As crianças estavam agitadas como o esperado para um calor abafado de 31º C, mas o mágico as entretinha com delicadeza. De cima do palco, Bruno Mariotti, 20 anos, apresentou uma miniguilhotina diferente, incapaz de cortar qualquer objeto. Para provar a singularidade do instrumento, pegou uma cenoura, inseriu em um buraco e anunciou:
– Ela vai sair ilesa.
Quando desceu a lâmina, um terço do legume caiu, diante da incompreensão dos pequenos, que se sentiram enganados. O mágico, então, chamou uma mãe da audiência, colocou a mão dela no buraco e avisou:
– Vamos testar nela, então!
– Mãe, ele vai cortar o braço dela – disse Douglas Silva, sete anos, escondendo o rosto com as mãos.
O mágico desceu a lâmina rapidamente, em um ato cortado por dezenas de gritos infantis. Mas o braço da mulher ficou no lugar, sem qualquer arranhão. O público gritou um "ufa" aliviado: no fim, tudo saiu com deveria ser, a guilhotina que não funciona seguiu sem funcionar.
O show de entretenimento fez parte da programação da 17ª Feira do Livro de Verão de Tramandaí, que vai até domingo (20), na Praça da Tainha, centro da cidade. É uma das estratégias da prefeitura para atrair às 10 bancas de livro um público talvez pouco apreciador de literatura.
– É bom ter esse tipo de atividade para as crianças passearem. Senão, é só celular e videogame – diz Gilvane Silva, 30 anos, a mãe do garoto que temia pela perda do braço da mulher no show de mágica.
Atração para o público
As bancas oferecem obras dos mais variados gêneros: infantojuvenil, ficção, autoajuda, esoterismo, história, gastronomia. Cada livreiro se esforça diariamente para promover a literatura longe da Capital, em meio a um cenário no qual gigantes do mercado pedem socorro judicial para escapar da falência em um país pouco afeito à leitura.
Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Ibope e divulgada em 2016, 44% dos brasileiros não leem e 30% jamais compraram um livro. A leitura é só o 10º passatempo favorito das pessoas, atrás de assistir televisão, ouvir música, usar redes sociais, sair com amigos, entre outras atividades.
Presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, Isatir Botin Filho diz que feiras no Interior são essenciais para estimular o gosto pelo livro.
– O Rio Grande do Sul é o Estado que mais tem feiras do livro do país, mas os índices de leitura brasileiros estão longe de países desenvolvidos. O livro, quanto mais exposto estiver, mais a gente melhora os índices de leitura. As pessoas, às vezes, compram por impulso e se tornam leitoras desta forma. O livro precisa ter acesso fácil e estar no caminho das pessoas. Feiras no interior são importantes para espalhar esse desejo. Trazer shows de outros assuntos pode ser bom para atrair outro público – avalia.
O que faz sucesso com o público
Os livreiros expondo em Tramandaí, acostumados a rodar o Rio Grande do Sul em feiras municipais, são um dos últimos elos – os mais frágeis – da cadeia do livro, afetada pelo surgimento do leitor de livros digitais Kindle, pelo uso do celular, pela carga de impostos, pelo desinteresse na leitura. À reportagem, destacam a dificuldade de vender livro para adultos – que reclamam do preço – e jovens – ocupados com redes sociais e videogames.
O movimento na feira de Tramandaí, relatam, ainda estava tímido, com vários transeuntes, mas poucos compradores. Talvez no fim de semana, com maior movimento de praia, a situação melhore. Duas bancas eram operadas pelo casal de livreiros Daiane Beza, 37 anos, e Rafael Santos, 36, moradores de Canoas. Por ali e em outras, o livro com mais saída era de autoajuda: A Sutil Arte de Ligar o Foda-se, de Mark Hanson.
– No verão, o público varia por semana. Em uma, o cliente está disposto a pagar R$ 60 por um livro. Na outra, pede para pagar metade do preço. O que sai bastante é livro de youtuber – diz Daiane que, apaixonada por livros e pelo então namorado livreiro, decidiu abandonar o emprego em telemarketing e embarcar nos mundo dos livros.
E foi esta justamente a compra da contadora Patrícia Nascimento, 39 anos, que chegou à feira a pedido do filho Pietro, nove, que a puxou após descer do ônibus. O garoto ganhou o livro Aventuras na Netoland com Luccas Neto. Antes, já havia ganhado um título de outro youtuber: Felipe Neto.
– Acho importante ter feira assim para incentivar a leitura – diz a mãe.
Na banca Noble Book, o livreiro Volmir Dias, 42, destaca o aumento da procura pelos livros do filósofo Olavo de Carvalho, um dos gurus do presidente Jair Bolsonaro:
– O pessoal viu o livro na mesa do Bolsonaro, vê o Olavo sendo citado e quer saber o que ele escreve.
– Temos que fomentar o desejo de ter um livro. E também é oportunidade para promover artistas e escritores locais – completa a secretária de Educação e Cultura de Tramandaí, Alvarina Ferri Gamba.
17ª Feira do Livro de Tramandaí
Onde: Praça da Tainha (Praça Leonel Pereira)
Quando: até domingo (20), das 17h às 21h