O mês de janeiro é reconhecido por trazer alertas para os cuidados com a saúde mental e emocional da população. Na velhice, doenças como depressão, ansiedade e demência são enfermidades que preocupam.
O médico geriatra e psiquiatra Roberto Bigarella lembra que a expectativa de vida da população brasileira aumentou, contudo, os anos conquistados a mais nem sempre são acompanhados por uma condição saudável e feliz. Para se ter ideia, em 1970, a expectativa de vida do brasileiro era de 57 anos; atualmente, é de 75,5 anos.
— O fato de estarmos vivendo mais é uma conquista muito importante, mas os anos que ganhamos nem sempre são acompanhados de produtividade, de uma vida saudável, de uma vida feliz. Pelo contrário, em média, as pessoas passam os últimos anos com doenças crônicas, sérias, doenças tanto psiquiátricas como físicas que impactam profundamente a qualidade de vida — afirma o médico.
Um envelhecimento saudável, na opinião do geriatra e psiquiatra, passa por um processo de preparação, que inclui hábitos saudáveis, a construção de redes de amizade e a preservação de certo nível de independência e respeito à individualidade. Ele também alerta que é preciso estar atento às diferenças entre as características naturais da velhice e os sintomas de doenças.
Confira, abaixo, a entrevista completa.
Pioneiro: por que precisamos falar sobre a saúde mental da pessoa idosa?
Roberto Bigarella: o fato de estarmos vivendo mais é uma conquista muito importante, mas os anos que ganhamos nem sempre são acompanhados de produtividade. Pelo contrário, em média, as pessoas passam os últimos anos com doenças crônicas, sérias. E isso, claro, tem uma repercussão e exige uma resiliência muito grande, uma capacidade de adaptação muito grande do indivíduo que envelhece.
Existem desafios únicos durante essa fase da vida, como existem desafios únicos na infância, na adolescência, na idade adulta. E o envelhecer também tem as suas características próprias. Além disso, existe todo esse estigma que parece vergonhoso envelhecer. O velho é cada vez mais colocado à margem da produção, à margem da participação social, à margem nas famílias.
Envelhecer é uma tarefa bastante difícil e exige habilidade para não só sobreviver, mas viver bem.
Pioneiro: quais habilidades?
Bigarella: Cada um vai ter que buscar as soluções para as suas necessidades. Primeiro, é se preparar. Porque passamos, muitas vezes, ignorando que se tivermos sorte, vamos envelhecer. Porque o único caminho alternativo é morrer antes de envelhecer.
Então a gente tem que se preparar agora mesmo, com economias, guardando dinheiro para poder ter uma autonomia financeira, não dependendo de outras pessoas. Nos preparando também em relação a formar redes de amizade com outras pessoas além dos filhos e netos. Além disso, se preparar fisicamente e ter hábitos saudáveis, com uma boa rotina de exercícios e alimentação.
Manter um certo nível de independência e respeito pela nossa individualidade: nem sim para tudo e nem não para nada.
Em um dos seus vídeos do Instagram, o senhor fala que um dos problemas das doenças mentais em idosos é a falta de reconhecimento da enfermidade. Por quê?
Bigarella: muitas das mudanças que acontecem no envelhecimento são normais, são características, e outras não. As próprias doenças mentais, no envelhecimento, têm as características particulares.
A depressão, por exemplo, muitas vezes, acontece silenciosamente. A pessoa não se queixa tanto de tristeza. Pode se queixar mais de dores físicas: na cabeça, nas costas, na lombar. Um pouco de cansaço. Há falta de apetite e de sono.
Então, às vezes, a própria pessoa não consegue reconhecer isso nela mesma. E o profissional para quem ela se apresenta também tem dificuldade de reconhecer. Primeiro, porque ela não diz de forma tão clara. E segundo, porque o médico também tem os seus conceitos e preconceitos e ideias em relação à velhice, achando que é normal o paciente ficar mais ranzinza, mais quieto, mais tempo deitado e participando menos das coisas.
Outra coisa que é diferente é a função cognitiva. O idoso deprimido pode ficar confuso em relação ao tempo, ao espaço, e isso não quer dizer que ele esteja com uma demência, por exemplo.
Qual é o transtorno mental mais comum em idosos?
Bigarella: depende do grupo. Os idosos são um grupo muito heterogêneo. Com o idoso mais jovem, é mais angústia, a ansiedade, a depressão. Com o idoso mais velho, aí a demência se torna mais prevalente.
Em outro vídeo o senhor fala sobre o Alzheimer e a demência. Qual a diferença?
Bigarella: o Alzheimer é um tipo de demência. Existem várias demências, várias causas de demência e o Alzheimer é uma delas. É a causa mais prevalente, mais comum. Mas o que é uma demência? É uma perda de funções cognitivas. Especialmente a memória, no caso do Alzheimer, é uma perda progressiva, irreversível, que tem fases diferentes. São sempre fases que vão se sobrepondo, não há melhora depois que a doença se instala.
A demência envolve perda de memória, de linguagem, de orientação, de capacidade das funções executivas, de saber como realizar as tarefas.
E, por fim, qual o papel da família e dos amigos no processo de envelhecimento de uma pessoa, levando-se em consideração que a socialização é um fator importante para que as pessoas envelheçam bem?
Bigarella: o papel dos amigos e da família deve ser o de não discriminar, de não tratar com alguém especial no sentido de infantilizar, de não tratar como alguém incapaz. É uma balança de autonomia e segurança.
Para as pessoas que querem ajudar o seu familiar, o seu amigo, que está envelhecendo, aconselho tratá-los com respeito, com dignidade, como um igual e procurar inclui-los nas coisas.
E envelhecer pode, sim, trazer muitos ganhos. Tendo um pouco de cuidados, de sorte e bons amigos, pode ser uma fase muito mais produtiva emocionalmente e feliz do que na própria juventude.