Repórter do Segundo Caderno, Gustavo não tem mais 14 anos, mas continua a acreditar
É verão de 1996. Sem nenhum aviso, Psylocke emerge de um lago, os braços cruzados atrás da cabeça e o olhar fixo em mim. Ela tem coxas monumentais e peitos que lutam pra sair de um maiô bizarríssimo. Os cabelos, roxos, pendem pelas costas, com fios soltos pelo rosto.
Gotas de água escorrem pelos seus cotovelos. Eu tenho 14 anos, e a vida é ótima. De repente, minha mãe pergunta se eu quero milho. Eu tenho 14 anos, e a vida é ruim. Eu não estou mais no lago com Psylocke.
Arte: Eduardo Uchôa
Estou sentado numa cadeira de plástico embaixo de uma árvore, pouco antes da faixa de areia de alguma praia escaldante do litoral norte de São Paulo, lutando para não ser comido pelos insetos e jurando vingança contra o sol que flamba, em fogo baixo, minha pele isenta de melanina. Respondo qualquer coisa - provavelmente "sim, com manteiga extra, por favor" - e volto a olhar para o gibi.
Psylocke ainda está lá, na mesma posição, esperando por mim. Comprei aquela revista mais pela belíssima capa metalizada do que pelo conteúdo - nunca fui fã dos X-Men, meu lance era o Batman -, então simplesmente não tenho motivo para virar a página e seguir adiante na história.
Passo horas intermináveis olhando aquele único quadrinho. Nada consegue desviar minha atenção de Psylocke saindo do lago. As garotas reluzentes de óleo bronzeador na barraca ao lado, estiradas languidamente em suas cangas coloridas? Por favor, elas não são nada perto de uma mutante mestre em artes marciais com poderes psicocinéticos!
Mas, como todo amor de verão, Psylocke não resistiu. Chegou a subir a serra de volta comigo e ganhou lugar de destaque na minha coleção de gibis. Tentei até fazer dela o meu personagem preferido no game X-Men: Children of the Atom, mas não deu muito certo: ela tinha belos movimentos, mas não era tão perfeita quanto estática, no papel.
Psylocke acabou indo para em alguma gaveta e, hoje, sabe-se lá onde deve estar. Mas no verão de 1996, rapaz...
Leia as outras crônicas da cobertura de verão
>>> Moisés Mendes: os argentinos que viraram brasileiros em Canasvieiras
>>> Paulo Germano: Eu, o mar e a coisa
>>> Marcos Piangers: o verão em que coloquei uma piscina na sala do meu apartamento
>>> Rosane Tremea: Bom Senso F.C. de verão
Veja mais notícias de verão no site especial