Após deixar a secretaria especial de Cultura, o gaúcho Henrique Pires falou sobre o edital que motivou a sua decisão. Em entrevista ao programa Estúdio i, da GloboNews, nesta quinta-feira (22), ele considerou que a suspensão de um edital de séries para TVs públicas criticado pelo presidente Jair Bolsonaro, por envolver produções de temática LGBT, "é censura" e que não apoia a medida por cancelar contratos que já tinham sido aprovados.
Segundo ele, o artigo 220 da Constituição Federal garante a ampla liberdade de expressão no país e, assim, esse caso em específico "assume uma gravidade bastante importante":
— Tenha o nome que tiver, como dizia o Shakespeare "uma rosa é uma rosa", censura é censura. Pode se chamar de filtro, do que quiser... em última análise, é censura. — frisou Pires.
— (...) Esse edital foi lançado em 13 de março de 2018, as pessoas se habilitaram a concorrer a um edital público promovido pela União, eles não estão negociando com um qualquer na esquina e, sim, com um banco público, e neste momento em que chega aquela fase que vão acessar os recursos, o ministro Osmar (Terra, da Cidadania) resolveu criar alguns obstáculos protelando por 180 dias, com a possibilidade de adiar por mais 180, a divulgação do resultado por não gostar da temática desse edital lançado há mais de um ano. Eu tenho defendido que se cumpram contratos. Se não querem fazer editais daqui para frente, por causa de uma temática ou outra, ok, mas cumpre o contrato. Agora, censurar as obras que estão em curso, que já foram produzidos e seguiram as regras feitas pela União, isso não pode ser feito — ressaltou.
Pires diz ter se sentido "no limite" de sua atuação e que o ministro Osmar Terra até pediu para ser feita uma portaria chancelando a decisão de se barrar o edital. Ele lembrou, inclusive, do caso em que o presidente Jair Bolsonaro criticou a realização de filmes como Bruna Surfistinha.
— Isso (a censura) é um debate vencido. O caso da Bruna Surfistinha mesmo... o que se debateu? Já tá pago, foi sucesso. (...) Temos instituições que possibilitam pesos, horários. Não precisa ter ministro ou presidente dizendo se algo é de bom gosto ou não. Isso é um debate mofado, vencido, com o qual eu não concordo.
Sobre a Lei Roaunet, ele pontua que conseguiu convencer parlamentares a aprovarem a instrução normativa, e não o fim do mecanismo de fomento à Cultura. Além disso, acredita que ajustes ainda precisam ser realizados:
— A expectativa do Brasil era acabar com a Lei Rouanet. Não foi feito isso. O que nós conseguimos fazer foi uma instrução normativa número 1, que mudou os critérios. De maneira conciliadora, conseguimos convencer parlamentares, considerando as atuais circunstâncias legislativas, uma lei de incentivo que tenha qualquer mudança, ela tem validade de cinco anos. Então se mexesse na Roaunet agora, daqui cinco anos estaria tudo na estaca zero de novo. Hoje o financiamento está acontecendo, não houve problemas desde que a instrução normativa entrou em vigor e acho que até ela terá ajuste porque, sem dúvida, o setor musical foi muito penalizado, por um teto que antes era muito alto e deveria ter sido modulado.
Por fim, o ex-secretário disse que lhe ofereceram a presidência de fundações no Rio de Janeiro, mas que recusou a proposta por acreditar que estes lugares já estão bem administrados.
— Não quero, não estou contente e seja feliz, toque a vida. Vou pegar meu boné e vou embora.