Parece que foi ontem. Ela estava sentada à mesa conosco, nossa versão de “éramos seis”: eu, ela, o pai dela, a avó, a irmã e o namorado da irmã. Pedi para a Clair, minha funcionária há 32 anos, que preparasse uma lasanha inesquecível para o almoço de despedida. Depois de três semanas visitando a família, minha filha mais velha voltaria para sua própria casa. Menos de 24 horas depois, já tinha aterrissado na França, onde vive. Que invenção, o avião.
Perdi a conta de quantas vezes os preparativos para sua estada se repetiram: fazer uma faxina caprichada em seu antigo quarto, abastecer a despensa com feijão, doce de leite, guaraná e pão de queijo, buscá-la no aeroporto, levá-la ao aeroporto. Mas, recorrente mesmo, é o nosso diálogo antes de ela desaparecer por trás do portão de embarque. Trocamos um longo abraço e ao me ver meio desenxabida, sempre pergunta: “Ainda não se acostumou, mãe?”
Não sou de lamúrias: me acostumei, sim. Já são muitos anos de distância geográfica – e viva a tecnologia. Trocamos WhatsApp regulares e, através de chamadas de vídeo, percebo pelo seu olhar se está alegre ou preocupada. É quase como estar junto. Sou madura. Não faço drama.
Quem dera houvesse mais beijos e abraços entre nós, mas as demandas pessoais dela são prioridade. Se viver fora do Brasil atende suas necessidades de expansão e conhecimento, vou eu fazer chantagem emocional? Quero que avance, que cresça, que se divirta e que, quando as tristezas surgirem (surgem em qualquer lugar do mundo), ela me ligue para a gente segurar a onda juntas. É possível ficar perto de quem está longe, distância não é um conceito exato.
A conexão que importa é a da sintonia. Não posso desconsiderar seus desejos e menosprezar sua coragem de enfrentar a vida em outro idioma e mantendo outras relações. Parentes são abrigos, cais, plataformas de lançamento e recepção, mas crescemos mesmo através do que nos é estranho. Infelizmente, ninguém estimula pais e mães a pensarem assim. Aprendemos que, quanto maior o sofrimento pela ausência deles, maior é o amor. Então as queixas de saudade se acumulam e os filhos lá fora, coitados, que se virem com a culpa por terem partido.
Se defendo minha liberdade, tenho que defender a liberdade da minha prole também – e apoiá-la. Não sofro, não me escabelo, sei que ela está bem, e quando está mal, não é por viver em um país estrangeiro, mas por questões emocionais que atingem a todos, onde quer que se esteja. Confio no amor que demonstro através da minha confiança e torcida. E os aviões estão aí para recuperar os abraços e beijos quando essa maturidade toda começa a fraquejar.
Embarco depois de amanhã. É a vez dela de botar a mesa para mim.