
Impactado por mudanças no padrão de consumo, o setor de hipermercados e supermercados cresceu na pandemia e amenizou a queda do comércio gaúcho em 2020. No acumulado do ano, o volume de vendas do segmento subiu 5,4% no Estado, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Trata-se do maior avanço entre as oito atividades do varejo restrito, que exclui veículos e materiais de construção. No mesmo período, o comércio amargou baixa de 2,2%, em média, no Rio Grande do Sul.
O IBGE descreve a atividade em alta como hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo. É que, além dos estabelecimentos de maior porte, o grupo também contempla negócios como minimercados, armazéns e açougues. Considerando apenas supermercados e hipermercados, o crescimento em 2020 foi até mais elevado, de 5,9%.
O desempenho está atrelado aos reflexos do distanciamento social. Ao ficar isolada, parte da população comprou mais alimentos para preparo de receitas em casa.
Ou seja, o setor supermercadista absorveu demandas que antes eram atendidas por outros segmentos. Entre eles, o ramo de restaurantes, prejudicado por restrições à circulação de clientes.
Além das mudanças de hábitos de consumo, houve impacto do auxílio emergencial nos negócios. O benefício, pago pelo governo federal no ano passado, aqueceu a demanda por produtos básicos em supermercados. Em agosto, pesquisa Datafolha constatou que 53% dos entrevistados no país priorizavam a aquisição de comida com a verba depositada pelo programa social.
— Com o início das políticas de distanciamento, alimentos e itens de higiene assumiram protagonismo no orçamento familiar. Em segundo momento, a concessão do auxílio emergencial foi capaz de manter o poder de compra de parte da população — explica o economista Gustavo Inácio de Moraes, professor da Escola de Negócios da PUCRS.
Presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo afirma que o setor teve "resultado positivo", mas pondera que não há "nada a comemorar".
— É um crescimento em razão da falta de oportunidades de trabalho de outros setores na pandemia. Percebemos mudanças na postura do consumidor. O cliente retomou refeições em casa. Usou economias. A questão do auxílio emergencial impactou — relata Longo.
No país, a atividade também fechou 2020 no azul. A alta na média nacional, entretanto, ficou abaixo da verificada no Estado. Foi de 4,8%.
— Os produtos com maior incremento nas vendas foram aqueles da cesta básica. As pessoas se preocuparam em levar alimentos para casa — diz o presidente da Agas.
Das oito atividades do varejo restrito, apenas duas tiveram alta, em 2020, no Rio Grande do Sul. Além de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo, as vendas de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos também subiram. A alta nessa categoria chegou a 4%, sob efeito das medidas sanitárias para frear o coronavírus.
— É natural que, durante a pandemia, o setor farmacêutico tenha essa participação. As pessoas optaram por comprar produtos de higiene — pontua Moraes.
Mesmo com a queda de 2,2% nas vendas em 2020, o comércio varejista foi menos prejudicado pela crise do que serviços e indústria no Estado, indicam dados do IBGE. No volume de serviços, o tombo anual chegou a 12,7%. Já a produção industrial teve retração de 5,4%.
O IBGE pesquisa ainda o chamado varejo ampliado, que inclui veículos, motos, peças e materiais de construção. Nessas atividades, não é feita distinção entre o comércio varejista e o atacadista. No recorte ampliado, a queda atingiu 5,2%, em 2020, no Rio Grande do Sul.
A retração não foi maior porque as vendas de materiais de construção avançaram 8,4%. Com o distanciamento social, houve alta na demanda por mercadorias usadas em reformas de casas e apartamentos.
Espera pela volta do auxílio
Embora tenha crescido no acumulado do ano, o setor de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo sinalizou perda de fôlego na reta final de 2020. Em dezembro, o volume de vendas do segmento teve variação positiva de 0,2% no Estado, em relação a igual período de 2019. Cinco meses antes, em julho, os negócios chegaram a subir 13,7%, conforme o IBGE.
A redução no valor do auxílio emergencial pode explicar a alta menor. As parcelas do benefício começaram em R$ 600, caindo para R$ 300 no segundo semestre. Devido à penúria nas contas públicas, o governo federal encerrou o programa na virada do ano.
Contudo, houve piora na pandemia em parte dos Estados, e o presidente Jair Bolsonaro é pressionado a retomar a iniciativa. O Ministério da Economia planeja aprovar a volta do benefício em três semanas, com parcelas menores. O valor seria de R$ 250.
Professor da Escola de Negócios da PUCRS, Gustavo Inácio de Moraes entende que a provável retomada deve estimular as vendas de supermercados. Mas o economista faz uma ressalva: com os depósitos mais enxutos, a tendência é de que os beneficiários tenham foco ainda maior na compra de produtos básicos. É o caso de alimentos.
— O auxílio ajuda porque atinge massa importante da população. Mas, com o valor reduzido, o foco será ainda maior em itens de primeira necessidade. Antes, um ou outro gasto a mais podia ser feito — relata o professor. — O comércio depende da normalização do quadro sanitário — acrescenta.
Presidente da Agas, Antônio Cesa Longo avalia que o benefício provocará novos estímulos para os supermercados, mas considera que o país também deve avançar na agenda de reformas. A ideia, diz, é criar condições para "crescimento sustentável" da renda e de setores diversos da economia.
— O crescimento com o auxílio é meio irreal. A gente não comemora quando aumenta só a venda do supermercado. Comemora quando todos têm mais renda. O auxílio é para o curto prazo — afirma Longo.