Todos sabemos da importância que a indústria saladeira representou, especialmente no século 19, para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul. Em 1820, Pelotas tinha 22 charqueadas e, em 1873, eram 38. A abolição da escravatura (1888) e a chegada da refrigeração, no início do século 20, foram as principais causas do encerramento do ciclo do charque. Em 1918, naquela cidade do sul riograndense, havia apenas cinco estabelecimentos produtores de carne salgada.
O que pouca gente sabe (eu, pelo menos, não sabia, até encontrar a reportagem feita por Juvenal Passos para a Revista do Globo, de 8 de fevereiro de 1946) é que o nosso Estado também produziu, embora em pequena escala, peixe seco, que, segundo a matéria, em sua maioria, era destinado aos Estados do Norte. Provavelmente, pela abundância da carne de gado, os gaúchos nunca foram grandes consumidores de pescado. O repórter afirma que “o aproveitamento que fazemos do nosso peixe é ridículo. Temos infinitas possibilidades e, no entanto, não nos mexemos. Cruzamos os braços. Contentamo-nos com sardinhas enlatadas(...)”.
Então, o tipo de peixe mais abundante, pelo menos em determinada época, era o bagre e, portanto, era ele o utilizado para a elaboração do charque de peixe, o chamado peixe seco. A indústria, se é que dá para chamar assim, processava o resultado da pesca no Guaíba e na Lagoa dos Patos (Tapes, Barra do Ribeiro, Itapuã e Ilha da Pintada) de maneira totalmente rudimentar. Não possuía instalações, tudo era feito ao ar livre. Um toldo, um cepo, machadinhas, sal e, assim, 20 toneladas de bagre eram salgadas e encaixotadas entre os meses de dezembro e fevereiro.
Além da carne, também era aproveitado o óleo, utilizado para amaciar o couro em curtumes ou para uso veterinário em medicamentos. As espinhas eram destinadas à fabricação de adubo. Como a atividade era sazonal, para os trabalhadores era uma espécie de bico. Podemos dizer, ainda, que, embora a indústria alimentícia fosse de grandes possibilidades, a pesca e salga do nosso bagre se realizava em condições bastante precárias.
O jornalista conclui dizendo que “o conhecido bagre substitui entre nós, de maneira passável, o hoje inacessível bacalhau português ou escandinavo”.