Um dos mais representativos nomes da música gaúcha, o cantor e compositor Telmo de Lima Freitas morreu na tarde dessa quinta-feira (18), em Cachoeirinha. Aos 88 anos, ele deixou os filhos Ione, Ana Elisa, Leonardo (Kiko) e Lúcio, além de sete netos e seis bisnetos. A causa da morte ainda não foi divulgada.
Nascido em São Borja, Telmo foi autor de sucessos como Cantiga de Ronda e Baile de Rancho. Com seu grande sucesso Esquilador, ele venceu a Calhandra de Ouro, maior prêmio da 9ª Califórnia da Canção Nativa, em 1979. Também ganhou, em 2009, o prêmio de melhor compositor e melhor CD regional no Prêmio Açorianos com o trabalho A Mesma Fuça.
O cantor e apresentador do Galpão Crioulo Neto Fagundes destaca que o legado de Telmo tem uma importância que vai além dos limites do território gaúcho, fazendo parte também da história da música brasileira.
— Lembro de uma vez conversar com o Elomar, que é um cantor e compositor baiano, e ele disse que no Rio Grande do Sul existia um dos caras mais importantes para a cultura regional do nosso país. Era o Telmo. Realmente, ele era um cara muito singular no seu jeito de compor e escrever as canções, no palavreado, no jeito que ele trazia de São Borja, muito característico da obra dele. Não tem nada igual ao jeito que ele escrevia suas músicas e suas poesias. Ele é um dos pilares da nossa tradição, junto com tio Nico, junto com Paixão Cortes, junto com Adelar Bertussi. São pilares fundamentais na formação da nossa música e identidade. Quando a gente falar da nossa música, vamos estar falando do Telmo — diz Neto.
A cantora e apresentadora do Galpão Crioulo Shana Müller aponta que Telmo sempre será será um compositor essencial de toda regionalidade:
— Um homem que cantou a religiosidade, a natureza, o campo e vivenciou isso até o fim. Entendeu o som dos pássaros, do vento, da chuva. Suas melodias, muitas vezes em versos de repetição, são quase um ensinamento, daqueles que a gente ouve e sai repetindo. A oralidade de suas canções quase o torna folclórico. Tive a alegria de poder estar com ele, conversando em um programa especial em seu galpão. Ficam suas canções para a eternidade, alicerce fundamental da música sul-rio-grandense e brasileira.
O cantor Elton Saldanha lembra que desde sua infância tinha Telmo como referência, a quem define como um cronista de seu tempo:
— Tive o gratificante convívio com Telmo Freitas, seu rancho em Cachoeirinha era um templo folclórico onde a todos recebia. Sua musicalidade traz a identidade do homem simples do campo, peões gaúchos, bolichos de beira de estrada, tropas de bois, pôr de sóis, índios e nativos das barrancas do rio Uruguai eram constantes em suas poesias. Um pesquisador e um cronista de seu tempo, soube identificar e transmitir a cultura e o folclore do Rio Grande do sul, sua música deve continuar sendo referência musical e repertório de estudo para quem quer conhecer nossa gente do Sul. Tradição é traduzir a cultura, e Telmo Freitas fez isso com sua música.
Para o cantor e deputado estadual Luiz Marenco, Telmo era um dos pilares da música do Rio Grande do Sul, um canto ancestral do qual faz parte da criação:
— Telmo nos deixou uma obra maravilhosa. Uma obra para estudo dos jovens. Para aqueles que no futuro pesquisarem sobre quem cantou a sua identidade e sobre o Estado, ele estará lá como um dos maiores.
Marenco também comenta sua ligação com Telmo:
— Perdi um amigo. A primeira vez que subi num palco foi cantando com o Telmo em um festival de Porto Alegre. Toquei Bolicho do Tio Candinho com ele. Depois, participei de alguns festivais que o Telmo me dava algumas de suas composições para cantar. Alma de Galpão era uma. Sempre tive um grande respeito e carinho pelo Telmo.
Para o cantor Joca Martins, Telmo é fundamental para a cultura gaúcha:
— Ele se preocupou em preservar elementos do nosso folclore, em ritmos como a valsa, xote e o bugio. Trazia em sua cantiga sempre uma mensagem boa, para abraçar as pessoas e colocá-las em momentos de filosofar com seus sentimentos.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, Luiz Carlos Borges, compositor e amigo de Telmo, destacou que o músico será lembrando não somente por sua obra, mas também por sua personalidade aberta e seu modo de falar incisivo, que trazia segurança e esperança para quem conversava com ele.
— Eu tenho a agradecer a Deus a sorte de ter tido o caminho aberto para me encontrar com o Telmo. E de ele ter dedicado um carinho especial para mim, algo que eu sei que ele fez com muita gente porque ele era assim, coração grande, aberto — diz. — Ao se despedir de um amigo, um irmão como Telmo, abre um rombo no coração da gente, mas deixa algo tão grande na volta, que aos poucos o próprio tempo vai se encarregando de substituir qualquer tipo de mágoa, de tristeza, de dor com a perda em algo bom, por algo saudável apenas do ponto de vista em que a amizade prevalece em tudo — acrescentou.
O músico e colunista de GZH César Oliveira, ressaltou que Telmo "foi um dos mais eloquentes expoentes do nosso cancioneiro".
— Este esteio patrimonial da cultura gaúcha estabeleceu horizontes para todo segmento musical e folclórico através de sua arte, empenho e comprometimento com seu povo, sua pátria cultural. Um etéreo mestre por sua contribuição e legado que nutre continuará nutrindo gerações após gerações. O Rio Grande do Sul perde seu último caudilho — afirmou.
Em suas redes sociais, o baterista Kiko Freitas publicou um depoimento emocionante sobre seu pai:
"Eu queria muito ter te conhecido mais profundamente meu pai. Queria muito ter tido alegrias contigo, ter caminhado ao teu lado pelas trilhas dessa existência. Sem medos, sem máscaras, sem travas ou silêncios não explicados e gestos jamais compreendidos. Sinto que a caminhada está no fim. Temos apenas uns poucos passos por aqui e muitas perguntas, muitas dúvidas, grandes vazios, como pausas de compassos não conhecidos, temas musicais sem métrica. Quem sabe em um outro tempo? Quem sabe possa existir um campo largo, aberto para nós uma outra vez e possamos mirar as coxilhas verdes, distantes, tocando nossos cavalos a todo o galope, até lá embaixo, perto daquela sanga mansa! E ali vamos apear, desencilhar, fazer um fogo grande, cevar um amargo e falar abertamente, olho no olho, coração a coração, como dois missioneiros, como dois músicos, dois trovadores. Como pai e filho, filho e pai, talvez... até breve", escreveu.