A guerra comercial entre Estados Unidos e outros países, intensificada neste início de segundo mandato de Donald Trump, tende a ter efeitos na economia do Brasil e do Rio Grande do Sul. Em um primeiro momento, enquanto não é alvo do governo americano, tanto o Brasil quanto o Estado podem aproveitar os vácuos deixados nas transações entre as nações em conflito para fortalecer a penetração em mais mercados, segundo especialistas.
Nesse sentido, o agronegócio seria um dos principais beneficiados, enquanto a indústria calçadista sofreria com um efeito de mão dupla — exportando mais para os EUA, mas enfrentando a concorrência chinesa em outros mercados (confira os detalhes mais abaixo). Por outro lado, caso o Brasil entre na alça de mira de Trump, o cenário pode se deteriorar, com alguns ramos perdendo tração em um ambiente com inflação, juro e câmbio ainda mais pressionados.
Trump anunciou a imposição de tarifas de importação de 25% para o Canadá e o México, e de 10% para a China. Na segunda-feira (3), os EUA deram um passo atrás e firmaram acordos com os governos mexicano e canadense, adiando por um mês a nova taxação mediante negociação para aumento de segurança nas fronteiras com os vizinhos. Já a China anunciou retaliação a produtos americanos.
O professor Maurício Weiss, do Programa de Mestrado Profissional de Economia (PPECO) da UFRGS, afirma que o Brasil e o Estado podem se beneficiar no médio prazo caso os países alvos da taxação dos EUA resolvam sobretaxar os itens americanos. Isso poderia abrir mercados, segundo o economista.
— O principal impacto para a economia do Brasil e, mais especificamente, do Rio Grande do Sul, vai ocorrer em caso de retaliação. Por exemplo, com retaliação da China, especialmente em produtos agrícolas, eles passariam a ter uma maior demanda por produtos do Brasil.
Por outro lado, caso o Brasil entre na mira dos EUA no âmbito das taxações, os ramos de fabricação de aviões, liderado pela Embraer, produtos manufaturados e o setor siderúrgico poderiam ser afetados de maneira negativa. Mas Weiss deixa claro que ainda é cedo para ter maior clareza sobre esses eventuais impactos.
Agronegócio
Economista chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz também destaca essa possibilidade. Ele explica que a disputa comercial entre Estados Unidos e outros países pode beneficiar o agronegócio brasileiro. Com produtos americanos perdendo espaço em algumas nações por taxas mais altas, itens brasileiros tendem a ganhar mais tração nessas regiões.
— No momento em que um país retalia os Estados Unidos aumentando tarifas para produtos americanos, da indústria de alimentos, consequentemente o produto brasileiro, que compete palmo a palmo no mercado global com os Estados Unidos, aumenta a sua participação. A gente ganha atuação — avalia.
No caso do Rio Grande do Sul, ramos como proteína animal e vegetal, biocombustíveis, máquinas agrícolas, grãos como arroz e milho, trigo, mesmo que num patamar menor, e biotecnologia podem ganhar espaço diante dessa guerra comercial, segundo o economista-chefe da Farsul. Países como China, Canadá e México, que estão na mira dos EUA nesse momento, podem aumentar o apetite por esses itens, segundo o economista.
No entanto, se o Brasil virar um dos países taxados pelos EUA, alguns itens podem perder vantagem no comércio internacional. No entanto, o economista-chefe da Farsul avalia que ainda é muito cedo para elencar quais produtos seriam os mais afetados, porque isso depende dos critérios estabelecidos pelo país americano.
Segundo Luz, a postura mais protecionista dos EUA também tende a colocar mais combustível na inflação do país, que já vinha aumentando. Isso também pode afetar o Brasil diante de aumento da inflação e manutenção do juro alto. Com isso, o câmbio também pode ficar pressionado.
Calçados com efeito duplo
Outro ramo que pode sentir os efeitos da guerra comercial, principalmente no duelo entre Estados Unidos e China, é o calçadista. A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) entende que a briga de taxas pode ter impactos positivos e negativos para o Brasil. De um lado, pode aumentar a inserção de calçados brasileiros nos Estados Unidos diante da lacuna deixada pela China, segundo a associação.
"Historicamente o nosso principal destino das exportações, os Estados Unidos importam muitos calçados chineses (cerca de 1,2 bilhão por ano). Com a taxação, o mercado abrirá para novos fornecedores fora da China, entre eles o Brasil, principal fabricante de calçados do Ocidente", destaca, em comunicado, o presidente-executivo da entidade, Haroldo Ferreira.
Contudo, o embate entre as duas maiores economias do mundo também pode respingar de maneira negativa no setor, segundo Ferreira. Com a China perdendo uma fatia importante de mercado, existe a possibilidade de calçados chineses entrarem de maneira mais agressiva em mercados onde o Brasil tem protagonismo, segundo o dirigente.
"No entanto, o produto chinês não ficará sem compradores, sendo que são calçados que irão inundar mercados importantes para o nosso calçado, principalmente na América Latina, e também o próprio Brasil", diz a nota.
Esse efeito duplo também tende a ser sentido no Rio Grande do Sul, em um ambiente em que o mercado gaúcho responde por 49,7% do total gerado com exportações no setor calçadista e tem os Estados Unidos como principal destino, de acordo com a Abicalçados.
Risco de taxação no Brasil
Lisiane Fonseca da Silva, economista e professora da Universidade Feevale, entende que itens como aços e calçados podem ganhar mais abertura de mercado nos Estados Unidos na esteira do aumento de taxas para outros países que vendem esses itens para o país americano.
Sobre a chance de o Brasil ser taxado pelos EUA, Lisiane afirma que esse risco é menor atualmente, pensando que a balança comercial entre os dois países é marcada por mais importações por parte do Brasil.
— A balança comercial brasileira com os Estados Unidos é deficitária. A gente importa mais do que exporta para os Estados Unidos. Hoje, Trump está olhando mais para quem tem uma relação superavitária com os Estados Unidos, ou seja, quem exporta mais para eles do que eles exportam desses parceiros — observa a professora.
No entanto, a economista reforça que esse cenário pode mudar caso os EUA decidam taxar algum item que seja produzido pelo Brasil. Esse olhar para produtos e não apenas nações pode penalizar o Brasil, na avaliação da especialista.