É comum que fiquem para trás, nas prateleiras dos supermercados, aqueles produtos com embalagem danificada. No caso de alimentos in natura, em seções onde o próprio cliente escolhe e embala o que vai levar para casa, isso acontece com frutas, legumes e verduras que apresentem algum dano na aparência. Muitas vezes são pequenas alterações de tamanho ou na casca, mas suficientes para serem preteridos – ainda que conservem as mesmas propriedades dos demais. O destino desses alimentos, muitas vezes, é o descarte. Por serem perecíveis, não há muito tempo para que sejam utilizados em outras finalidades.
De acordo com o Relatório Final de Perdas e Desperdícios do Ministério da Agricultura e Pecuária, de outubro de 2022, estima-se que cerca de 30% dos alimentos produzidos no planeta sejam desperdiçados ou perdidos por ano. Dados da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), divulgados em abril de 2021 no 9º Fórum de Perdas no Varejo, apontam que 81% do desperdício no país são de alimentos perecíveis, principalmente, de frutas, hortaliças, carnes e peixes. Tomates, bananas, laranjas, hortaliças folhosas e cebolas, nesta ordem, são os alimentos mais desperdiçados, em termos de volume, pelos supermercados, conforme o estudo.
Para combater o desperdício, os Supermercados Guanabara criaram, há cerca de dois anos, a campanha “Quem vê casca não vê coração”. Em todas as lojas, quando há produtos em inconformidade com o padrão visual dos alimentos, eles são selecionados, embalados e recebem a etiqueta da campanha. A seguir, são disponibilizados em uma prateleira exclusiva, com a explicação do porquê estão ali. Os descontos chegam a 30%.
– Nosso foco principal é evitar o desperdício de alimentos, uma coisa que é de ordem mundial. A gente tenta fazer a nossa parte dessa forma. É um projeto focado diretamente nos produtos de hortifrutigranjeiros, daí o nome – explica o gerente de marketing da rede, Luciano Canteiro.
Em entrevista, ele conta como a ideia surgiu e fala da importância desse tipo de iniciativa:
O projeto veio da observação do padrão de consumo dos clientes?
A gente começou a ver que sempre sobram, nas ilhas de produtos, os mais “feinhos”. Acabam ficando para trás, em uma escolha natural feita pelos clientes. A gente sempre prefere o que é mais vistoso. Aquele que não tem conformidade de tamanho, ou que às vezes tem uma marca na casca, começa a ficar para trás. Normalmente, eles eram recolhidos. Havia um aproveitamento interno, no nosso restaurante, ou acabavam indo para descarte.
Mas havia a possibilidade de vender aquele produto por um preço menor, então passamos a fazer uma seleção com esse fim. Eles são embalados em uma redinha, pré-selecionados e é avisado ao cliente que ele está adquirindo um produto que, embora tenha todos os nutrientes e vitaminas, visualmente não está conforme os produtos que estão fora da embalagem, vendidos por quilo. Os descontos podem chegar a 30%.
O cliente sabe que o limão tem um probleminha, por isso paga mais barato. Quase não sobraram mais esses produtos. Hoje é uma ilha pronta dentro da loja, um móvel que é montado sempre que há demanda. A campanha não é permanente porque, sempre que possível, oferecemos produtos 100% alinhados ao padrão estético esperado pelos clientes.
Qual o efeito da iniciativa?
Quando lançamos, imaginamos que ficaria durante um tempo e não teria tanta desenvoltura. Hoje, representa uma realidade nossa. Pensávamos que pudesse ser um atrativo especial para pessoas de menor poder aquisitivo, mas o mercado nos respondeu de maneira diferente. Quem faz uma salada, pega uma batata miúda, um limão para caipirinha, há muitas situações em que vale a pena comprar pelas propriedades do alimento, não apenas pela aparência. Acabou sendo uma venda plural, alcançando todos os públicos.
Iniciativas como esta ajudam a despertar o comportamento sustentável na sociedade?
O que a gente não pode ser tachado e encaixado, principalmente quem trabalha em marketing, é em relação a uma propaganda enganosa. A campanha é totalmente em cima da verdade. Os alimentos estão tocados, não estão com a conformidade que estamos acostumados – porém, dentro deles, os nutrientes são os mesmos dos que estão na prateleira convencional.
O que dizemos aos clientes é: “como vocês estão acostumados a pegar o belo, e para ele existir tem que ter um cuidado maior, há um custo maior. Baixamos o custo para que não vá para descarte enquanto ainda poderia ser consumido”. Fomos diretos e verdadeiros e o cliente entendeu.
Que outras iniciativas o Guanabara tem nesse sentido?
Existe uma terceira etapa, que não faz parte do projeto, mas tem a mesma finalidade. Alguns produtos acabam não sendo selecionados para o “Quem vê casca não vê coração” porque precisariam ser consumidos dentro de dois dias. Como sequer tenho certeza de que vou vender a embalagem nesse período, acabaria indo para descarte.
Nestes casos, nós ligamos para entidades parceiras e avisamos que temos alimentos de consumo quase imediato para doação. Elas vão até lá e buscam, para preparar refeições no mesmo dia, ou no dia seguinte. Cada loja tem seus contatos, para dar ainda mais agilidade. Todas essas medidas têm feito com que nossa quebra de frutas, legumes e verduras diminua sensivelmente. O alimento não é descartado até que se esgote a última chance de ser consumido.