Parece improvável que vinhedos localizados em uma região de clima semiárido possam ser cultivados e, ainda por cima, render bons vinhos. Entretanto, no Nordeste brasileiro - mais precisamente no Vale do Rio São Francisco, que abrange Bahia e Pernambuco - a vitivinicultura é, sim, possível. E, como se não bastasse, ainda desenvolveu uma tecnologia que permite fazer mais de uma colheita por ano.
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Dividida principalmente entre os municípos de Lagoa Grande, Santa Maria da Boa Vista e Petrolina, a produção é beneficiada pelo clima, cujas características são ideais para o desenvolvimento da uva para vinhos de primeira qualidade.
- Os cerca de trezentos dias de sol durante o ano, aliados a pouca chuva e temperatura média acima dos vinte graus, permitem o desenvolvimento da planta o ano todo - explica o enólogo Ricardo Henriques, do Grupo Dão Sul. - Entre os fatores que têm beneficiado a qualidade dos vinhos, há água para irrigação, devido ao Rio São Francisco.
A irrigação, por sinal, é o que garante o diferencial dos vinhos elaborados na região, controlando o ciclo de cada planta. Como o clima é praticamente o mesmo em todas as estações do ano, as vinícolas passaram a trabalhar com um sistema de rodízio entre parcelas de terra, o que permite haver safra durante o ano inteiro e duas colheitas em cada uma delas.
- No Vale do São Francisco quem controla o ciclo da videira é o homem e não o clima. Assim como é o homem quem controla o repouso através da disponibilidade de água e alimento no solo - garante Henriques.
É também em função do clima e do terroir que as uvas e os vinhos adquirem características que são particulares do lugar. As bebidas produzidas no Vale do São Francisco têm identidade própria: são bastante frutadas e preservam aromas típicos das frutas produzidas por lá.
- Os vinhos costumam ter uma concentração maior de açúcar, pois as temperaturas mais quentes fazem com que a uva amadureça em sua totalidade, gerando mais açúcar - explica a enóloga Sílvia Mascella. - Outra particulartidade é obtenção de vinhos jovens, porque a falta de frio dificulta a fixação da cor na uva e outros componentes que dão longevidade à bebida.
Hoje, a região conta com cinco vinícolas e, dentre elas, duas são de fora: a fazenda Ouro Verde, do Grupo Miolo, e a Rio Sol, do Grupo Dão Sul, de Portugal - há também outras quatro empresas que se dedicam à produção de suco de uva integral. A principal uva plantada na região é a Syrah, mas também há espaço para a Aragonês, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon e Touriga Nacional entre as tintas, e Chenin Blanc e Moscato Canelli entre as brancas.
O COMEÇO
Foi há aproximadamente 30 anos que o Vale do São Francisco passou a elaborar os primeiros vinhos finos, a princípio por curiosidade, pelos proprietários da Vinícola Milano, que eram apreciadores da bebida e já conheciam os meandros da produção de uvas.
- Nesse momento, começou-se a importar mudas de diferentes variedades e, com os resultados obtidos, as vinícolas passaram a apostar e se estabelecer na região conta Henriques.
A Rio Sol, por exemplo, vinícola-mãe do grupo português Dão Sul, instalou-se no Nordeste quando os diretores da empresa encantaram-se com o potencial que a vitivinicultura poderia ter na região. Assim, optaram por criar seu primeiro projeto internacional às margens do São Francisco.
O MERCADO
Os vinhos elaborados no Vale do São Francisco têm ganhado destaque - têm-se notado o aumento da procura dos vinhos, que já ocupa uma faixa de pelo menos 15% das vendas do mercado brasileiro. Segundo Henriques, já não existe tanto preconceito em relação à origem e qualidade dos vinhos da região, em decorrência do trabalho que os produtores têm realizado para credibilizar a região.
- No Exterior, a aceitação dos vinhos é maior pois o mercado externo tem a cabeça mais aberta para as novidades do que o nosso mercado interno - avisa Henriques. - Hoje em dia, porém, um dos vinhos nacionais mais vendidos no Brasil é o espumante Terra Nova Moscatel, do Nordeste.
O TURISMO
É um dos setores que mais tem crescido na região, tanto em função dos hotéis, que têm ficado mais numerosos e mais qualificados, quanto as secretarias de turismo, que têm apostado na área de enoturismo. Não se deve esquecer, entretanto, que recentemente a série Amores Roubados, da Rede Globo, foi gravada no Vale do São Francisco, ressaltando vinhos e vinícolas e atraindo novos turistas.
Opções de lazer, como passeios de barco e atividades náuticas, sempre associadas à tematica do vinho e da culinária local, também mantém alta a procura pelo turismo na região.
* Conteúdo produzido por Juliana Palma