
Depois de voltar ao Brasil e traumatizar a família em apenas um dia de estada, Odete Roitman (Debora Bloch) está prestes a se tornar uma pedra no sapato de Raquel. No capítulo que vai ao ar na noite desta quinta-feira (1º), a vilã de Vale Tudo começará a traçar um plano para juntar Ivan (Renato Goés) e Heleninha (Paolla Oliveira), separando o funcionário da TCA da mocinha vivida por Taís Araújo.
Também nesta quinta, o remake da novela completa um mês no ar, recém cortando a fita que inaugura as inúmeras atrocidades que ainda serão cometidas pela matriarca da família Roitman. Isso quer dizer que ainda há muita água para rolar em Vale Tudo – incluindo as muitas lágrimas que a vilã ainda vai provocar.
Ao mesmo tempo, os 30 dias iniciais do folhetim foram cheios de emoção. O remake chega ao seu primeiro mês de exibição com o mérito de ter se desenvolvido de maneira ágil, passando longe das "barrigas" (enredos desnecessários que acabam por prolongar a história), e gerando altas expectativas pelos meses que virão.
Prova disso está na grande repercussão que a novela vem alcançando nas redes sociais. A cada capítulo exibido, uma enxurrada de memes é gerada por usuários do X (antigo Twitter), do Tik Tok e do Instagram. Assim, para parte do público, a experiência de assistir à novela só se completa ao conferir também o que repercutiu online.
Conforme Lucas Martins Néia, doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor do livro Como a ficção televisiva moldou um país: uma história cultural da telenovela brasileira (1963 a 2020), a repercussão nas redes sociais demonstra o sucesso que o remake vem fazendo junto ao público mais jovem.
Tal recorte tem especial importância para avaliar o desempenho do folhetim, porque abrange espectadores que não necessariamente têm o hábito de assistir novelas, mas estão assistindo Vale Tudo.
— Ainda não vimos a audiência nos trilhos que a Globo provavelmente estava esperando, mas estamos vendo essa grande repercussão. Hoje, para pensar o impacto de uma produção, temos que dosar todas essas questões. Já não se trata só da audiência — comenta o pesquisador, ponderando que, ainda assim, o remake elevou a média de audiência da faixa das 21h em relação à produção anterior, Mania de Você.
Parte deste bom desempenho é explicada pela mística que envolve a remontagem de uma novela da importância de Vale Tudo – para uma legião de espectadores, a melhor novela já produzida pela TV Globo.
Taís Araújo é um exemplo de atriz que encontrou o tom da sua personagem desde o início. E sendo a novela uma narrativa longa, alguns atores vão encontrando esse tom no decorrer do tempo.
LUCAS NÉIA
Pesquisador
O remake começou a pautar as redes sociais antes mesmo da estreia. À época do anúncio, surgiram especulações sobre quais atores e atrizes seriam escalados para os papéis centrais da trama.
Depois, a curiosidade dava conta do desempenho dos artistas escolhidos, de como seriam recriadas as cenas marcantes da novela — como a sequência em que Maria de Fátima (Bella Campos) finge não conhecer a própria mãe — e das demais atualizações pelas quais a história de 1988 passaria.
Representação do Brasil atual
Nesse sentido, o trabalho de Manuela Dias, autora responsável pela adaptação da história original escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Basseres, é visto de forma positiva por Ana Paula Gonçalves, doutora em Comunicação pela PUC-Rio e autora do livro O Brasil mostra a sua cara: Vale Tudo, a telenovela que escancarou a elite e a corrupção brasileira.
— Temos atualizações que podem parecer pequenas, mas demonstram a evolução pela qual a sociedade passou de lá para cá — diz a pesquisadora.
— No primeiro episódio, a Raquel leva um tapa na cara do Rubinho, mas revida a agressão, mostrando essa mudança no pensamento das mulheres. A Solange também não aceita o ciúmes do Afonso, fala que ele está sendo machista. Há, ainda, um importante avanço na questão racial: a versão original só tinha dois personagens negros, enquanto o remake tem um número bem maior. E os personagens negros, agora, não ficam restritos a posições subalternizadas — exemplifica Ana Paula.
Apesar do acerto na transposição dos personagens para 2025, a pesquisadora acredita que o remake ainda não conseguiu retratar os dilemas do Brasil atual. Ana Paula explica que o sucesso da trama original de Vale Tudo está relacionado ao modo como os autores, por meio de uma forte crítica social, conectaram o folhetim aos dilemas que a população brasileira enfrentava naquele período.
Algo que, para a jornalista, o remake ainda precisa alcançar:
— Nesse primeiro mês, a impressão que eu tenho é que ainda falta uma crítica social mais forte. Vejo que a trama está abordando a questão da ética, está abordando o jeitinho brasileiro, mas não deixou claro de qual Brasil está falando. Por enquanto, essa versão poderia passar em qualquer época, em qualquer Brasil, porque está trazendo questões genéricas. Falta trazer um marco de temporalidade, mas ainda há muita novela pela frente.
Temas que estão mobilizando as discussões do país nos últimos anos – como o racismo, os direitos dos trabalhadores e o avanço do conservadorismo – mostram-se como pratos cheios para a trama que, para os pesquisadores, têm potencial de se tornar um marco da dramaturgia recente.
Elenco de milhões
Para o pesquisador Lucas Néia, o elenco da produção é um ponto que conta a favor. A atuação de Taís Araújo como a mocinha Raquel é elogiada pelo especialista, assim como a de Debora Bloch, que encara a difícil missão de reviver a maior vilã da teledramaturgia.
Lucas avalia com bons olhos o desempenho de todos os artistas e acredita que, no decorrer da trama, o elenco ficará ainda mais azeitado e conseguirá dar uma cara nova aos personagens.
— Taís Araújo é um exemplo de atriz que encontrou o tom da sua personagem desde o início. E sendo a novela uma narrativa longa, alguns atores vão encontrando esse tom no decorrer do tempo. É claro que já dá para a gente ver quem tem mais perspectivas, mas ainda tem pessoas que estão um pouco presas aos personagens originais, até por essa reverência à obra — detalha.
A jornalista Ana Paula Gonçalves aponta Bella Campos como outro destaque positivo deste primeiro mês. A intérprete de Maria da Fátima tem sido alvo de críticas por conta da atuação, mas, para a pesquisadora, a construção da personagem está alinhada ao que se espera de uma jovem da sociedade atual.
— É preciso entender que a Maria de Fátima de 2025 não é a mesma de 1988. Os jovens de hoje em dia são diferentes, e vejo essas mudanças muito bem representadas. Olho para a Maria de Fátima da Bella Campos e nem lembro da Glória Pires (intérprete da personagem na primeira versão), porque são personagens muito diferentes. A Maria de Fátima de 2025 é mais direta e menos refinada nas suas maldades, o que tem tudo a ver com a geração dela — cita.
Bastidores acalorados
Para além do desempenho em cena, Bella Campos está no centro de outro marco deste primeiro mês: os acalorados bastidores da novela. Desde meados de abril, pipocam em portais da internet boatos sobre um suposto desentendimento entre a atriz e Cauã Reymond, que interpreta César, par romântico e comparsa de Maria de Fátima.
Conforme noticiado pela revista Veja, o motivo seria a postura do galã nos bastidores das gravações – que estaria incomodando não somente a Bella Campos, mas também outros integrantes do elenco.
Se você pegar um homem bonito e colocar para ser parceiro da Maria de Fátima, a história continua. Porém, a novela não existe sem a Maria de Fátima. Ela deve ser a prioridade.
ANA PAULA GONÇALVES
Escritora
O desentendimento não foi confirmado pelos atores ou pela emissora, mas vem agitando as redes sociais em uma espécie de "Vale Tudo paralela". Isso porque, além de assistir aos capítulos da novela, o público também acompanha os desdobramentos da suposta treta.
É notório que o bastidor fez crescer o interesse do público por Vale Tudo. Contudo, Ana Paula Gonçalves acredita que a questão deve ser olhada com parcimônia, pois pode mais atrapalhar do que ajudar.
— Uma das coisas mais fortes que nós tínhamos na trama original era a cumplicidade da Fátima com César. A partir do momento que existe uma crise fora das câmeras, a construção dessa relação pode ficar prejudicada — ressalta.
Para os meses que virão, a pesquisadora defende que Bella Campos deve ser priorizada:
— Qualquer coisa que possa ser feita para blindar a segurança da Bella Campos, deve ser feita. Vale Tudo é uma novela de mulheres fortes, os homens só são escadas para as mulheres brilharem. Então, Vale Tudo existe sem o César. Se você pegar um homem bonito e colocar para ser parceiro da Maria de Fátima, a história continua. Porém, a novela não existe sem a Maria de Fátima. Ela deve ser a prioridade — opina.