Você pode até achar que, pelo fato de eu ser escritora de viagem experimentada, entrar no avião para mim é tão simples quanto escovar os dentes; afinal, seja um trajeto longo até a Ásia, a travessia do Atlântico ou um pulinho da minha casa, na Itália, a qualquer cidade na Europa, praticamente toda semana tenho que pegar um ou mais voos.
Infelizmente, porém, a frequência com que me dirijo ao aeroporto não me curou do meu medo visceral de voar. Ele vai e volta. É verdade que, quando não há acidentes nas manchetes dos jornais, e após uma série de voos tranquilos, sem turbulência, eu me sinto muito mais calma e as chances de ter pensamentos catastróficos são bem menores.
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Entretanto, logo após tragédias como o acidente com o avião da Germanwings, em março de 2015, o desaparecimento da aeronave da Malaysia Airlines no ano anterior, ou o voo da Air France que saiu do Rio de Janeiro para cair no Oceano Atlântico, em 2009, eu fico em alerta máximo. Entro no avião embora não quisesse fazê-lo.
Tenho alguns recursos para lidar com a situação. Eu me permito ficar hipervigilante só em certos momentos – até alcançarmos a altitude de cruzeiro, por exemplo. Bebo um ou dois copos de vinho; tento meditar (alterno entre um aplicativo chamado Meditation Made Simple, criado por Russell Simmons, o empresário de hip-hop e fã da ioga, e o Headspace, que mostra como a atenção plena (mindfulness) e a meditação podem ajudar a controlar o medo de voar.
E na maioria dos voos, quando a turbulência fica feia a ponto de deixar os nós dos meus dedos brancos, peço a pessoas totalmente estranhas que segurem a minha mão. Quando meu marido ou meu filho não estavam comigo, já contei, entre outros, com a ajuda de um jogador de basquete de Siena, uma freira a caminho do Vaticano, um fazendeiro equatoriano que não falava inglês e um estudante francês de 18 anos cuja mãe sofre do mesmo mal (e que ficaria orgulhosa da natureza empática do rapaz). É o que me ajuda a suportar os trancos, embora eu saiba bem que dar a mão úmida a alguém não é uma a estratégia ideal.
Por isso fiquei curiosa para saber mais sobre o aplicativo lançado em 2015, que quer provar cientificamente como é segura a viagem de avião. Chamado "Am I Going Down?" ("Eu vou cair?"), (sem dúvida, um toque de humor meio sádico), o software custa US$ 2,99 e indica as chances estatísticas de algo catastrófico acontecer a bordo, com base no modelo do avião, a companhia aérea e os aeroportos de partida e chegada (que você acessa de uma tela de tons calmantes em verde e amarelo).
– Uma vez, minha mulher pegou um voo para a Austrália terrivelmente turbulento e, a partir daí, ficou com medo de voar. E foi piorando a tal ponto que não dava mais para ir a lugar nenhum. Passamos a pegar trens mesmo para ir para a Itália e para a Espanha, ou seja, de Londres era um tempo enorme que gastávamos – explica Nic Johns, o londrino que desenvolveu a ferramenta.
Johns se propôs a oferecer à mulher, e a outras pessoas que sofrem do mesmo mal, conforto através de estatísticas concretas. Usando seu diploma em Matemática e Estatística, ele pesquisou e reuniu registros de segurança para chegar às suas porcentagens; no Reino Unido, usou os números da Agência de Acidentes Aéreos e Arquivos; nos EUA, do Conselho Nacional de Segurança no Transporte.
– Reuni todos os dados de todos os acidentes que estavam disponíveis e, mais importante, todos os voos seguros. Inseri no aplicativo os dados e as chances de haver uma fatalidade. Na maioria dos casos, em um voo normal, é de uma em cinco milhões ou uma em dez milhões; isso tende a acalmar as pessoas.
A aplicação da tecnologia para ajudar a lidar com o medo de voar faz parte de uma tendência que só faz aumentar, seja com aplicativos como o Turbcast, que explica e prevê turbulências na rota em que se está viajando, ou através do Flightradar24, que mostra um mapa dos voos que estão acontecendo no momento (a visão do número de aeronaves no céu ao mesmo tempo, chegando sãs e salvas no destino, põe em contexto a natureza rotineira da viagem aérea e tranquiliza muita gente como eu). A um custo de US$ 0,99 cada, ter um arsenal no iPhone parece até um bom negócio.
O fundador do site e do programa Fear of Flying (Medo de Voar), realizado em terra, o capitão Tom Bunn, ex-piloto da Força Aérea e das companhias United Airlines e Pan Am, oferece suas técnicas em um aplicativo chamado SOAR, sigla (em inglês) para Seminários para Alívio da Aeroansiedade. É resultado da "terapia" que oferece por telefone a passageiros nervosos para prepará-los antes da viagem e também a bordo (pessoalmente ou por telefone, a terapia sai por US$ 199; alguns recursos são gratuitos).
O aplicativo grátis oferece explicações para aspectos básicos da aviação, como decolagem e aterrissagem e uma ferramenta para medir a força G durante a turbulência, que mostra aos passageiros que o avião é perfeitamente capaz de aguentar qualquer solavanco, que é o momento particularmente difícil para o passageiro assustado. A abordagem do capitão, porém, combina tecnologia com interação pessoal.
– A maioria se sente muito melhor depois de conhecer de perto a pessoa responsável pelo avião – explica ele a respeito da carta que oferece no aplicativo e no curso, que pede ao capitão que fará o voo que se encontre com os passageiros mais ansiosos.
Logo depois de falar com Johns e Bunn, tive a chance de testar se seus aplicativos, e outros, eram mesmo úteis. No voo da Itália para a Inglaterra, usei o "Eu vou cair?" e, para ser sincera, ele fez meu nível de ansiedade disparar porque senti que, de alguma maneira, estava dando sopa para o azar até ao checar o fato de que estava em um Airbus A380 da Ryan que ia de Perugia para o aeroporto Standsted, em Londres.
Entretanto, a porcentagem que recebi estava definitivamente ao meu favor: uma chance em cinco milhões de haver um acidente. E a estatística que acompanhava os dados era ainda mais reconfortante: eu poderia voar naquela rota uma vez por dia, durante 14 mil anos, em segurança! Os solavancos começaram a parecer menos catastróficos. Soltei um pouco o descanso de braço.
Por Ondine Cohane