Conhecido por ser um dos maiores autores regionalistas do Rio Grande do Sul, com obras como Contos Gauchescos e Lendas do Sul, Simões Lopes Neto (1865 - 1916) também foi empreendedor. Se vivo estivesse, quem sabe ele seria do tipo que compartilha suas experiências no Linkedin ("O que a Salamanca do Jarau pode ensinar sobre marketing"). Afinal, não foram poucas empreitadas. Um desses lados do escritor pode ser visto na exposição Simões & Cia.: Os 120 anos do Cigarro Marca Diabo.
A mostra entrou em cartaz na Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul (Riachuelo, 1.190) nesta terça-feira (27), podendo ser visitada gratuitamente de segunda a sexta, das 10h às 17h, até o dia 27 de agosto. Visitas guiadas podem ser agendadas pelo e-mail agendamento.bpe@gmail.com ou pelos telefones (51) 3224-5045 e (51) 3225-9426, além do WhatsApp: (51) 985949135.
A exposição também integra a programação comemorativa aos 150 anos da biblioteca, festejados em abril. Com curadoria de Cláudia Antunes, o projeto aborda a empreitada de Simões como fabricante de cigarros, em especial, do que ficou conhecido como "Marca Diabo".
Há dois ambientes na mostra: no primeiro, há uma instalação que simula uma tabacaria do século 19, com reproduções de artigos de fumo e cigarros do Rio Grande do Sul daquele período. Para elaborar essa montagem, Cláudia fez uma extensa pesquisa sobre marcas de cigarros da época existentes em Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas.
— Como a biblioteca fez 150 anos em 2021, o prédio preserva características similares à época de Simões. O piso é semelhante, além do mobiliário — pontua a curadora.
Nessa instalação, é projetado o curta-documentário Diavolus Registrada: 120 anos da "Marca Diabo" de Simões Lopes Neto, de Emerson Ferreira — também responsável pelo design da exposição. Com a estética de cinema mudo, o vídeo traz registros de jornais, fábricas de cigarro e cenas de Pelotas (cidade onde vivia Simões) de antigamente.
No segundo ambiente, a história da empreitada de Simões no setor é contada por meio de documentos. Também há vitrines com as fontes originais dos artigos de cigarros, pertencentes a colecionadores particulares e aos acervos do Museu Julio de Castilhos e do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
— O trabalho gráfico das embalagens da época era muito legal, era feito por artistas. São imagens belíssimas — destaca Cláudia.
Marca Diabo
Na segunda-feira (26), completou-se 120 anos do primeiro anúncio na imprensa pelotense da venda dos cigarros Diavolus, da fábrica de fumo Simões & Cia, que ganharia o apelido de "diabo". O produto trazia estampada a figura de um diabinho, uma forma irreverente de contrastar com as marcas concorrentes de Pelotas na época, que levavam nomes sacros — Santa Bárbara, São Rafael e Santa Cruz.
A fábrica de Simões produzia os cigarros União Gaúcha, General Osório, Dr. Berchon, Clube Caixeiral, Macanudos, Coió e Mirim. Sua propaganda era espirituosa: chegava a aconselhar os fumantes a levarem o "diabo no bolso". Contudo, a Marca Diabo não agradou à Igreja Católica.
A empreitada de Simões como empresário tabagista durou apenas cinco anos. Sua marca de cigarro chegou a participar de diversas exposições nacionais e estrangeiras. Após o Diavolus sair de circulação, o estoque de tabaco foi utilizado para desenvolver o carrapaticida Tabacina, que duraria até 1912.
— Não era um produto ruim, apesar de usarmos esse termo ("marca diabo") para se referir a algo de baixa qualidade. Simões era muito marqueteiro: colocava cupons nos cigarros para as pessoas concorrerem a brindes, promovia concursos. Ele queria associar o produto à sorte. Nessa época, não se sabia que o cigarro fazia mal — explica Cláudia.
Além da aventura na indústria tabagista, Simões acumulou funções ao longo de sua vida: foi jornalista, tabelião e professor, escreveu para teatro, teve vidraria e destilaria, entre outras atividades. Cláudia ressalta que ele só seria escritor no final da vida — seu primeiro livro, Cancioneiro Guasca, foi publicado em 1910. Portanto, a exposição serve como uma oportunidade de trazer ao público outra nuance de Simões.
— Ele era muito ousado e criativo. Estava sempre ligado no que acontecia na Europa e nos grandes centros urbanos e levava para Pelotas. Tem esse outro lado urbano dele, que também é importante — aponta a curadora.