Desde 2022, a Classificação Internacional de Doenças (CID) reconhece a existência de uma nova doença chamada lipedema.
A condição tem características bem específicas: causa um acúmulo anormal de gordura em certas regiões do corpo, formando nódulos sobretudo nos membros inferiores e, mais raramente, membros superiores.
Seus sinais mais perceptíveis costumam ficar localizados do tornozelo ao joelho, depois nas coxas e, em casos mais graves, na região das nádegas.
O principal alerta é que a doença afeta majoritariamente as mulheres, que representam cerca de 99% dos casos na estimativa da cirurgiã vascular do Hospital Moinhos de Vento, Luciane Barreneche, especialista em Cirurgia Vascular pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV).
Embora haja algumas lacunas nas pesquisas, já que são recentes os estudos sobre o tema, a prevalência do lipedema em mulheres tem levado a ciência a crer que os hormônios femininos são o principal componente para a progressão rápida do problema.
Diferentes fases da vida da mulher, como a influência hormonal na primeira menstruação, as gestações, o uso de anticoncepcionais e a chegada do climatério são como gatilhos, momentos favoráveis à piora da doença, explica a médica. Os sinais podem começar a aparecer já na puberdade:
— O gatilho geralmente é a questão hormonal. Logo que começam a menstruar, algumas meninas passam a apresentar gordurinhas depositadas nas pernas, coxas e quadril, sinais leves inicialmente, mas que se tornam mais perceptíveis se houver ganho de peso. Em contrapartida, em membros superiores e no abdomen, elas são magrinhas. Essa é uma outra característica do lipedema, os membros inferiores têm um tamanho diferente da parte de cima do corpo, é algo bem visível — afirma Luciane.
Por mexer com o aspecto estético, a especialista observa que a doença tende a abalar a autoestima das mulheres.
— As pacientes de lipedema geralmente não usam roupa curta, bermuda, saia, têm dificuldade em conseguir peças adequadas por conta da sua desproporção corporal. Então mexe muito com o emocional. Os nódulos também podem ser dolorosos, e essa dor crônica também abala, a pessoa se angustia e se deprime.
Riscos de desenvolver lipedema
Nem toda mulher corre risco de desenvolver lipedema. Ao que indicam as pesquisas até o momento, parece haver uma tendência hereditária: geralmente a mulher que desenvolve lipedema tem na sua árvore genealógica uma mãe, avó, ou tias com membros inferiores de aspecto característico da patologia.
— Sempre tem um histórico familiar envolvido. É muito raro uma mulher chegar com quadro característico de lipedema e não ter ninguém na família que apresente esse formato de corpo — afirma a médica.
Diferente de obesidade
No olhar de quem não entende do assunto, obesidade e lipedema podem se confundir, mas há diferenças fundamentais entre as doenças. Se na obesidade o indivíduo tem gordura aumentada em todas as partes do corpo, como por exemplo no abdome, costas, face, pernas e braços, no lipedema existe uma desproporção: a pessoa geralmente é magra da cintura para cima e acumula mais gordura nos membros inferiores.
— Claro, há pessoas que têm lipedema e são obesas, mas nos quadros de lipedema sempre vai haver essa desproporção, com mais gordura nos membros inferiores — descreve a cirurgiã.
O diagnóstico do lipedema é clínico, pois as características da doença são bastante perceptíveis visualmente pelos médicos. Conforme explica Luciane, as mulheres costumam apresentar o chamado "sinal do manguito": os pés são magrinhos, ao passo que no restante das pernas, desde o tornozelo, há acúmulo de gordura.
— O médico olha e já sabe do que se trata, pois esse é o sinal típico do lipedema. Parece que o pé ficou apertado enquanto o restante da perna se deixou insuflar, como um balãozinho.
As nodulações também são características. Diferente da gordura distribuída de maneira uniforme que existe na obesidade, no lipedema a gordura se divide em nódulos, que podem ser sentidos com a mão e podem causar dor se tocados de maneira mais intensa.
— Geralmente há também a fragilidade vascular, em que a pessoa desenvolve pequenos hematomas na região sem nenhuma causa conhecida. Não bateu e não machucou, mas surgem do nada e são dolorosos. Em casos exacerbados, o lipedema dificulta para caminhar, porque as pernas ficam pesadas — explica Luciane.
Cuidados
Por ser uma doença crônica e progressiva, a partir do momento em que a mulher a desenvolve, terá de tratá-la durante toda a sua vida. E, como o lipedema é composto por tecido gorduroso, tende a se manifestar em menor grau se a pessoa tiver percentuais de gordura mais baixos, e a se mostrar de forma mais visível se ela engordar.
— Diferente de um quadro gripal em que, passando aquela infecção ou tomando antibiótico, está resolvido, o lipedema é de longo prazo. É uma doença progressiva porque, se não é tratada, vai aumentando de intensidade. Ela nunca deixa de ter o problema. Se uma pessoa que está em tratamento para o lipedema se descuidar, tirar umas férias e passar a comer mal, voltará a ter o quadro de lipedema. Então, são cuidados para sempre — afirma a médica.
Como prevenir
Como a doença em questão é crônica, se a pessoa tiver tendência, certamente desenvolverá alguns sinais de lipedema. Para prevenir agravamento, no entanto, o primeiro cuidado recomendado pela cirurgiã é manter o peso corporal adequado, com menos gordura, e fazer atividades físicas com regularidade.
— Assim, vai aumentar a quantidade de músculos e diminuir a porcentagem de gordura, melhorando o aspecto e prevenindo que a doença progrida — explica Luciane.
A médica também recomenda buscar uma dieta mais natural, com vegetais, frutas, carnes magras. É indicado controlar o consumo de carboidratos, alimentos industrializados e com muitas calorias, que favorecem o ganho de gordura e reações inflamatórias do organismo.
Reduzir consumo de alguns alimentos
Em caso de lipedema, segundo Luciane, é importante reduzir o consumo de:
- Bebidas açucaradas: refrigerantes e sucos industrializados;
- Alimentos ricos em açúcares e carboidratos refinados: doces, biscoitos, bolos, pães, massas;
- Carnes processadas: peito de peru, mortadela, salsichas;
- Alimentos ricos em gorduras trans: margarinas, sorvetes cremosos, biscoitos recheados, bombons;
- Bebidas alcoólicas.
Como tratar
O tratamento é feita em diversas frentes, é multidisciplinar. Começa com o diagnóstico clínico de um médico, que descartará a possibilidade do problema ser causado por inchaço ou linfedema, condições que nada tem a ver com lipedema.
Depois passa-se à investigação de fatores que possam fazer o lipedema progredir rapidamente, na tentativa de estacionar o processo e evitar a deformação do corpo da mulher. Também é importante que uma alimentação equilibrada e as atividades físicas passem a fazer parte do dia a dia da paciente.
Mulheres que sofrem da doença geralmente têm um quadro de varizes associado, portanto tratar essas alterações venosas ajuda a diminuir a intensidade do quadro de lipedema. A fisioterapia e os tratamentos manuais também podem ser aliados ao tratamento:
— Por meio de manobras de fisioterapia, drenagem linfática e bandagens, a gente consegue melhorar o aspecto daquela perna. E, por último, caso a mulher faça todos esses tratamentos e mesmo assim ainda se sinta desconfortável e tenha muita gordura acumulada, aí entra a cirurgia plástica. Pode-se fazer lipoaspiração específica para lipedema, que resolve muito na melhora do aspecto — conclui Luciane.