Centralizador, competitivo e com uma boa dose de vaidade. De outro lado, um dos principais executivos brasileiros com trânsito aberto no cenário internacional, voltado ao lucro e a resultados.
Analise do ponto de vista que você preferir, o certo é que ele sofreu um dos maiores processos de fritura de que se tem notícia nos últimos anos. Tentou de tudo para ficar mais tempo no comando da maior companhia privada do país e segunda maior mineradora do mundo. Mas perdeu. Tanto que, depois de 11 anos à frente da Vale, Roger Agnelli saiu em maio do ano passado, vencido pelo poder do Planalto, indiretamente o maior acionista da companhia, em uma disputa política e empresarial que envolveu do ex-presidente Lula a dirigentes de grandes conglomerados brasileiros. E teve com propulsores demissões em meio à crise internacional, falta de investimentos em projetos de siderurgia no país e aquisição de navios na China enquanto o Brasil brigava para desenvolver seus estaleiros.
Página virada, embora traumática, Roger, ex-dirigente do Bradesco, teve um curto período sabático. Queria se aposentar, "virar vagabundo", passear e viajar. Mas foi para a Itália, onde fez um curso de idiomas e outro de como fazer pães, por orientação de Andréa, sua mulher, com quem tem um casal de filhos. Hoje, de volta ao mercado, o executivo lidera a companhia de investimentos AGN Participações (iniciais do sobrenome).
Neste seu renascimento no mundo dos negócios, passa a semana dividido entre São Paulo, sede da empresa, Rio de Janeiro e, no final de semana, como ninguém é de ferro, foge para Angra dos Reis, onde tem uma bela residência em um sofisticado condomínio.
E já começa fiel ao seu estilo. Por alto e acelerado, a uma velocidade, inclusive, superior à que prometeu imprimir para Andréa. A AGN investirá em empresas e projetos de áreas de energia, mineração e logística, segmentos nos quais o Brasil tem potencial para ser protagonista global nos próximos anos.
Mas, nesta entrevista, fala também de como o Brasil pode virar o jogo a seu favor no cenário nacional e internacional, entraves para o crescimento, de sonhos, medo da morte e dá conselhos aos jovens. Na conversa com ZH, pouco antes de participar da abertura do Fórum da Liberdade, na semana passada, na Capital, Roger contou também o que o faz feliz:
- O que me faz feliz é realizar, fazer, sonhar, são as pessoas. Ver diferenças e as coisas evoluindo, a criatividade. Costumo sempre falar para os jovens que a maior riqueza do mundo é a juventude. Não tem nada que possa pagar o valor de uma juventude. Enquanto a gente é jovem, pode fazer, criar, construir e deixar alguma coisa para as outras gerações.
Zero Hora - Apesar de ser considerado um país propício ao empreendedorismo, o Brasil apresenta entraves significativos que tolhem a liberdade de tocar um negócio adiante. Como a situação pode se resolver?
Roger Agnelli - O Brasil precisa gerar e criar novos empreendedores. Como somos um país jovem, um país que ainda está sendo construído e andando bem rápido ultimamente, o momento, agora, é de empreendedores. É gente com cabeça de gestão, gente com cabeça de empreender, pensando no futuro. E o Fórum da Liberdade, onde estou agora, é algo lindo tem até o nome liberdade. Liberdade de poder criar, fazer, crescer, participar e debater. Não há valor no mundo que compense isso. Não tem um valor do mundo que possa substituir empreendedor.
ZH - Mas a vida de quem pretende se aventurar no mundo dos negócios não é nada fácil. As dificuldades vão do acesso ao crédito e aos mercados aos altos custos do país. O governo baixou pacote vultoso para tentar melhorar a competitividade nacional. O que ainda falta para se ter um ambiente mais favorável ao negócio no Brasil?
Agnelli - Até hoje, o mundo inteiro está discutindo isso: como se adequam os países, legislações e tributações em relação ao novo que está vindo no mundo. Ou seja, uma China, muito forte, com escala, tamanho e empreendedorismo muito, muito aguçado. O mundo inteiro tem de se repensar, se reinventar. Um exemplo bom, apesar dos problemas atuais da Europa, é o da Alemanha. Há alguns anos, fez vários ajustes na legislação trabalhista, flexibilizou. Hoje, a Alemanha está indo superbem, é o país mais produtivo da Europa. A China também é um bom exemplo. As pessoas imaginam que a China não investe em educação, ciência, tecnologia e inovação. Mas os chineses estão dando um show em inovação, empreendedorismo, em tudo.
ZH - Depois de terem passado décadas só em cópias e produtos de má qualidade.
Agnelli - No Japão e Coreia, não foi diferente. O Brasil, assim como todos os países, vive momento em que pensa o seguinte: como serei mais produtivo, competitivo? O mercado está mudando, a geopolítica do mundo também. Como posiciono o país para uma nova realidade?
ZH - Mas e nossas dificuldades, nada pequenas, por sinal?
Agnelli - Sempre tivemos dificuldades, superamos várias e várias com criatividade, posicionamento firme e tudo mais. O que precisamos é continuar fazendo as reformas, questionando onde podemos ser mais competitivos, onde estão os custos? Custos desiguais em juros, na tributação, na questão da moeda em relação a vários outros países. Mas não só isso: é a nossa educação, a infraestrutura e outras coisas.
ZH - Diante de tantos desafios, como escolher uma prioridade e qual seria?
Agnelli - A prioridade número 1 é a educação. Se você pegar o exemplo da Coreia, em termos de momento econômicos, temos bom exemplo. A Coreia se reinventou pela educação, mas acredito que o Brasil não tem de se reinventar. O Brasil deve acelerar o crescimento e o desenvolvimento. E isso se dá via educação.
ZH - Para se chegar a um Brasil ideal ou menos desigual, no mínimo?
Agnelli - Precisamos é andar mais rápido, pois já temos a semente, base. A velocidade é importante porque o mundo está mudando de forma muito rápida. Quem diria há cinco, seis anos que a Europa ou os Estados Unidos poderiam ter algum problema ou que China ia chegar aonde chegou? Ou seja, o fator tempo é importante e é em qualquer coisa na vida, já que ela é limitada para nós. O fator tempo é fundamental: quanto mais fizermos num menor espaço de tempo, melhor para todos.
ZH - Outra preocupação crescente no país é a desindustrialização. O problema é realmente grave, como alardeiam alguns industriais atemorizados com a concorrência?
Agnelli - A desindustrialização é uma questão de custo de produção. Todo mundo fala, mas qual é o custo no Brasil hoje? Você tem mão de obra, ela é extremamente tributada. Na energia tanto elétrica quanto em todas as outras fontes e nas telecomunicações, a tributação é muito elevada. Você começa a olhar esses custos todos e pensa que não tem como escapar, pois todo mundo precisa disso no dia a dia para produzir e ser competitivo. E tem mais: a questão de logística e infraestrutura, ainda mais levando em conta que o Brasil cresceu nos últimos anos.
ZH - Entraves que reduzem a velocidade do crescimento.
Agnelli - O Brasil precisa aumentar a velocidade. Está precisando ter uma velocidade diferente nos investimentos que não aconteceram. Precisariam acontecer com muito mais rapidez daqui para frente para podermos segurar e dizer o seguinte: não há risco de desindustrialização. Mas, se não forem resolvidos rapidamente, com melhorias em transportes, no custo das telecomunicações e mão de obra, o Brasil vai perder, sim.
ZH - Uma solução mais em curto prazo não seria mexer na moeda?
Agnelli - A vilã não é só a moeda. Não só o juro. Mas é o todo, o estrutural do Brasil é deve andar mais rápido. Isso porque o país cresceu mais rápido do que os necessários investimentos em infraestrutura.
ZH - Como a União e os Estados não têm caixa suficiente, a saída seria o modelo da concessão ou nova rodada de privatizações?
Agnelli - Acredito que sim. Mais cedo ou mais tarde, vai ficar claro que a privatização é necessária. As concessões vão ter de andar, porque, além de você querer investir, tem a questão da velocidade do investimento. A realização do investimento é muito importante. Então, menos burocracia também é uma crucial, como menos impostos nos investimentos também são essenciais. A questão é que não é uma coisa ou outra, mas um conjunto de medidas que devem ser tomadas para acelerar a produtividade.
ZH - O governo tem tentado atacar estas questões, talvez sem a velocidade pedida. Qual a sua avaliação da presidente Dilma?
Agnelli - Ela está indo bem. Pegou um momento de economia mundial complicada, muito volátil, uma geopolítica mudando rapidamente. Mas ela tem bagagem enorme, ficou todos esses anos nos ministérios, ficou perto do Lula.
ZH - No momento, o governo trava uma queda de braço com o sistema financeiro para baixar juro. Quem levará a melhor?
Agnelli - A questão não é só juro, pode até ser o assunto do momento. Se houvesse espaço para baixar os juros, garanto para você que os bancos teriam o maior interesse em reduzir porque o volume compensa. Pode até ter spread se contar com condições. Mas é uma questão também de mercado que tem de ser pensada. A discussão é boa e tem de acontecer: o spread é ou não é elevado, o que isso afeta. A opinião pública deve ter clareza de visão e um entendimento próprio do que está acontecendo. A presidente tem uma posição firme, sabe que o custo de capital é importante, a base de tudo.
ZH - Quando veremos o sistema financeiro, realmente, financiando a produção?
Agnelli - Isso vale principalmente para o pequeno e o médio empresário porque o grande, hoje, tem acesso ao mercado internacional com custo de capital muito mais razoável, mais baixo. Acho que a presidente vai conseguir baixar um pouco mais o spread.
ZH - Com todos estas travas ao desenvolvimento, não é difícil ver um Brasil mais justo como o de 2037, alvo da discussão do Fórum? Como vê o país daqui a 25 anos?
Agnelli - É difícil falar qual o Brasil que vejo. Prefiro falar no Brasil que eu sonho. E este é chegar lá, daqui a 25 anos, e olhar para o lado e ver que nenhum garoto com menos de 30 anos não tenha uma universidade.
ZH - Um sonho difícil, não achas?
Agnelli - Mas é o que eu gostaria de ver.
ZH - Em qualquer estudo, a falta de qualificação dos brasileiros aparece em destaque, consequência da baixa escolarização e do fato de os profissionais não terem conseguido acompanhar inovações tecnológicas.
Agnelli - Ficamos anos sem ter novos engenheiros, sem formar novos cientistas. Mas o próprio mercado vai se ajustando a isso.
ZH - Qual um setor de futuro no Brasil?
Agnelli - Todos os setores hoje no Brasil são de futuro. O país é uma potência na área de commodities. Ou seja, tudo relacionado a commodities vai bem, tudo o que for relacionado a recurso natural e a consumo também. O brasileiro se diferencia de vários povos pela questão da criatividade, inovação. O Brasil tem um diferencial natural que são as pessoas.
ZH - A interferência do governo para te tirar do comando da Vale foi muito questionada no momento. Como viveste com esta ingerência, já superaste aquela fase?
Agnelli - Tudo tem seu momento, não? Suas fases. Fiquei 11 anos na Vale, fui superfeliz por ter ficado todo esse tempo lá e feito o que a gente fez. E também por ter descoberto tantos talentos do jeito que aconteceu, saí feliz da Vale.
ZH - Mas querias ficar mais 11 anos, certo?
Agnelli - A saúde tem de estar muito, muito, muito em ordem para aguentar o ritmo de lá. Hoje, estou muito feliz.
ZH - Com a nova empresa?
Agnelli - Estou formando devagarzinho e tal. Você sabe que quando eu saí da Vale a minha vontade era de me aposentar, vou virar vagabundo, passear, viajar? Mas fui aprender a fazer pão na Itália. Tinha de arrumar algum motivo, não? Então, o motivo foi fazer pão italiano. Depois de alguns meses, descobri que, nesse negócio de vagabundo, não sou muito bom, não.
ZH - Mas não deve ser difícil tocar a vida facilmente.
Agnelli - Foi meio difícil para me adaptar, aí pensei que, como não viraria um vagabundo, voltaria para empreender alguma coisa, ir atrás de alguns sonhos e tal, mas eu vou a 80 por hora, no limite, com calma. A questão é que já passei dos 80, estou estourando o limite de velocidade imposto pela minha mulher, que eu deveria respeitar. Já ando acelerado de novo.
ZH - Qual o maior desafio da vida que venceste?
Agnelli - O maior foi de saúde, tive um problema muito sério com coluna cervical, foi um desafio enorme. A partir do momento que você vê que pode morrer, começa a encarar a vida de modo diferente. Você quer construir e deixar algo como legado. Quero construir e fazer as coisas. Deixar algo como legado para desenvolver as pessoas, as comunidades. Adoro isso.
ZH - É isso que te faz feliz?
Agnelli - O que me faz feliz é realizar, fazer, sonhar, são as pessoas. Ver diferenças e as coisas evoluindo, a criatividade. Costumo sempre falar para os jovens que a maior riqueza do mundo é a juventude. Não tem nada que possa pagar o valor de uma juventude. Enquanto a gente é jovem, pode fazer, criar, construir e deixar alguma coisa para as outras gerações.
ZH - O Brasil tem milhões de jovens que estão ingressando na vida profissional hoje, que conselhos darias a eles?
Agnelli - Sonhe e vá atrás.
Em busca da competividade
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