Escritores do Rio Grande do Sul e de outras partes do país estão publicando manifestações em que denunciam uma fala racista proferida durante o Prêmio Literário Academia Rio-Grandense de Letras, entregue na noite de quinta-feira (12), em Porto Alegre.
Segundo relato das autoras Eliane Marques e Natalia Borges Polesso, o presidente da Academia, Airton Ortiz, fez um discurso no qual teria atribuído o pioneirismo das instituições culturais gaúchas à imigração italiana e alemã, e dito que, onde a imigração foi de escravizados, não teria ocorrido o mesmo.
— Ou seja, apenas os alemães e italianos seriam capazes de produzir algo no Rio Grande do Sul. Predomina aquele pensamento inconsciente de que o RS é um Estado branco, quando sabemos que não é. É uma fala extremamente racista pois atribui à raça conquistas ou não-conquistas de uma determinada sociedade — afirma Eliane.
Em nota de retratação publicada no site da organização na tarde desta sexta-feira (13), Ortiz atribui a fala de cunho racista por ter falado de "improviso e sem completar o raciocínio." Ele assumiu a responsabilidade pelo "erro" (leia abaixo a nota completa).
A premiação
Ao ouvir a fala do presidente durante a premiação, Eliane se levanta e o interrompe, argumentando que tratava-se de uma fala racista, que “não considera que a branquitude protagonizou o tráfico negreiro e lucrou com isso”.
— A coisa é tão violenta que eu simplesmente tinha que dizer algo, então o interrompi, tentando ser educada porque uma mulher negra que faz uma intervenção dessas é sempre pensada como louca ou barraqueira. Ele parou, mas depois seguiu falando e nenhuma pessoa branca dali o interrompeu. Muitos se sentiram mal, mas não foram capazes de dizer, “não, senhor presidente, não podemos mais trilhar esse caminho racista” — relembra a autora.
Ao final da premiação, acompanhada por outros escritores que a apoiaram, Eliane sobe ao palco e faz uma manifestação em que denuncia novamente que houve racismo na fala do presidente da associação, pontuando que que a própria Academia Brasileira de Letras foi fundada por um escritor negro, Machado de Assis, e exigindo uma retratação.
— A sociedade exige uma retratação pública da Academia Rio-Grandense de Letras, por escrito, em veículo de comunicação, no mínimo isso. Ontem eu estava corajosa, levada pelo ímpeto de ter que dizer alguma coisa. Hoje, eu gostaria de não sair de casa e de não viver nessa sociedade em que o tempo inteiro a gente tem que estar lutando, se defendendo. Acabou com a minha celebração. É uma sociedade que de um lado reconhece, oferece um prêmio, e do outro lado retira esse prêmio – conclui Eliane.
Na ocasião, Eliane Marques foi premiada na categoria Narrativa Longa pelo romance Louças de Família, e Natalia Borges Polesso foi vencedora na categoria Literatura Juvenil pela obra Foi um péssimo dia.
Desde o ocorrido, diversos escritores fizeram publicações nas redes sociais em apoio à escritora e em repúdio à fala de Ortiz, como é o caso de Natalia Borges Polesso, Jeferson Tenório, Itamar Vieira Junior, Lilian Rocha, Ronald Augusto e Julia Dantas, além de manifestações do Coletivo de Escritores Negros do Rio Grande do Sul e do Clube dos Editores do RS, entre outros.
— A situação é inadmissível, a gente não pode esperar que essas violências aconteçam com pessoas negras para que a gente diga, e aja. A gente não pode esperar que as pessoas negras avisem que estão sofrendo violência para a gente se manifestar e repudiar esses atos violentos. Então que numa próxima vez a gente se levante antes contra isso. Foi muito importante as pessoas que se levantaram e foram com a Eliane ao palco, a pedido dela, porque ela não deveria ter que passar por isso sozinha – afirma Natalia.
Nota de retratação:
Retratação
Ontem, durante a entrega do Prêmio Academia Rio-Grandense de Letras, ao fazer um histórico do surgimento precoce das instituições culturais no Rio Grande do Sul, falei que isso em muito se devia aos imigrantes alemães e italianos, pois eles tinham liberdade para se reunirem em associações, publicarem seus jornais e praticarem suas culturas. Enquanto isso, nas regiões colonizadas por escravos, infelizmente eles não tiveram liberdade para esse tipo de atividade. Por culpa, obviamente, de quem os escravizava.
Dito de improviso e sem completar o raciocínio acima exposto, minha fala teve cunho racista. Assumo a responsabilidade pelo meu erro, pois acabei dando uma conotação distorcida do que eu queria dizer. Reconheci tão logo me foi chamada a atenção e imediatamente pedi desculpas diante do mesmo público que ouviu o que eu havia falado. É óbvio que eu condeno toda e qualquer manifestação racista, tenho um histórico de vida que comprova isso, e por isso essa retratação pessoal, que em nada envolve a Academia Rio-Grandense de Letras.
Airton Ortiz