvidos no estudo da Robert Half apontam os cinco principais desafios de gestão em cada regime de trabalho adotado. Confira:
Modelo 100% presencial:
- Equilibrar a necessidade de interação presencial com a flexibilidade desejada pelos funcionários;
- Lidar com possíveis resistências à cultura presencial em um cenário mais flexível;
- Manter a comunicação eficiente;
- Adaptar-se às mudanças nas expectativas dos funcionários em relação ao trabalho presencial e;
- Garantir a segurança e saúde dos funcionários no ambiente de trabalho físico.
Modelo 100% remoto:
- Promover a comunicação clara e eficaz em um ambiente virtual;
- Manter a equipe engajada e motivada à distância;
- Assegurar a segurança da informação;
- Gerenciar efetivamente o desempenho dos funcionários sem uma presença física constante e;
- Monitorar a carga de trabalho para evitar o esgotamento dos colaboradores.
Modelo híbrido:
- Manter a produtividade e eficiência da equipe, considerando diferentes ambientes de trabalho;
- Gerenciar a comunicação de maneira a manter todos os membros da equipe informados e envolvidos;
- Equilibrar efetivamente a colaboração entre membros da equipe presencial e remota;
- Promover a colaboração e a coesão da equipe e;
- Garantir que as políticas e práticas sejam justas para todos os funcionários, independentemente do local de trabalho.