A "tolerância zero" declarada pelo prefeito de São Paulo, João Doria, a pichadores e grafiteiros gerou críticas na imprensa e nas redes sociais. A repercussão negativa foi tão barulhenta que o secretário da Cultura da capital paulista, André Sturm, afirmou que pode promover um festival de grafite na Avenida 23 de maio – a mesma que Dória ajudou a pintar de cinza como parte do projeto Cidade Linda. A situação serve para que outras cidades também reflitam sobre a relação entre poder público e arte de rua. E em Porto Alegre, como está o diálogo?
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A produtora Paula Stuczynski, da ONG Trocando Ideia, que realiza ações voltadas à cultura hip-hop e ao desenvolvimento social, avalia que a capital gaúcha tem se tornado mais receptiva em relação às intervenções urbanas:
– Alguns governos passados, como a gestão do Olívio Dutra na prefeitura, começaram a promover a arte urbana como expressão artística. A cidade está se tornando mais arejada, compreendendo mais o grafite como expressão de arte, como galerias a céu aberto, como arte espontânea, instantânea e efêmera. Mas Porto Alegre alterna momentos de maior apoio com outros de rechaço.
Em 2014, a Trocando Ideia foi uma das organizações que ajudou a promover na Capital o encontro Meeting of Styles (MOS), que costuma reunir desde 1999 grafiteiros de diferentes países para ações de pintura ao redor do mundo. O local escolhido em Porto Alegre foi o Túnel da Conceição, no sentido Osvaldo Aranha – rodoviária. O evento teve apoio da Secretaria da Juventude de Porto Alegre.
– Porto Alegre dá reconhecimento para o movimento hip-hop, mas é importante dizer que o espaço é restrito para a cultura em geral atualmente. Não é difícil apenas para o grafiteiro. Se você tentar montar uma peça de teatro no RS, também vai apanhar muito – pondera Paula.
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Além do Túnel da Conceição, a produtora aponta outros pontos da cidade que valem uma mirada mais atenciosa de quem passa. Quem quiser ver o que a arte de rua pode fazer pela Capital pode conferir grafite no Muro da Mauá; no Terminal Triângulo, na Avenida Assis Brasil; e em um prédio de sete andares na Rua Marechal Floriano, próximo à Galeria do Rosário.
O artista visual Jotapê Pax foi um dos responsáveis pela pintura da construção na Marechal Floriano. Para ele, ações como a de Dória são equivocadas:
– São Paulo é reconhecida internacionalmente pela arte urbana. Gente de todo o mundo, curadores, donos de galeria passam por lá, por ser uma cidade de referência. É um equívoco do Dória realizar uma ação como essa sem o devido diálogo. Muita gente vê a intervenção do grafite de modo positivo, para restaurar ou dar vida para fachadas ou laterais cegas, que muitas vezes as pessoas esquecem de tratar com o devido cuidado quando projetam um imóvel.
Luciano Alabarse, secretário de Cultura de Porto Alegre, também vê como desastrosa a falta de diálogo da decisão do prefeito paulistano:
– Essa é uma questão que não será solucionada por uma canetada só. É preciso conversar, ouvir artistas e população. Lembro como era o Túnel da Conceição antes de ser grafitado e prefiro como ele está agora. Mas faço uma distinção entre o que é grafite, com valor artístico, e o que é pichação. O que há no túnel é grafite. Sou a favor da preservação desse tipo de trabalho, como sempre sou a favor da preservação do trabalho de qualquer artista.
Já Paula Stuczynski acredita que a distinção entre grafite e pichação é problemática:
– A questão mais delicada é sempre o posicionamento de colocar a pichação de um lado e o grafite de outro. Uma coisa vem da outra. Um gera o outro. Além disso, em Porto Alegre, se o trabalho não tem autorização, é considerado pichação, independente da qualidade da obra.
Para e repara
Confira algumas das principais intervenções urbanas de Porto Alegre:
-Rua Marechal Floriano, próximo à Galeria do Rosário: prédio de sete andares foi grafitado pelo estúdio PaxArt.
-Loureiro da Silva, próximo à Lima e Silva: laterais de três prédio também foram pintadas pelo PaxArt.
-Rua da República, 801: muro em torno do Pão dos Pobres é desde o final dos anos 1990 espaço para a arte de rua.
-Muro da Mauá: assim como o muro do Pão dos Pobres, já passou por diferentes intervenções desde os anos 1990.
- Túnel da Conceição: em 2014, o túnel foi pintado nos dois sentidos. A saída para quem vai à rodoviária foi trabalhada por mais de 60 artistas, no encontro internacional Meeting of Styles. Já a via oposta foi grafitada pelo Núcleo Urbanoide. As duas ações tiveram apoio da Prefeitura.
- Triangulo da Assis Brasil: é uma das intervenções mais recentes, com grafiteiros de diferentes estilos.