Fonte: Porto Alegre – Guia Histórico, de Sérgio da Costa Franco. Quantas vezes os leitores dessa coluna tiveram a oportunidade de ler, ao final das colunas publicadas, esse crédito? Muitas, muitas mesmo. Tantas foram as ocasiões em que me vali do trabalho desse incansável pesquisador da história da nossa Capital, que sempre que eu o encontrava, brincava: “Sérgio, se eu tivesse caráter, eu devia depositar na tua conta bancária pelo menos a metade do que eu ganho para fazer o Almanaque Gaúcho”, seguido e contemplado pelo sorriso cordial e generoso desse homem singular.
Algumas vezes, recebi bilhetes manuscritos, com observações ou esclarecimentos sobre alguma matéria publicada. Sempre gentis e humildes. Tenho um guardado que me comoveu e indignou. Ele relatava que encontrava muitas dificuldades para lançar uma nova edição do seu livro (certamente o mais vendido, com pelo menos quatro edições esgotadas), em que gostaria de revisar e ampliar o precioso conteúdo.
Eu pensava: como pode um cara como esse enfrentar adversidades para agregar conhecimento, que só ele tinha a paciência e a determinação de garimpar em arquivos, colocando à disposição do público com um altruísmo único? Só mesmo num país que despreza a cultura e a sua própria história para isso acontecer. Sérgio deveria ser procurado em casa por instituições, algum mecenas ou quem quer que fosse e que tivesse a compreensão da dimensão do trabalho que realizava. Quem fará algo parecido agora que ele morreu?
Nas visitas que fiz na Fototeca Sioma Breitman, do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, em busca de fotografias antigas da nossa cidade para ilustrar o Almanaque, sempre me ocorria a ideia de “casar” as imagens arcaicas com os verbetes do Guia Histórico. No livro (de 440 páginas) até estão estampadas algumas fotos avulsas, importantes. Mas uma edição compacta, com alguns verbetes, mais visual, com boa impressão em papel de qualidade, seria uma obra linda. Como ainda não foi feita? Que baita presente para essa cidade de 250 anos um livro assim representaria. E se fosse uma espécie de dicionário digital com os verbetes de cada rua ilustrados pelas fotos antigas, que pudesse ser consultado a partir de um campo de busca? Puro sonho...
Em 2018, graças à Editora Edigal e aos esforços do dedicado Ivo Almansa, finalmente, saiu a quinta edição, revista e ampliada do Porto Alegre – Guia Histórico. Só mesmo o teimoso e resistente Ivo, que publicou também outros títulos do Sérgio, como Júlio de Castilhos e sua Época, Califórnias de Chico Pedro, Revolução de 93, A velha Porto Alegre, entre outros.
Nunca Porto Alegre conseguirá saldar a dívida que tem com esse cara nascido em Jaguarão, mas que adotou a Capital como objeto de veneração amorosa e tema constante de sua obstinada pesquisa. Talvez sejamos menos ingratos e dediquemos a Sérgio da Costa Franco algum nome de rua, praça, museu ou qualquer templo voltado à memória e à história. Mesmo assim, será pouco.
Já bastante debilitado, Sérgio recebeu a visita da querida Denise, da Livraria Erico Verissimo, que lhe perguntou como estava. Nosso historiador maior respondeu: “Esperando por ‘Ela’”...
Desgraçadamente para nós, que ficamos, “Ela” chegou. Perdemos uma bússola que apontava para o passado. Nos fará muita falta.