É diante de um mar nem sempre tão amistoso que, entre março e dezembro, um grupo de mulheres busca seu sustento em Imbé, no Litoral Norte. Ao nascer do dia, elas se postam na faixa de areia na companhia de seus tratores e redes de pesca. O trabalho é pesado e nem todos os dias rende o suficiente: além de peixes para a venda diária, precisam montar um estoque para a temporada de verão, quando não podem colocar as redes no mar.
Apesar das dificuldades, que incluem o machismo presente em uma atividade desenvolvida predominantemente por homens, não escondem o fascínio pela profissão e pela força da natureza. É como conta Marisa de Lourdes Ramos de Oliveira, 59 anos:
— Eu gosto de ficar de frente para o mar. Me dá uma paz tão grande quando eu chego lá. Às vezes pode estar aqui meio revoltado, chega lá e parece que aquilo te acalma. Sente uma paz interior muito grande, mesmo que seja trabalho, mesmo que seja difícil. É muito bom, é prazeroso estar lá. Para mim, pescar é tudo.
Natural de Joaçaba, em Santa Catarina, a pescadora e o marido moravam em Estância Velha, no interior do Estado. Em janeiro de 2017, o casal se mudou para o litoral gaúcho e começou a pescar por diversão — algo que já fazia esporadicamente em rios, com vara e molinete.
Há cerca de quatro anos, Marisa decidiu fazer da atividade sua profissão para complementar a renda da família, já que o marido é aposentado. O casal investiu na compra de um trator e de redes para a prática da chamada pesca de cabo. No município de Imbé, há 558 pescadores cadastrados, sendo 103 mulheres.
— Vamos de trator até a praia, com um reboque. Daí a gente coloca a rede de manhã e tira no fim da tarde. Então coloca de novo, volta e tira de manhã cedo. O trator ajuda a puxar. Na âncora fica uma corda que vem para fora até a beirinha do mar. Daí tem um tronco no chão, com outra corda que a gente engata naquela. Quando a gente vai tirar, amarra uma corda na outra e começa a puxar a rede para fora — explica Marisa, apontando para os equipamentos guardados no pátio de sua residência.
As redes da pescadora não vão para o mar desde a primeira quinzena de dezembro. Marisa esclarece que só poderão voltar a pescar em 15 de março — serão três meses longe da atividade em função do intenso movimento da temporada de veraneio. Para garantir a renda nesse período, a solução é intensificar a captura de peixes nos últimos dias de trabalho e congelar o que sobra para vender durante o verão.
No início da temporada, o casal tinha freezers cheios. Agora, já restam poucas unidades. De acordo com Marisa, a tainha e o pescado são os mais vendidos. O problema é que a quantidade de animais que consegue pegar por dia varia muito — às vezes, ocorre de pegar apenas três em uma rede.
Além dessa imprevisibilidade, a força da natureza pode ser um problema. Marisa já levou alguns sustos enquanto dirigia o trator, tentando tirar a pesada rede do mar. Apesar dos desafios, a pescadora garante que deseja seguir na atividade mesmo após a aposentadoria.
— Eu gosto, acho o máximo. Sinto muita falta quando a gente não pode pescar, não vejo a hora de chegar março. Não é tanto pelo que a gente pesca, mas pelo prazer de estar lá na beira da praia. É sofrido um pouquinho, porque é pesado, mas vale a pena. A maioria que pesca assim é homem, mas todas nós fazemos o mesmo trabalho que eles — destaca Marisa.
Tradição de família
Aos 29 anos, a gaúcha Carol Magnus Santos é categórica ao responder há quanto tempo exerce a profissão junto ao mar:
— Pesco desde que eu me conheço por gente, porque eu pescava com meu pai, já é de família. Do meu bisavô para o meu avô, para o meu pai e eu herdei. É o sustento da minha família, o ganha pão, e eu amo o que eu faço.
Há cerca de um ano, a dona do trator rosa que chama a atenção na beira da praia precisou se afastar da atividade devido a um câncer de rim. Passou por uma cirurgia para a retirada de um dos órgãos e, agora, anseia pelo momento em que poderá retomar a pescaria. A expectativa é que esteja de volta ao trabalho em março ou abril.
Carol relata que, além de afetar a renda familiar, o problema de saúde lhe tirou do contato com o seu “calmante”.
— Quase entrei em depressão, porque a praia, para mim, é minha vida. Se dá um estresse, eu vou lá, boto a minha rede, olho o mar, o nascer do sol. É maravilhoso. Como eu tive que parar, eu perdi meu chão, mas pretendo voltar logo, porque é tudo muito bom. O mar é o nosso calmante — ressalta a jovem.
Dentre as melhores coisas da profissão, Carol cita a imprevisibilidade do mar e os comentários de admiração que recebe de quem a vê pescando. É comum, por exemplo, que as pessoas se surpreendam e achem legal o fato de uma mulher tão jovem exercer essa atividade — em sua família, ela é a única que quis seguir os passos do pai e do avô.
"Meu lugar é aqui pescando"
A pescadora lamenta, entretanto, o machismo existente entre os colegas de profissão. Relata, inclusive, que já foi ofendida e sofreu ameaças enquanto trabalhava. Também já cortaram seu cabo para que perdesse a rede no mar.
— Esse rapaz que me ameaçou, o que mais me tocou foram as palavras dele, me rebaixando, falando horrores, que meu lugar era na cozinha, lavando louça, que meu lugar era em casa, estendendo roupa. Mas cara, meu lugar é aqui pescando, eu tenho direito também. Então, o pessoal não respeita nem um pouquinho, mas a gente não desiste. A gente continua lá, firme e forte — enfatiza, acrescentando que o trabalho garante o sustento da filha, de nove anos.