
Com trajetória marcante na música brasileira, Belchior deixou um legado de grandes canções. Veja uma análise de quatro de suas composições mais importantes do ponto de vista de Guto Leite, poeta, cancionista e professor de literatura da UFRGS:
Na Hora do Almoço (1971)
"Canção do disco de estreia que serve de contraponto a Panis et Circensis, de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Trata de um almoço de família em que todos sentem medo, uma espécie de incômodo. Belchior faz críticas ao conservadorismo da família brasileira parecidas à canção de Caetano e Gil, mas de uma perspectiva não tropicalista. O tropicalismo tem uma certa agonia que vem junto com o gozo. Em Belchior, esse segundo elemento não está presente: há apenas melancolia, angústia."
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Alucinação (1976)
"Do disco homônimo de 1976, a música diz: 'E meu delírio / É a experiência / Com coisas reais'. Ou seja, a alucinação dele é bem material, concreta, ordinária. Não um salto para uma experiência etérea, mas sim um chamado para viver a vida cotidiana. Com toda a história pessoal de Belchior nos últimos anos e seu afastamento do mundo do entretenimento, a letra foi ficando mais pesada. É a canção dele de que mais gosto."
Apenas um Rapaz Latino-Americano (1976)
"Gosto desta canção por dois motivos. Primeiramente, por essa ideia de não ser ninguém, de não ter sobrenome, de ser qualquer um. É uma perspectiva diferente, pois no quadro da canção brasileira todo mundo é filho de alguém, conhece alguém. Aí vem o Belchior dizendo que é um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior. Outro motivo pelo qual gosto desta canção é uma característica sua: parece que está inserindo mais sílabas do que cabe em cada verso. Do ponto de vista da estrutura da canção, é um princípio de resistência, como se ele recusasse a cadência mais natural para trazer alguma tensão."
A Palo Seco (1976)
"Esta música ficou conhecida também pela interpretação dos Los Hermanos. É outra que está no disco Alucinação, de 1976. A letra tem um quê anti-imperialista: 'Um tango argentino / Me vai bem melhor que um blues'. Com os golpes de Estado em países como Argentina, Uruguai e Chile nos anos 1960 e 70, começou a se fomentar entre nós o discurso da latino-americanidade. Entre os artistas que abraçaram esta ideia, estavam Mercedes Sosa, os músicos do Clube da Esquina e Belchior, entre outros. Como se dividíssemos o destino em relação aos interesses imperialistas."