O ar fica diferente, o céu é outro e o ambiente se torna mais etéreo quando o leãozinho e a abelha-rainha entram em cena. O resultado: um misto de reverência e alegria tomou conta de quem estava na Arena do Grêmio no sábado (22), a partir das 21h07min. Caetano Veloso e Maria Bethânia subiram ao palco para encerrar a turnê conjunta em uma apresentação de cerca de duas horas.
Filhos de Dona Canô, eles são entidades da música brasileira. Ver os dois reunidos no mesmo palco é diferente. É como presenciar a história sendo feita. Ou algo divino em prática.
Desde agosto de 2024, os irmãos circulam pelo Brasil com a turnê Caetano & Bethânia. Foram mais de 550 mil ingressos vendidos com 18 shows feitos em nove cidades diferentes. Calhou dessa excursão histórica ser fechada justamente na capital gaúcha.
A apresentação em Porto Alegre estava prevista, originalmente, para o dia 12 de outubro do ano passado. Por conta dos danos estruturais causados pela enchente na Arena, o show foi adiado e ficou para ser o último da turnê.
Pelo que se viu na Arena, Caetano, 82 anos, e Bethânia, 78, conduziram o espetáculo derradeiro com exuberância e vitalidade. Entre os 38 mil presentes (conforme a organização do evento), prevaleceu o sorriso de satisfação e encanto.
Alegria, Alegria marcou início do show
O show foi aberto com Alegria, Alegria, um marco do movimento Tropicalista. A Arena veio abaixo. Quando Bethânia entrou com mais ênfase na música, o estádio comemorou como um gol.
Aliás, em cada performance mais intensa da artista havia um êxtase da plateia. Sua voz prossegue magistral. Uma nota curiosa é que Bethânia chamou atenção até de insetos voadores, que insistiam em pousar na cantora na segunda metade do show, enquanto ela tentava afastá-los. Por sua vez, Caetano também conquistava o público com seu canto suave e harmonioso.
Quando os irmãos não mesmerizavam a plateia com canções como Oração ao Tempo e Não Identificado, faziam a plateia dançar como foi com o medley que continha Samba de Dois-Dois / Lindomar / A Donzela Se Casou ou quando cantaram Filhos de Gandhi, Cajuína e Reconvexo.
Na vez de Tropicália, que agitou a Arena com seu forte refrão, Bethânia se postou no canto esquerdo do palco, vibrando com a performance do irmão. O inverso ocorreu em Marginália II, com Caetano acompanhando a irmã no canto direito.
Cada um, aliás, teve direito aos seus momentos solos no palco. Primeiramente, Caetano, que abriu sua parte com Sozinho.
A Arena toda foi com ele, acendendo a lanterna dos celulares e cantando junto. Na sequência, o público também fez coro à balada doce O Leãozinho, à dramática Você Não Me Ensinou a Te Esquecer e à romântica Você é Linda.
Em seguida, Caetano agradeceu aos compositores de Sozinho (Peninha) e Você Não Me Ensinou a Te Esquecer (Fernando Mendes), acrescentando ainda o autor de Deus Cuida de Mim, próxima faixa do repertório.
— Quero agradecer ao Pastor Kleber Lucas por ter me ensinado o louvor que vou cantar agora. Representa o interesse e a atenção que devo prestar para o tamanho do fenômeno que é o crescimento das igrejas evangélicas no Brasil — explicou.
Contudo, a plateia não demonstrou muita empolgação com o anúncio da canção. Teve quem aproveitou o momento para ir ao bar recalibrar a caneca ou realizar uma visita ao banheiro.
Após o louvor, que foi aplaudido no fim, Bethânia assumiu o palco com a formidável Brincar de Viver. A performance da cantora emocionou até uma backing vocal da banda de apoio, Janeh Magalhães, que apareceu no telão aos prantos.
Bethânia também fascinou com Explode Coração e arrematou a Arena com uma performance esplêndida de As Canções que Você Fez pra Mim. Como se não bastasse, ainda deu o golpe final com Negue.
Homenagens a outros músicos e a Porto Alegre
Depois de um medley com canções referenciando a escola de samba Mangueira, os irmãos homenagearam Gal Costa com Baby (aqui a parte gremista da Arena comemorou ao ouvir o verso "comigo vai tudo azul") e Vaca Profana, com os telões exibindo fotos da cantora. Cada um declarou “Gal para sempre” antes da dobradinha.
Outro baiano contemplado no repertório foi Raul Seixas, com Gita. Aqui, os irmãos desembocaram no rock and roll setentista.
Outro cover apresentado foi Fé, de Iza. É seguro imaginar que boa parte da plateia se contagiou ao presenciar Bethânia proferir o verso “fé pra enfrentar esses filha da p***”.

Reconvexo fez não só a Arena dançar, como também os irmãos se abraçarem durante a faixa — até ensaiaram uns passinhos. Então, Tudo de Novo fechou o bloco antes do bis.
Na volta ao palco, Caetano celebrou:
— Maravilhoso estar aqui encerrando a turnê deste show que foi concebido e estruturado por Bethânia.
Ele introduziu uma música nova, que seria apresentada pela segunda vez (a primeira foi no show do Rio de Janeiro, no dia 15 de março): Um Baiana. O cantor ressaltou que a canção só foi finalizada ao longo da turnê.
Só que Caetano estranhou o começo da música e pediu para recomeçar "com calma". Tudo certo, segue o baile.
Por fim, os dois cantaram um trecho de Menino Deus para celebrar a capital gaúcha. Costumeira no repertório de Caetano quando ele se apresenta na cidade, foi a primeira vez que a canção apareceu no setlist da turnê.
Presente no álbum Live in Bahia (2002), a inspiração para a faixa surgiu para Caetano em uma visita a Porto Alegre, quando avistou uma placa citando o bairro. Por achar o nome bonito, decidiu musicá-lo. De qualquer maneira, foi um presente para a cidade.
Após os irmãos darem uma palinha de Menino Deus, eles puxaram o início de Odara. E foi só o início.
Sorrateiramente, os dois deixaram o palco, mas a banda de apoio e o público seguiram festejando mais um pouco.