Andréa Lacerda Bachettini
Coordenadora do Laboratório Aberto de Conservação e Restauração de Pinturas da UFPel
Karen Velleda Caldas
Coordenadora do Curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais na UFPel
O projeto Laboratório Aberto de Conservação e Restauração de Pinturas (Lacorpi), ligado à Universidade Federal de Pelotas (UFPel), tem estabelecido parcerias para a conservação-restauração de bens culturais com a comunidade em geral e vem obtendo relevantes resultados, sobretudo com acervos ligados a instituições públicas, notoriamente a Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul e o Palácio Piratini. O projeto tem se justificado pela recuperação de acervos particulares e públicos, possibilitando a preservação de bens culturais que muitas vezes estão inacessíveis devido ao seu estado de conservação. Além disso, também tem a finalidade de gerar conhecimento sobre a conservação-restauração dos bens culturais, a partir da análise, da observação e da realização de intervenções em obras, contribuindo na formação acadêmica e cidadã de seus alunos.
A partir dessas experiências, a coordenação do Lacorpi e o Curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da mesma universidade, por meio da administração central da UFPel, foram chamados a colaborar com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na conservação-restauração dos bens culturais móveis dos palácios presidenciais em Brasília, em razão de que, no quadro de servidores do Palácio do Planalto, não há a figura do conservador-restaurador. O Iphan ressaltou o êxito do Lacorpi em ações anteriores, destacando que “a UFPel possui condições mais adequadas para a realização dos serviços de conservação e restauro dessas peças, visto que pode, de forma qualificada, promover reflexões sobre como intervir em bens tão simbólicos e que carregam marcas de um dia trágico para a nação brasileira”.
Desse modo, está no escopo do projeto a ação para a conservação-restauração de 20 obras de arte, integrantes do acervo do Palácio do Planalto, vítimas dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, tendo as dependências do Palácio da Alvorada como o cenário para essa ação. Mais especificamente, a atividade está sendo empreendida no subsolo da Capela, num espaço do Palácio preparado especialmente para essa restauração.
O que o Brasil testemunhou em 8 de janeiro de 2023 foi um atentado à sua democracia, marcado por ataques ao Palácio do Planalto, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal. Esse trágico episódio resultou na depredação de 20 obras de arte significativas para a história da arte do acervo do Planalto, representando uma afronta aos valores democráticos que sustentam a nação. O vandalismo perpetrado não apenas danificou o patrimônio artístico do Palácio, mas deixou cicatrizes simbólicas na história do país. O ataque à democracia ressalta a importância contínua da vigilância e da proteção dos princípios fundamentais que fundamentam a sociedade, destacando a necessidade de resiliência e esforços coletivos para preservar a integridade das instituições democráticas, tendo o patrimônio papel significativo nesse processo.
A UFPel, por meio dessa Ação Brasília do Lacorpi, que terá duração de 12 meses, está procedendo na montagem de um laboratório e na restauração das obras, tendo ainda previstos seminários, ações de educação patrimonial, um manual de conservação preventiva, a produção de um livro arte e um documentário sobre o processo de restauração.
As 20 obras, representativas do patrimônio brasileiro, incluem esculturas, como O Flautista, de Bruno Giorgi, e Vênus Apocalíptica Fragmentando-se, de Marta Minujin, uma ânfora portuguesa em cerâmica, a obra tridimensional Galhos e Sombras, de Frans Krajcberg, uma obra em papel de autoria não identificada e 15 pinturas, incluindo As Mulatas, de Emiliano Di Cavalcanti, Retrato do Duque de Caxias, de Osvaldo Teixeira, Fachada Colonial Rosa com Toalha, de José Paulo Moreira da Fonseca, dentre outras.
O projeto da UFPel promove atividades de pesquisa, ensino e extensão, alinhadas com o plano de trabalho aprovado pelas instituições envolvidas: Direção Curatorial dos Palácios Presidenciais, Iphan e UFPel. O plano contempla processos de conservação-restauração com técnicas compatíveis com os suportes, embasadas por princípios teóricos que regem esse campo em nível internacional. O resultado não só restaurará a integridade das peças, mas também promoverá a educação patrimonial, destacando a simbologia artística, além de fomentar reflexões sobre aquele trágico dia para a nação brasileira.
O trabalho do Lacorpi, portanto, vai além do restauro, oportunizando de forma crítica a produção e disseminação do conhecimento.