– É difícil falar de amor, mas como não falar?
A poeta Mar Becker passeia por vários temas, e esse tem sido o de sua exploração mais recente, o que pode ser confirmado com uma espiada em seu ativo perfil no Instagram (@marbecker1109).
Finalista do Jabuti, vencedora do Minuano e do prêmio de livro do ano da Associação Gaúcha de Escritores (AGEs), a autora de A Mulher Submersa (2020), Sal (2022) e Canção Derruída (2023, publicado em Portugal) prepara para 2024 duas publicações: uma plaqueta (formato de publicação literária de poucas páginas) a ser lançada pela editora Fósforo e uma reunião de poemas em que, ela define, “inclino ouvidos ao amor, esse animal adelgaçado que partilha com a escrita a mesma morada no apátrido, no sopro”.
O título da plaqueta, Cova Funda é a Boca das Mulheres Estranhas, já indica que é o universo feminino que parece interessá-la particularmente.
– Me acompanham Sophia de Mello Breyner Andresen, Antonio Gamoneda, Hilda Hilst... – a poeta dá outra pista do que o leitor que ainda não a conhece vai encontrar em seus poemas.
Mar nasceu em Passo Fundo e vive em São Paulo. Tem 37 anos. Graduou-se em Filosofia (pela UPF) e especializou-se em Epistemologia e Metafísica (pela Universidade Federal da Fronteira Sul).
Ela atendeu ao pedido de GZH e fez uma pequena compilação de sua mais nova produção, reunindo alguns poemas curtos, ou partes de um poema longo, como prefere chamar, para compartilhar com os leitores. É uma seleção de versos recentes e ainda não publicados. Confira:
amor em um tempo sem palavras
aproxima-te do amor sem muitas perguntas
aprende-o impensado, intocado ainda
sem perguntas aproxima-te, como se descobrindo no
tempo um tempo sem
palavras
em que amar seja ter medo de que
se chamado, o amor
(esse pássaro)
se assuste
.
(a delicadeza ainda me devorará)
.
volto-me de repente aos sabonetinhos aqueles que ficam nas gavetas dos quartos, nas cômodas, envolvidos em organza ou voal. pequenos ossos, rótulas _ de ninguém. não dizem de um corpo que se perdeu de fato, mas da miragem da perda. vagueia neles algo de ameninado, há um luar de infância sobre esse cinema desdobrado em ossuário. curioso como inventamos objetos assim. em toda casa há pertences (ou digamos ruínas de pertences) que nos abrem a possibilidade de compor saudades descarnadas, e talvez esteja aí o primeiro aprendizado do amor. raduan diz, "o quarto é inviolável", construímos com ele uma intimidade sem cura. ardem-me esses objetos
.
uma de mim chama. a outra emudece
uma de mim cultiva a noite
a outra está à espera da manhã
e quando na passagem elas se cruzam
quando às vezes se percebem, breves
nessa hora descobrir teu nome à boca, ainda
sem pronúncia
e numa de mim querer dizê-lo
mas na outra guardá-lo. como se
incapaz de feri-lo
com a voz