Não é difícil perceber que, hoje, os jovens (pelo menos uma grande parcela deles) pouco ligam para os automóveis; dirigir um deles representa mais uma obrigação, uma necessidade, do que um prazer. Com as cidades atravancadas, o trânsito congestionado nos grandes centros, a poluição provocada pelos veículos, o alto preço dos combustíveis e as dificuldades para estacionar, é possível entender que, agora, ter um carro é conseguir um ou mais problemas, além dos inevitáveis.
Mas nem sempre foi assim. Houve uma época em que ser dono de um automóvel, qualquer um deles, era sinônimo de liberdade, de aventura, de usufruir a pleno o direito de ir e vir. Quando eu era garoto, entrando na fase adulta, o meu maior sonho era tirar uma carteira de motorista. Não por acaso, a minha primeira habilitação tem a data de 25 de julho de 1969, quatro dias depois que fiz 18 anos. Casualmente, é o Dia do Motorista.
Bem antes disso, eu já cogitava comprar meu carro. Aluno do curso de Máquinas & Motores, da Escola Técnica Parobé, junto ao colega Luiz Carlos Barbedo colocamos nossos olhos e nossa expectativa num velho calhambeque que jazia estacionado diante de uma quitanda da Rua Cel. Genuíno, ostentando no para-brisa um cartaz de “vende-se”. O preço estava acessível e, incrivelmente, funcionava. Tratava-se de um DKW, modelo 1937, que o paciente quitandeiro “fazia pegar” cada vez que lá aparecíamos demonstrando nosso interesse. Estudantes de turno integral, sem emprego ou renda, passamos a usar as poucas horas vagas para conseguir dinheiro. Vendíamos jornais velhos, garrafas, lavávamos carros de vizinhos, fazíamos serviços de pintura, limpeza de pátios... o que pintasse.
Meu pai, preocupado com o esforço extra e com a possibilidade de eu ter um carro sem ter habilitação, me aplicou um golpe de mestre. Encontrou um carro igual, porém, com problemas mecânicos e sem funcionar, e me deu de presente. Certamente, o melhor presente que ganhei em toda a minha vida. Sem que eu soubesse de nada, comprou e rebocou a geringonça para um sítio de um tio, onde, num domingo, abriu a porta do celeiro para meu deslumbramento. A distância dificultava o trabalho de reforma do carrinho. Generosamente, meu pai acabou abrindo mão da garagem da nossa casa, no centro da Capital, para que eu a transformasse no meu “box”. Pretensioso, pintei na porta “Team Kadão”.
Depois de muito tempo e dedicação, eu e meus parceiros colocamos o carro para rodar. Grande momento! Legalizado e emplacado ele nunca foi. Os impostos atrasados extrapolavam o valor do veículo. Mas, quando mudamos do Centro para a Vila Conceição, na Zona Sul, o carro foi... andando. Uma viagem de 14 quilômetros – a mais longa que fiz no meu querido DKW 1937.
Muitos anos depois, tive uma recaída. Em 1992, comprei um Renault/Gordini 1966. Estava meio caidinho. Desmanchei o carro inteirinho e, depois de 15 anos de reforma e garimpagem de peças até em Montevidéu, no Uruguai, ele ficou como zero-quilômetro. Quando mudei para um apartamento, por falta de vaga de garagem, vendi num leilão de carros antigos. Ainda sinto saudade.