Aumento no combustível, no gás de cozinha, na luz. Reajuste nos alimentos, no transporte e no aluguel. A alta dos custos está presente em vários itens importantes das despesas mensais e desafia os empreendedores a manter os negócios lucrativos — cabe a eles encontrar saídas para driblar essa adversidade. Em junho, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a taxa oficial de inflação, foi de 0,53%. O número ficou 0,30 ponto percentual abaixo da taxa de maio (0,83%), porém, no ano, acumula alta de 3,77% e, nos últimos 12 meses, de 8,35%. Ultrapassou o dobro do centro da meta do governo.
— Grande parte dessa alta pode ser explicada em decorrência do aumento de preços de commodities e das baixas taxas de juro neste período. Em função dessas taxas, inúmeras contas estão aumentando, como a luz, o preço de gasolina, carnes etc — avalia Frederike Mette, professora da Escola de Negócios da PUCRS.
Neste cenário, pequenos negócios são diretamente impactados pelos reajustes em grande parte de seus fornecedores, desde itens de matéria-prima até contas essenciais relacionadas à manutenção do negócio.
A pandemia foi outro fator importante na desestabilização do mercado e, consequentemente, na pressão nos preços. Para o diretor-superintendente do Sebrae do Rio Grande do Sul, André Vanoni de Godoy, a redução abrupta da demanda e da produção desorganizou as cadeias produtivas em todo o mundo. Isso ocorreu porque houve efeito não apenas nas indústrias e empresas voltadas para produtos finais, mas também para os fornecedores de insumos e matérias-primas.
— Quando tivemos uma retomada do consumo no final do ano passado e início deste ano, houve uma pressão que ocasionou uma inflação de demanda e provocou o aumento generalizado de muitos preços — afirma Godoy.
Os pequenos negócios são os que mais sofrem com momentos de aumento de preços e de desaceleração econômica. Isso acontece porque a maioria já vive no fio da navalha, com poucas reservas e estruturas de capital muito fragilizadas.
— Em função da pandemia, as reservas já estão esgotadas ou quase, e dedicar muito disso ao estoque é arriscado. Além disso, realizar um endividamento ou comprometimento com fornecedores pode ser arriscado, pois há muita insegurança em relação a demandas e ao poder de compra dos indivíduos, no curto e médio prazos — pondera Frederike.
Para Godoy, do Sebrae, a receita está em buscar o equilíbrio: segundo ele, a melhor maneira de fazer gestão em períodos inflacionários é casar o processo produtivo com a necessidade de insumos e o apetite do mercado por aquele produto ou serviço. Essa harmonia deve ser feita a partir da previsão de demandas, um planejamento que se utiliza de técnicas quantitativas e qualitativas. No primeiro caso, o pesquisador segue modelos padronizados com questionários de múltipla escolha, por exemplo. É uma abordagem que usa recursos de matemática, estatística, análise do histórico de vendas, cálculos de médias e projeções. Para os especialistas, ele é menos subjetivo e ajuda a projetar com mais assertividade o movimento futuro.
Já na abordagem qualitativa, podem ser feitas pesquisas com os consumidores para levantar informações ou para conhecer opiniões e hábitos de consumo. Ela é geralmente usada quando o objetivo é fazer a estimativa de demanda para um curto período de tempo.
O diretor-superintendente não acredita, no entanto, que o quadro irá se agravar nos próximos meses:
— A situação é passageira e tende a se normalizar com o avanço da vacinação. As cadeias produtivas devem voltar ao seu leito normal, assim como o desemprego no país, ainda no médio prazo em 2021.
Na ponta da tesoura
Rachel Mariah da Silva tem 37 anos e, há 12, é dona do próprio salão de beleza em Porto Alegre. O negócio já passou por várias mudanças. Antes, o Studio R ficava na Rua Riachuelo e hoje atende ao público na Rua dos Andradas, no coração da Capital gaúcha. Entre tesouras e tubos de tinta capilar, a cabeleireira sempre administrou aumentos de preços e gestão de custos. Nos últimos meses, além dos desafios de sempre, fórmula ganhou um ingrediente complicado: a pandemia.
O Studio R ficou com as portas fechadas durante três períodos, desde março do ano passado, para cumprir as regras de enfrentamento ao coronavírus. Neste período, a estratégia foi oferecer serviços em casa para as clientes — mas a demanda não supria o movimento do negócio funcionando normalmente.
“Nós comentamos que até pode não ser essencial (o serviço) para os outros, mas, para quem trabalha e vive disso, é essencial.”
RACHEL MARIAH DA SILVA
Sócia do salão de beleza Studio R
No dia a dia da administração dos preços, o aumento dos custos com os produtos usados na tintura e na lavagem dos cabelos são os que mais impactam. Muitos são itens importados, que acabam pressionados pela alta do dólar no mercado brasileiro.
— É algo que eu não tenho como substituir, porque afeta a qualidade do serviço. É muito difícil de trocar — conta Rachel.
De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os produtos de saúde e cuidados pessoais contribuíram para o aumento da taxa em junho. Em 2021, os itens do grupo Saúde e cuidados pessoais acumularam alta de 4,31% em 12 meses. E os itens de cuidados pessoais, de 6,64% no período.
O setor de serviços de beleza e bem-estar esteve entre os mais impactados pela pandemia. Fora da lista de atividades essenciais no início das restrições, negócios como salões de beleza, academias e clínicas de estética tiveram que fechar suas portas e parar o atendimento.
— Nós comentamos que até pode não ser essencial para os outros mas, para quem trabalha e vive disso, é essencial — comenta a cabeleireira.
Rachel negociou com o dono do imóvel para não haver reajuste no aluguel. A cunhada Scheila Tramontina, o irmão Rafael Cristiano da Silva e o marido de Rachel, André Luiz Gaspar Alves, também estão à frente do negócio. Todos são profissionais da área e dividem a tarefa da administração e do equilíbrio das contas. O time de sócios apostou na divulgação do Studio R nas redes sociais para fazer promoção e buscar novas clientes.
— Reforçamos os nossos protocolos de segurança, fazemos agendamento para não ter aglomeração e seguimos todos os cuidados por conta do coronavírus. E estamos divulgando mais o nosso trabalho. O segredo é não desanimar — ensina.
Cinco dicas para driblar a inflação
Um cenário de alta de preços exige medidas para se manter competitivo e afastar o risco de fechar as portas. Confira algumas opções:
- Negocie: o cenário econômico é desafiador para todos. Por isso, não hesite em negociar com fornecedores e locatários de imóveis para buscar as melhores condições de pagamento e chegar a um bom termo. Afinal, talvez o proprietário tenha mais interesse em manter o espaço alugado com um valor sem reajuste do que deixá-lo vazio por mais tempo.
- Revise os custos: será que é necessário manter toda a estrutura existente hoje? Olhe para os gastos fixos da empresa e a estrutura para identificar se há algo que possa ser reduzido ou minimizado. Muitas coisas mudaram durante a pandemia. A digitalização e o trabalho remoto abriram oportunidades. Rever a sua estrutura é essencial neste momento.
- Atenção aos estoques: estoque significa capital parado. A compra de matéria-prima em grande quantidade pode ser uma estratégia interessante para manter preços estáveis em meio à alta da inflação. Porém é preciso cautela. Avalie a demanda e planeje as aquisições para não comprometer o fluxo de caixa. Para isso, procure conhecer bem o comportamento e as intenções dos seus clientes, com pesquisas de hábitos de compra e análises do histórico de vendas e projeção. O domínio dos números irá ajudar a ajustar as previsões de demanda e produção.
- Revisão das margens e preços: o aumento da matéria-prima ou dos custos está corroendo a sua margem de lucro? Sim, atualizar as tabelas é uma alternativa. Porém, o mercado precisa estar disposto a pagar por esse aumento. Os consumidores também perderam poder de compra e renda e, talvez, seja difícil para os clientes absorverem todo esse aumento. Nos preços a prazo, também é importante ficar atento para repor, nas parcelas, o efeito da inflação. A empresa não pode reduzir a margem a ponto de comprometer a capacidade de atualizar estoques ou produtos. É uma estratégia que deve ser utilizada com cautela.
- Promoção e novos clientes: com a pandemia, os hábitos de consumo mudaram. Entenda o seu cliente e busque maneiras de adaptar o serviço ou o produto a essa nova realidade. Investir em divulgação e criação de novos canais de comunicação são importantes para ampliar a base de clientes.
Fontes: Frederike Mette, professora da PUCRS, e André Vanoni de Godoy, diretor superintendente do Sebrae RS
* Reportagens de Júlia Pitthan, Pedro Henrique Pereira e Jacson Almeida