
Quando foi exibida em Porto Alegre em 2018, no Festival Palco Giratório Sesc, a peça Tom na Fazenda impactou o público com uma potente história sobre intolerância. Mais do que um espetáculo com uma "mensagem", era o teatro em seu estado mais puro, capaz de fazer os espectadores saírem da sessão diferentes.
A montagem, que na época já vinha arrebatando o público por onde quer que passasse, retorna à capital gaúcha sete anos depois como um dos trabalhos mais representativos do teatro brasileiro da atualidade.
Integrando a programação de inauguração do Teatro Simões Lopes Neto do Multipalco Eva Sopher, as sessões serão desta sexta-feira (25) a domingo (27) (veja detalhes ao final do texto).
O sucesso também se deu no Exterior. Em 2022, a produção idealizada pelo ator Armando Babaioff (de novelas como Segundo Sol, de 2018, e Bom Sucesso, de 2019-2020) e dirigida por Rodrigo Portella esteve no circuito off do prestigiado Festival de Avignon, na França.
No ano seguinte, fez temporada no Théâtre Paris-Villette, em Paris, com críticas elogiosas nos jornais Le Monde e Libération. Em 2024, realizou turnê na Europa, passando por 27 cidades de França, Bélgica e Suíça.
Também vieram prêmios, como APCA (da Associação Paulista de Críticos de Arte), APTR (da Associação dos Produtores de Teatro), Cesgranrio e Shell.

Sobre o que é a peça
Na trama, o publicitário Tom (Armando Babaioff), que perdeu seu companheiro em um acidente de moto, vai à fazenda da família dele para o funeral. Chegando lá, descobre que a sogra, Ágata (Denise Del Vecchio), não sabia da existência de Tom, nem sequer tinha conhecimento de que o filho era gay. Ela está, inclusive, à espera da mulher que seria a namorada dele, Helen (Camila Nhary).
As coisas ficam ainda mais sinistras com a aparição de Francis (Iano Salomão), o truculento irmão do falecido, que insiste que o relacionamento continue sendo escondido da mãe.
Lançando um olhar retrospectivo para a trajetória do espetáculo, iniciada em 2017, no Rio, Babaioff diz sentir que a equipe viveu no palco as transformações do mundo desde então:
— Nunca imaginei que ficaríamos tanto tempo em cartaz, só sabia que era uma história que precisava ser contada. Com os anos, meu olhar se aprofundou, e o texto, que já era vivo, se transformou num espelho ainda mais potente do mundo e de mim mesmo. É nesse momento que você percebe que está diante de um texto que é um clássico.
Autor elogiou a montagem
Obra do dramaturgo canadense Michel Marc Bouchard, o drama teve primeira montagem em 2011 em Montreal. Dois anos depois, foi adaptado para o cinema por Xavier Dolan.
A encenação brasileira, que tem tradução de Babaioff (publicada em livro pela editora Cobogó), conquistou não apenas mais de 130 mil espectadores em oito anos, mas também o próprio Bouchard, que a considerou "a melhor de todas" as versões em entrevista à Folha de S.Paulo em 2023.
Uma verdadeira vivência
Tudo isso indica que haverá um novo público à espera da peça em Porto Alegre. Mas não será surpresa se espectadores que assistiram em 2018 retornarem para um repeteco.
— Muita gente volta para assistir várias vezes, pois não é uma experiência passiva, mas uma verdadeira vivência — diz a atriz Denise Del Vecchio (de novelas como A Viagem, de 1994, e Chocolate com Pimenta, de 2003-2004). — A interpretação é visceral, física e, com pequenas diferenças no Brasil ou no Exterior, o público é arrebatado. Ri, chora, fica chocado e reflete sobre a intolerância e o sofrimento sem sentido que ela provoca.

Lama é elemento importante do cenário
Com cerca de duas horas de crescente tensão, a peça ocorre em um cenário não naturalista: a fazenda é representada com poucos elementos, como uma lona, baldes e lama, muita lama. O diretor Rodrigo Portella explica:
— Levei a ideia da lama para a Aurora (dos Campos, cenógrafa) porque pode representar muitas coisas, como a sujeira, inclusive a sujeira moral. Também tem a ver com minhas referências. Nasci numa cidade pequena (Três Rios, no Rio de Janeiro), um ambiente rural, onde a lama era um elemento muito presente.
Não apenas o cenário, diz Portella, tudo em Tom na Fazenda é cuidadosamente trabalhado para sugerir mais do que revelar. O fato de os atores atuarem principalmente em pé, sem pontos de apoio, evoca a instabilidade das situações encenadas. A ideia é convidar o público para um processo ativo de imaginação:
— De maneira geral, gosto de trabalhar com poucos elementos em cena. Acredito que o teatro acontece no encontro entre os imaginários dos criadores e dos espectadores.
Peça não subestima o espectador
O diretor atribui o sucesso do espetáculo a uma série de fatores, que incluem a qualidade do texto, com personagens "não lineares" com os quais o público se identifica; a encenação, que aposta a imaginação dos espectadores; a força dos atores, com um trabalho minucioso de construção de personagens; e a atualidade do tema: intolerância, incapacidade de compreensão do outro e rechaço ao que é diferente.
— É uma peça que não subestima o espectador, mas também não o abandona. Tampouco é uma peça hermética que se fecha em termos de compreensão — analisa Portella.

Ato de entrega e cura
Com tudo isso, é possível acreditar que o teatro ainda tem o poder de transformar as pessoas, um pouco que seja? Babaioff responde:
— Sem dúvida! Seja no Brasil, no Canadá, na França, por onde passamos percebemos que deixamos algo. Tom na Fazenda fala de uma família, de laços e conflitos que todo mundo reconhece, e isso já te puxa para dentro. Aí vem a violência, mas não só: é um raio X da violência, de como ela nasce, de como alguém vira o que é. E, por trás de tudo, o patriarcado, esse monstro que sustenta a opressão.
Pelo vigor da ação, o ator garante que o trabalho "exige tudo" dos atores:
— Somos atravessados pela intensidade da história, pela intensidade do teatro, que nos machuca, nos transforma, que nos faz rir de absurdos, mas que também nos fortalece, porque contar essa verdade no palco é um ato de entrega e cura. É uma experiência que transborda para a plateia, e assim o teatro acontece.
Para Denise, as sessões no Teatro Simões Lopes Neto prometem ser especiais também porque ela acompanhou as obras do Multipalco "pelas mãos da saudosa e extraordinária dona Eva Sopher":
— Tive a alegria de me apresentar várias vezes em Porto Alegre, algumas no Theatro São Pedro, e sempre foram experiências muito especiais e gratificantes.
"Tom na Fazenda" em Porto Alegre
- Nesta sexta-feira (25) e sábado (26), às 20h, e domingo (27), às 18h
- Teatro Simões Lopes Neto no Multipalco Eva Sopher (Rua Riachuelo, 1.089), em Porto Alegre
- Estacionamento no local, também com entrada pela Riachuelo
- Ingressos a partir de R$ 60, à venda pelo site do Theatro São Pedro e no local