Já passava da 1h desta quarta-feira quando, no desfecho ao vivo do MasterChef profissionais, Paola Carosella dirigiu a palavra para Dayse Paparoto, a cozinheira de 31 anos nascida em Mogi das Cruzes (SP) que, ao longo dessa primeira temporada do programa, havia sido no mínimo ignorada, mas não raro menosprezada ou mesmo desrespeitada. Ora por ser mulher, ora por não ser tão viajada, quem sabe também por, ao contrário dos demais competidores, ter adotado uma postura mais humilde – ao se apequenar, digamos assim, ela cedia espaço para que os outros arrotassem seus talentos e suas habilidades. Marcelo, seu rival na grande final, para a qual ambos chegaram em pé de igualdade (cinco vitórias individuais e duas em grupo), mais de uma vez fez que não a viu no mezanino – primeiro, no antepenúltimo episódio, congratulou-se com Dário ("Agora é você e eu nessa porra!"); depois, na semifinal, antecipou sua comemoração ("Eu vou ser campeão, não acredito!").
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Paola começou seu discurso retomando a fala anterior da apresentadora Ana Paula Padrão, que vira em Dayse a coragem que ela própria precisou adquirir, a de ser mulher em um ambiente machista.
– Assim como eu, assim como a Ana – começou a chef argentina – você escolheu entrar em uma profissão dominada por homens. Às vezes a gente tem de ouvir umas idiotices que vou te falar (e todos nós lembramos de Ivo dizendo a Dayse: "Pega uma vassoura e varre o chão, então"). Mas você não está aí por ser mulher. Você cozinha pra caramba. E nós, jurados, não vemos gênero, nem cor, nem cintura, nem se é simpático, carismático. Nosso trabalho é julgar pratos, se têm criatividade, autenticidade, sabor, alma. A sua comida tem tudo isso. Você pode hoje ganhar? Não importa. Você já ganhou muita coisa.
Parecia um pronunciamento preventivo, um prêmio de consolação para Dayse. Ainda mais que, na derradeira prova, a do menu degustação, com oito tarefas para cada um (dois amuse bouches, duas entradas, dois pratos principais e duas sobremesas), a impressão deixada pelos jurados, em seus comentários, era de que Marcelo havia sido mais forte. Ou pelo menos a curva dele tinha sido mais ascendente. Dayse largara muito bem, apresentando coisas como vieira crua temperada no carvão ativado com chips de batata e emulsão de wasabi, uma sopinha de castanha portuguesa com crocante de bacon e o foie gras salteado com redução de suco de uva e melaço de cana. Os chefs elogiaram o contraste de sabores de seus amuse bouches e de suas entradas, enquanto a falta de equilíbrio dos sabores foi o calcanhar-de-aquiles das invenções de Marcelo, como o bolinho do santo acompanhado por caldo de tacacá, o carapau defumado com emulsão de alga e o creme de tutano com lagostim e pele de porco.
Nesse meio tempo, conhecemos as famílias dos dois finalistas e revimos os concorrentes eliminados. Estes soavam mais inclinados a torcer por Marcelo, com uma ou outra exceção. Uma delas era Ivo, que não torcia para ninguém.
– Tenho certeza de que eu merecia estar na final – disse em um depoimento gravado.Fádia, para minha surpresa, não perdeu oportunidades de criticar Dayse. João, o Insuportável, bem que tentou incentivar a moça.
– Vamos, Gordinha! – falou à certa altura.
Izabela, de imediato, chamou sua atenção, dizendo algo do tipo "depois você não sabe porque pegam no seu pé". João insistiu, buscando a anuência da mãe de Dayse:
– O apelido dela é Gordinha, não?
– Não! – foi a resposta.
Vieram os pratos principais, e aí Marcelo pareceu ter virado o jogo a seu favor. Primeiro serviu siri mole na fécula de batata, com purê de berinjela e água de mexilhão, iguaria batizada de Da Lama ao Caos.
– Meu Deus. Eu amo meu trabalho – sorriu Paola. – É um prato que te representa, que representa tua cozinha dramática. Parabéns, parabéns, parabéns, três vezes.
– Cada vez que pego de um lado, tem um sabor diferente – espantou-se Jacquin.
– Tem imponência, é agressivo no bom sentido – elogiou Fogaça.
O prato seguinte, Memórias de Lisboa, foi ainda mais surpreendente. Marcelo, em uma final de MasterChef, arriscou-se a fazer língua (estufada com glacê de couve-flor e purê de ervilha), carne que, como Fogaça lembrou, provoca o repúdio de muitas pessoas. Jacquin chegou a alertar que o barbudo paulista estava se repetindo no menu ("tem coentro aqui e coentro ali, já são dois purês"), mas a avaliação de Paola é a que ficou reverberando:
– É um absurdo. Tá muito bom, realmente.
Dayse não contou com os mesmos elogios para seu atum selado com molho poivre e mandioquinha glaceada na laranja e para sua carne dry-aged acompanhada por pupunha recheada de farofa de tutano.
– Faltou fantasia – disse Jacquin sobre o primeiro prato.
– Está raso em sabores – comentou Paola sobre o segundo.
As sobremesas seriam decisivas. Marcelo, novamente, ficou longe de qualquer zona de conforto. Vestiu a carapuça de cientista maluco – literalmente, pois colocou óculos e luvas para lidar com o nitrogênio em uma das receitas, o Iceberg (caramelo de chocolate branco com creme de limão siciliano). Mas sua sobremesa melhor recebida ("criativa, original, divertida") foi a Baixo Augusta, charutos de chocolate com hortelã desidratado e drink de maria mole.
Dayse, novamente, pendeu para o clássico. Fez panna cotta de leite de cereais com figo e mel ("Um pouco doce demais", apontou Paola; "está um pouco grande, mas para mim não é defeito: comi tudo", saudou Jacquin) e brilhou com o fudge de chocolate com caramelo de whisky e sorvete de baunilha.
– Deve ter gente com inveja de nós – brincou o chef francês.
Inveja, sim, mas também um pouco de incômodo por conta da duração do programa. Não é porque estou aqui, na madrugada, escrevendo para vocês, mas não é bolinho ficar acordado até 1h e pouco em um meio de semana. Cheguei a tuitar: às 23h50min, sequer tinham sido levadas para a mesa dos jurados as entradas do Marcelo. O episódio foi se alongando e sendo esticado: Fogaça, Jacquin e Paola fizeram discursos duas vezes, na parte gravada e no segmento ao vivo (em um deles, o francês levou a argentina às lágrimas ao louvar os dois finalistas: "Vocês fizeram poesia hoje"). Entrementes, os concorrentes revelaram seus sonhos se ganhassem o troféu, os R$ 170 mil em dinheiro, um automóvel, R$ 1 mil em compras durante 12 meses e consultoria para montar um negócio.
– Quitar meu apartamento – respondeu Dayse, com sua mistura de bom humor e pragmatismo.
– Abrir meu bar gastronômico – afirmou o compenetrado Marcelo.
Dayse acrescentou:
– Aproveitando que tô em rede nacional: casar também!
Estava chegando a hora de Ana Paula Padrão abrir o envelope e mostrar ao Brasil qual dos dois ficaria mais próximo de realizar seus sonhos. Mas ainda havia mais um momento de tensão para vivenciarmos: as notas dadas a cada prato pelos jurados seriam lidas ao vivo pela apresentadora. De fato, os amuse-bouches e as entradas concederam uma boa vantagem para Dayse (82 a 57), mas Marcelo recuperou terreno com os pratos principais, emparelhando a disputa: 117 para ela, 108 para ele. A avaliação da primeira sobremesa aumentou o suspense e encurtou a distância entre um e outro – 136 a favor de Dayse, 133 para Marcelo. O fudge de chocolate deve ter falado alto ao paladar dos jurados, pois Dayse acabou consagrada como a campeã.
Embora ela fosse uma campeã de popularidade (a enquete no Twitter chegou a estar 84 a 16 em favor de Dayse mesmo após a apreciação equilibrada do menu degustação), não falta, nas redes sociais, quem veja sua vitória não como uma questão de mérito, mas de justiça social. Premiá-la teria sido uma resposta contra o "complô machista". Os discursos de Ana Paula Padrão e Paola Carosella reforçam essa tese. Bater nessa tecla, contudo, me parece, novamente, menosprezar a capacidade de Dayse. Afinal, dos oito pratos apresentados por ela na final, cinco foram bastante elogiados, e ela derrotou Marcelo em duas das três disputas.
Mas tudo bem. Esteja você feliz por achar que a cozinha dela é mais saborosa ou esteja você saboreando uma espécie de vingança pelas mãos dela, hoje é dia de fazer a dancinha da Dayse:
– Teto! Parede! Barata! Sensua-LI-zando!
Opinião
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Ticiano Osório
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