Era o saguão de um hotel no Interior, na época em que fazíamos cerca de cem shows por ano, de modo que é difícil lembrar quando e onde isso aconteceu. Há pessoas que lembram perfeitamente de fatos, outras de datas, outras de rostos, outras de coisas ditas. Para mim, sempre foi mais nítida a memória do espaço. Em geral, é por meio do espaço que consigo reviver os eventos antigos. Por ser capaz de voltar à casa em que pequenos passávamos o verão em Tramandaí – o quarto e o beliche em que dormíamos eu e meu irmão – é que posso lembrar de como, certa noite, despenquei da cama de cima, estatelando-me no chão. Gostaria de poder explicar os sobressaltos noturnos que até hoje me acometem a partir desse útil trauma, mas sei que são as assombrações vitais que não falham em madrugar, tão menos frequentes quando eu ainda era o jovem do saguão úmido no hotel do interior, com seus sofás de um verde abacatoso.
Coluna
Pedro Gonzaga: Os Nelsons
Colunista escreve sobre juventude e experiência
Pedro Gonzaga