Ingrid Luciana Franetta Emmer, 85 anos, tem uma história de vida impressionante. Trata-se de uma sobrevivente da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Como se não bastasse, a moradora de Torres, no Litoral Norte, ainda preserva relíquias em papel pertencentes a sua cunhada Maria Luiza Haussler, vítima de um crime de feminicídio em 1940.
Na época, a então estudante foi morta por um pretendente a namorado e teve o corpo desovado na Lagoa dos Barros, entre Santo Antônio da Patrulha e Osório.
Desse trágico caso verídico surgiu a lenda da Noiva da Lagoa dos Barros, em que uma mulher com traje de casamento supostamente apareceria às margens da freeway, especialmente para os caminhoneiros. Ingrid casou-se com o irmão de Maria Luiza Haussler, chamada carinhosamente por familiares e amigos como Lisinka.
A vida aproximou Ingrid da família Haussler quando ela vivia no Rio de Janeiro e trabalhava como secretária da presidência da Siemens do Brasil. Ela e Ernesto Haussler, único irmão de Lisinka, se conheceram em 1962, casaram-se e tiveram dois filhos, vivendo em São Paulo e em Porto Alegre.
— Ele nem falava tanto (na morte de sua irmã). Quem falava era a mãe dele (Érika Haussler). Não passava um dia sem que ela enviasse uma carta para saber como estava o filho. O que ela não podia fazer mais pela filha, fazia para o filho. Chegou um ponto que eu não aguentava mais, porque ele ficou dependente dessas cartas. Depois de um tempo, nós nos separamos — detalha Ingrid.
Porém, ela voltaria a morar por mais sete anos com o ex-marido, já falecido, para ajudá-lo quando ele lutava contra a doença de Alzheimer.
Ela (Maria Luiza Haussler, morta em 1940) nunca foi e não quis ser namorada dele (Heinz Werner João Schmeling, autor do crime)
INGRID LUCIANA FRANETTA EMMER
Cunhada de Maria Luiza, a Lisinka
Lembranças preservadas
Foi Ingrid quem ficou com os pertences da irmã de Ernesto, a quem não conheceu. Tratam-se de dois cadernos de Lisinka, um com desenhos feitos pela adolescente e outro com mensagens escritas em alemão por amigos, inclusive uma poesia de 12 de agosto de 1938 redigida por Heinz Werner João Schmeling, que seria o responsável por tirar sua vida dois anos mais tarde.
Confira, abaixo, o que o jovem escreveu para ela. A tradução foi realizada pela escritora Helena Seger, de Nova Petrópolis:
"Não julgue o valor de uma pessoa após (apenas) uma breve hora
Em cima, as ondas estão agitadas, mas a pérola repousa no fundo!
Em cordial lembrança ao seu amigo/namorado
Heinz Schmeling"
O caderno de desenho com capa marrom traz como primeira data o dia 19 de maio de 1937. Há alguns desenhos e outras páginas em branco. Já o com as cartas escritas, de capa de tecido e várias cores, exibe como data de abertura 19 de maio de 1938. Neste é possível ver várias mensagens de amigos da adolescente e páginas em branco. Em ambos, ela assinava o próprio nome como Lisinka Haussler.
— A história dela é muito bonita. Ela sempre gostou de desenhar e pintar. Um dia teve um baile e esse rapaz que a matou era muito conhecido da família no bairro Moinhos de Vento. Um tio levou as primas e filhas no baile e ele (Heinz Werner João Schmeling) pediu para sair com a Lisinka. Ele queria namorar com ela, mas ela não. Ela queria estudar. Quando ele levou ela, matou e jogou o corpo na lagoa — relata.
E Ingrid traz um dado novo para a história desse crime ocorrido há 85 anos. Os dois não teriam sido namorados como fora divulgado na época.
— Ela nunca foi e não quis ser namorada dele — assegura.
Questionada sobre o que pensa dos relatos sobre as supostas aparições da noiva da Lagoa dos Barros, Ingrid compartilha sua opinião:
— A crendice é do povo. Pode até ser, eu nunca vi. Pode ser que a pessoa que tenha uma crença veja na sua imaginação. Mas dizem que ela aparece muito. Ela aparece porque foi morta.
Uma vida impressionante
Nascida em Mährisch Schönberg, na atual República Tcheca, em 17 de janeiro de 1940, Ingrid foi com a família para Freiburg im Breisgau, na Alemanha, com apenas dois anos. Ela se considera cidadã alemã.
Trata-se de uma sobrevivente da Segunda Guerra Mundial. Seu pai era piloto da Luftwaffe e participou dos combates. Foi detido pelos soviéticos e permaneceu preso por dois anos.
Após a derrota dos alemães e o fim do conflito, a família de Ingrid partiu em 1947 do porto de Hamburgo no navio norte-americano da Marinha General Stuart Heintzelman. Vieram na embarcação ela, os pais (sendo que a mãe estava grávida) e mais quatro irmãs. Foram 14 dias de viagem no mar até o desembarque no Brasil, em 16 de junho de 1947.
Dos tempos de guerra, ela relata que passou fome e, mesmo sendo apenas uma criança, testemunhou muitas pessoas mortas. As cidades da Alemanha ficaram em ruínas.
— Viemos para o Brasil quando eu tinha sete anos. Tivemos de ficar 40 dias em quarentena em Volta Redonda (município do Rio de Janeiro). Foi lá que eu conheci a primeira banana — recorda Ingrid, que vive em uma casa geriátrica em Torres e precisa do auxílio de uma bengala para caminhar.
O pai falava seis idiomas e partiu da Europa com emprego assegurado no país, na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A família ainda passaria por Petrópolis, no Rio de Janeiro, e Jundiaí, em São Paulo. Ingrid chegou a estudar em 13 escolas diferentes durante os ensinos Fundamental e Médio.
Antes de se casar com Ernesto Haussler, Ingrid teve outro marido. Desse matrimônio teve os primeiros três filhos. Atualmente, ela vive em Torres e integra o Conselho Municipal da Pessoa Idosa, do qual foi uma das fundadoras e ex-presidente.