Quando Stephen Hawking fala, suas palavras reverberam para além do universo científico. E se este, que é um dos mais consagrados cientistas da atualidade, aponta suas impressões sobre o futuro da humanidade, o mundo silencia para ouvi-lo e traduzi-lo. Declarações feitas na semana passada repercutiram mundialmente, mas um ponto em especial chegou ao Brasil mal interpretado: que a humanidade poderia ser extinta em 30 anos. O veredicto sobre um fim próximo da espécie humana não foi decretado por Hawking. Ele sugeriu construir uma base lunar nos próximos 30 anos e enviar pessoas a Marte até 2025. Estudiosos atentam para o simplismo e a descontextualização que rondam a divulgação das conferências do genial físico britânico de 75 anos.
Em palestra no Starmus Festival, evento que discute ciência, arte e tecnologia em Trondheim, na Noruega, Hawking fez alertas, sim, mas sobre a necessidade de colonização do espaço e de retomar investimentos em grandes projetos espaciais nas próximas três décadas se a humanidade quiser prolongar sua existência. Para o cientista, isso já é uma urgência diante de um planeta Terra castigado.
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– Ele está estimulando que nós, enquanto espécie humana, busquemos o espaço de novo e tenhamos ambições maiores. A questão da extinção depende de uma escala de tempo. Em 30 anos, essa probabilidade é ridícula. Não é zero, mas é muito pequena. Se formos falar em um milhão de anos, aí temos uma escala geológica. Bem, neste tempo, poderemos ter algum cataclismo que pode colocar a espécie em risco – diz o professor de astrofísica da USP Rodrigo Nemmen.
Especialista em astronomia moderna e astrofísica pela Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, o físico Paulo Leme explica que as afirmações de Hawking sobre a estratégia de sair do planeta em que vivemos se baseiam em alguns fatos. Um deles é de que a Terra, como a conhecemos, poderá ser destruída por um grande asteroide, pelo aquecimento global ou pelo crescimento desordenado da população.
– O primeiro item (a destruição por um asteroide) é somente uma questão de estatística. A elevação da temperatura do planeta a níveis perigosos à vida humana deverá ocorrer muito tempo após esse período de 30 anos, se continuar evoluindo à taxa atual. A referência ao excesso da população, hoje estimada em cerca de 7 bilhões, é um elemento bem mais complexo de se analisar, mas ainda existe "espaço", no sentido mais amplo, para muita gente na Terra – avalia.
Stephen Hawking é um conhecido entusiasta da colonização do espaço e volta e meia coloca essa aspiração dentro de um período de tempo. Leme lembra que, em novembro de 2016, o cientista deu uma palestra na Universidade de Oxford, declarando que a humanidade teria um limite de mil anos para ficar somente na Terra. Essa entrevista repercutiu como uma bomba. Em documentário da BBC, Hawking reduziu para cem anos esse limite. E, agora, encurtou o tempo em que devemos deixar o planeta para 30 anos.
– Hawking mantém uma preocupação real com o futuro da humanidade e tem, sim, feito uma revisão periódica ao tema – pondera Leme.
Os pesquisadores que se interessam pelo futuro da humanidade acreditam que o tema precisa ser posto à mesa das discussões mundiais, jogando luz a ações – ou à falta delas – que tendem a antecipar a degradação da Terra a níveis avassaladores. O próprio Hawking, no Starmus Festival, ressaltou que a militância pelo domínio espacial do homem não diminui a importância de lutar contra o aquecimento global. Os danos ambientais comovem menos do que a possibilidade de um asteroide se chocar com o planeta.
– O destino é sair, mas a grande pergunta de quem estuda a espécie humana é se estamos fadados a nos autoextinguir – diz Nemmen.
O professor acredita que o desafio para levar o homem à Lua ou à colonização de outros planetas seja baratear os custos para isso.
– Tecnologia, nós já temos – ressalta.
A Nasa não tem planos de voltar à Lua em breve e aposta suas fichas no envio de astronautas a Marte até 2030. A Agência Espacial Europeia prevê a construção de uma base na Lua em 2024 e pretende, com a Rússia, enviar uma sonda para definir o local. A China também já demonstrou interesse na exploração.
Veja algumas afirmações do consagrado cientista no Starmus Festival
"A expansão para o espaço pode mudar completamente o futuro da humanidade."
"Um novo e ambicioso programa espacial serviria para engajar os mais jovens e aumentaria o interesse deles em outras áreas, como astrofísica e cosmologia."
"Tentar se espalhar por aí talvez seja a única estratégia que pode nos salvar de nós mesmos. Estou convencido de que os seres humanos precisam sair da Terra."
"Se a humanidade quiser continuar (a viver) por mais milhões de anos, nosso futuro residirá na ousadia de ir onde ninguém mais ousou ir. Não temos outra opção."
"Não estou negando a importância de lutar contra o aquecimento global e as mudanças climáticas aqui, ao contrário do que fez Donald Trump, que pode ter tomado a decisão mais séria e errada sobre esse tema."
O que alguns estudiosos dizem sobre temas tratados por Hawking
"A conquista do espaço é inspiradora, e nós, enquanto esforço coletivo, paramos de fazer isso."
Rodrigo Nemmen, professor de astrofísica da USP, sobre investimentos em projetos espaciais.
"Projetos espaciais envolvendo colaborações internacionais poderiam dar à humanidade recursos para lidar com este tipo de ameaça ao longo deste século."
José Eduardo Costa, astrofísico do Departamento de Astronomia do Instituto de Física da UFRGS, sobre a importância de investimentos em pesquisas espaciais frente a ameaça de objetos colidirem com a Terra.
"O fim da humanidade na Terra é inevitável a longo prazo. Na melhor das hipóteses, o Sol se tornará uma estrela gigante vermelha e se expandirá além dos limites da órbita terrestre, mas isso ocorrerá somente em cerca de 5 bilhões de anos. Outros problemas muito mais urgentes, como os ecológicos, a superpopulação e os recursos finitos de alimentos e energia, certamente terão seus impactos irreversíveis."
Paulo Leme, físico