Logo na portaria do Bar Ocidente, Márcio Gomes, o Rei Magro, dizia para um homem que não seria possível acessar o local sem um ingresso previamente comprado. Mesmo com a insistência do cidadão —, que transitava entre pedinte e irritadiço, ignorando as normas de segurança —, o promotor do Ocidente Acústico, vestido com uma capa de chuva, usando uma máscara PFF2 e empunhando um termômetro, foi irredutível e a negativa prevaleceu. Restou ao cidadão sair batendo os pés.
O retorno do tradicional evento musical do Bom Fim, em Porto Alegre, aconteceu nesta quinta-feira (5), depois de quase um ano e cinco meses de interrupção por conta da pandemia. Porém, a volta foi diferente. A começar pelo horário: passou das tradicionais 23h para às 21h. A lotação da casa que, sem muito esforço recebia 400 pessoas, agora se limitou a apenas 42. O público foi alocado em mesas de dois e quatro lugares e havia a opção de ingressos avulsos para quem optasse por ficar no bar. Todos sentados. A obrigatoriedade do uso de máscara para circular no ambiente, o álcool em gel espalhado em vários pontos e as janelas escancaradas completavam as mudanças para o público. Não para os músicos.
No espaço dedicado para abrigar Marcelo Gross e sua banda, uma cortina plástica transparente se esticava do teto até o chão. Atrás dela, o cantor iria se apresentar sem máscara, com a intenção de proteger o público e a si mesmo de uma possível contaminação do novo coronavírus, que está sempre pronto para agir nos descuidos de quem está com a boca e o nariz descobertos. Porém, pouco antes do show, o músico desistiu da barreira entre ele e os seus espectadores. A solução para minimizar os riscos foi soltar a voz por trás da máscara mesmo.
Com um palco em chamas — não literalmente, apenas projeções nas paredes — Marcelo Gross tocou todas as músicas de seu novo álbum, Tempo Louco, além de sucessos de sua carreira. A cada música finalizada, o artista fazia questão de agradecer os aplausos. Afinal, a última vez que havia ouvido eles assim, de pertinho, foi em outros tempos, lá no começo de 2020. Ele repete a dose, no mesmo lugar, na próxima quinta (12).
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Diferente
Enquanto o público ia chegando e se acomodando em seus espaços pré-determinados, os olhares atentos da equipe da casa acompanhavam a movimentação. Essa reabertura é, conforme conta o proprietário do Ocidente, Fiapo Barth, uma "experiência". O medo da pandemia segue assombrando o empresário, que não quer, em hipótese alguma, colocar os seus clientes, funcionários e músicos convidados em risco. Por baixo da máscara, a ansiedade para que dê tudo certo é visível, mesmo com os seus mais de 40 anos à frente do negócio.
Já para Márcio Gomes, o trajeto de sua casa, na Protásio Alves, até o Bar Ocidente, que fica na esquina da Osvaldo Aranha com a João Telles, foi o mais diferente de todos. Ele contou que foi emocionante reencontrar o point do Bom Fim, depois de 511 dias sem colocar nenhuma banda para tocar ali, algo que fez semanalmente por mais de 22 anos.
— Depois, quando entrei e começou a passagem de som e a organização do evento, lembrei como é difícil e estressante fazer isso — brincou o produtor, enquanto media a temperatura das pessoas que formavam uma pequena fila para entrar no bar.
Dentro do segundo andar do Ocidente, os funcionários mantinham um rígido controle do espaço e, caso alguém levantasse e começasse a circular sem máscara ou afastasse muito as cadeiras de suas mesas, já recebia um aviso. Era a condição para que o show acontecesse. E todos aceitaram os termos de bom grado, respeitando o local que, afinal, já é um senhor de 40 anos. Na portaria, quem entrava, por sinal, agradecia por poder estar ali, em um clima de festa, antes mesmo do show começar.
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Sorrisos por trás das máscaras
Adriano Braga, gerente de uma loja de vinhos, que tem uma história que se mistura com a do Ocidente e havia garantido ingressos para ele e a esposa, a cirurgiã-dentista Tatiana Maffacciolli, foi um dos primeiros a chegar no show. A dupla, que teve nessa a sua primeira saída para um evento público desde o começo da pandemia, escolheu a mesa mais afastada de todas, mas que ainda garantia uma boa visão do palco. Além de ouvir a boa música, eles queriam apoiar o espaço, que foi palco para o seu almoço de casamento.
— Foi estranho retornar, a gente nem sabia como agir na bilheteria. E, sentado ali, ouvindo o show, parece que só teve o ontem e o hoje, todo o período difícil sumiu. Muito maluco isso — contou Braga.
Entre uma música e outra, a recepcionista Karine Ribeiro foi até a lojinha com os produtos do Marcelo Gross, que foi montada em um cantinho do Ocidente, para comprar o disco de vinil do músico. Abraçada em sua nova aquisição, na qual pretende conquistar um autógrafo do artista, ela destacou que está muito satisfeita com a volta do Ocidente Acústico, apenas de um "desconforto":
— Tudo está maravilhoso, mas em um show como o do Marcelo Gross, que é puro rock'n'roll, eu queria estar pulando e dançando, mas entendo que não é possível no momento. Já estou muito feliz por estar aqui, participando deste momento.